Ufal amplia discussão sobre antirracismo com grupo de estudos sobre o tema

Iniciativa do curso de licenciatura em Filosofia visa fortalecer práticas contra o racismo na Universidade e fora dela
Por Deriky Pereira – jornalista
21/03/2024 14h32 - Atualizado em 21/03/2024 às 14h33

“Não basta não ser racista, devemos ser antirracistas". A célebre frase da filósofa e ativista Angela Davis ganhou destaque nos últimos anos quase que como uma resposta aos diversos episódios de racismo ocorridos no mundo. Pensando nisso, a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) decidiu ampliar a discussão sobre a educação antirracista a partir da discussão de pautas sobre o assunto a partir de um grupo de estudos criado pelo curso de licenciatura em Filosofia, liderado pela docente Juliele Sievers.

Segundo ela, o curso apresenta aos estudantes as Leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 que versam sobre a obrigatoriedade da presença da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos ensinos fundamental e médio, mas os estudantes não recebem a devida preparação para efetivar essa prática conforme o que ela chama de currículo tradicional, pois a própria História da Filosofia apresenta silenciamento projetado sobre essas questões.

“O grupo surgiu como uma demanda dos próprios discentes do curso ao perceberem a escassez de bibliografias de autoras e autores negros, assim como o a questão do epistemicídio que atravessa a Historia da Filosofia em relação aos conhecimentos e cosmovisões afrobrasileiras, afrocêntricas e indígenas. Então, o nosso grupo desponta como uma tentativa de preencher essa lacuna na formação discente, e fortalecer as práticas antirracistas na academia e fora dela”, explicou Juliele Sievers.

Assim, segundo a docente, o grupo visa sistematizar o estudo da temática do antirracismo de maneira rigorosa, ou seja, não apenas discutir por discutir, pois é preciso aprender e colocar em prática esse conhecimento e combater, cada vez mais, o racismo estrutural.

“Pretendemos aprender com os textos e autores e autoras para que tenhamos o arcabouço teórico não apenas para levar a pauta antirracista para nossas práticas docentes e acadêmicas, mas também para combater o racismo estrutural que ainda perdura em praticamente todas as esferas de nossas vidas. A educação antirracista é a nossa chave para repensar o modo como produzimos e reproduzimos o conhecimento na Universidade”, frisou Juliele.

Dinâmica do grupo

Segundo a professora, os integrantes escolhem, de maneira coletiva, os livros que vão ser estudados. Desde setembro de 2022 quando o grupo teve início até o momento, obras como Lugar de Negro, de Lélia Gonzalez; O Movimento Negro Educador, de Nilma Gomes; O Negro no Mundo dos Brancos, de Florestan Fernandes; e Mulheres, Raça e Classe, de Angela Davis – que abriu esse texto – já foram lidas e discutidas pelos componentes do grupo.

“Então, semanalmente, a cada encontro, os participantes chegam com o capítulo lido para que, juntos, façamos um debate acerca dele. Trazemos dúvidas, questões, experiências pessoais, tentamos fazer conexões entre diferentes autores ou autoras, conceitos, disciplinas, de modo a contextualizarmos o que aprendemos e tentarmos tornar nossas práticas acadêmicas [estudos, pesquisas, interesses teóricos] engajadas com o antirracismo”, explicou a docente.

O grupo não conta com um número fixo de participantes, mas existe o que Juliele classificou como um “núcleo de sustentação”, ou seja, pessoas que participam ativamente de todos os encontros e outros estudantes que nem sempre podem estar presentes, mas que, quando conseguem, aparecem para participar e discutir os temas propostos. Ela acredita que o fato de discutirem sempre um capítulo por encontro é algo que facilita a aderência das pessoas ao grupo de estudos.

“Isso facilita a aderência do público, que não necessita haver participado dos encontros anteriores para participar apenas quando pode. Esse também foi o motivo de termos passado recentemente à modalidade online. Ela facilitou o engajamento de pessoas que moram longe e/ou tem dificuldades em vir até o Ichca [Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes, no Campus A.C. Simões, em Maceió], assim como pessoas de outros estados e outras Universidades”, complementou Juliele.

Me interessei, posso participar?”

A resposta é sim! Segundo Juliele, sempre há espaço para novos participantes, não necessariamente que sejam ligados à Universidade. “Todas as pessoas interessadas nesta temática estão convidadas a participar não importando de onde venham. Quanto mais pessoas engajadas em aprender, ensinar, falar e ouvir sobre esse tema, mais esperanças teremos em mitigar os efeitos do racismo em nossa sociedade, por meio da educação. Basta entrar em contato e solicitar o material de estudo e o link das reuniões por e-mail”, explicou a docente.

A inclusão e participação de qualquer pessoa interessada no tema reforça o motivo do surgimento do grupo e da importância de se discutir – e combater – cada vez mais o racismo na sociedade. É que de acordo com Juliele, a História da Filosofia é marcada pelo colonialismo, pelo machismo e pelo racismo. O tema continua sendo estudado, mas não se pode deixar de questioná-la ou apontar seus problemas estruturais, suas limitações e, principalmente, seus erros.

“Os debates do grupo nos ajudam a conceituar e argumentar filosoficamente frente a este contexto racista, além de trazer autoras e autores negros para o rol de bibliografias essenciais para a formação em Filosofia. Para além da teoria, outro incômodo é a baixa representatividade de professoras ou professores negros ao longo da formação de nossos estudantes”, refletiu Juliele.

A docente apontou ainda que ela, enquanto uma mulher branca, teve receio em propor a organização do grupo e se apresentar como coordenadora, mas a proposta inicial do grupo foi a de pensar nele como um espaço de partilha e aprendizado mútuo sobre a temática do racismo. “Nesse espaço, eu me coloco como alguém que visa aprender junto com meus alunos, com minhas alunas, lendo e estudando ao lado deles, já que nosso objetivo em comum é o de que aquilo que é construído neste espaço repercuta em outros espaços, dentro e fora da Universidade”, complementou.

Quem quiser participar do grupo de estudos deve escrever um e-mail para: juliele.sievers@ichca.ufal.br.

Conhecimento intra e extramuros

A professora Juliele Sievers nos contou também que o grupo ainda está no começo e o trabalho é árduo, mas que já conta com alguns desdobramentos. Um deles é a publicação de trabalho feito sobre a temática do antirracismo em uma Revista de Filosofia de estrato superior, a Ideação. Escrito por membros do grupo, o artigo tem como título Os Atravessamentos entre a Necropolítica e o Pacto Narcísico da Branquitude.

Mas não é só isso. “Atualmente também está sendo oferecida, de maneira contínua, em todos os semestres, uma disciplina eletiva no curso de Filosofia, intitulada Filosofia e Literatura, onde trabalhamos a educação antirracista através de uso de contos afrofuturistas na aula de Filosofia. Inclusive, vale lembrar que esta disciplina está aberta também para pessoas de outros cursos da Ufal”, explicou a professora.

Ainda segundo ela, os integrantes do grupo também desenvolvem atividades de pesquisa sobre o tema que costumam ser apresentadas em eventos acadêmicos e, no futuro, podem chegar a virar Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), o que denota aumento nas produções da Ufal sobre o tema. “Esse tema urgente, por tanto tempo, ficou do lado de fora das portas das Universidades. Nosso Grupo, para além dos estudos e pesquisas que desenvolve, é um lugar de partilha e de fortalecimento da pauta por uma educação antirracista, e esperamos que mais e mais pessoas se juntem a nós”, conclui Juliele Sievers.

Clique aqui e conheça mais sobre o Grupo de Estudos sobre Educação Antirracista da Ufal.