Doenças infecciosas ameaçam saúde da população alagoana

Infectologista Celso Tavares alerta que, além da dengue, é preciso ter atenção com os casos de meningite e fazer o controle da peste

31/10/2012 15h50 - Atualizado em 14/08/2014 às 10h36
Áreas afetadas pela peste em Alagoas

Áreas afetadas pela peste em Alagoas

Lenilda Luna - jornalista

Com 35 anos dedicados à Medicina, especificamente à área de doenças infecciosas, o infectologista Celso Tavares demonstra uma grande preocupação com as ameaças à saúde da população alagoana, principalmente nas camadas de baixa renda. O médico, considerado um especialista em dengue, afirma que isso foi acidental. "Por causa das campanhas de combate à essa doença, sou procurado para falar sobre o assunto, mas a minha área de interesse na infectologia é a peste, que muitos pensam estar extinta, mas a bactéria está presente em animais em um terço do território alagoano, por isso, não podemos nos descuidar", alerta Celso Tavares.

Quando fez o doutorado em Saúde Pública no Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, da Fundação Oswaldo Cruz, em Recife, no ano de 2007, Celso Tavares, que é professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas, apresentou tese sobre uma experiência de controle da peste executada pelo governo federal na Chapada do Araripe, em Exu, Pernambuco, de 1966 a 1974. "Estudamos aquela experiência com o interesse em alertar para a necessidade de um plano permanente de vigilância, com a participação comunitária e a pesquisa da bactéria Y. pestis, transmissora da peste, nos roedores e suas pulgas", relatou o pesquisador.

O último caso de peste em humanos, no Brasil, foi registrado em 2004, por isso, o infectologista alerta que não se pode baixar a guarda. Na tese de doutorado, o infectologista afirma: "A persistência desses focos, a manutenção e ampliação dos bolsões de pobreza e a desestruturação dos serviços públicos oferecem um campo fértil para a sua propagação, inclusive para centros urbanos. O deslocamento de infectados torna a peste uma ameaça real e permanente".

Em Alagoas, relata o médico, a peste não chegou pelo porto, como na maioria das áreas com focos da doença. "No início do século XX, o empreendedor Delmiro Gouveia abriu estradas para transportar a produção da fábrica têxtil para o porto de Recife, e trazia de lá mantimentos. Nos caçuás dos burros vieram os ratos contaminados pela doença, que se espalhou por Quebrangulo e Palmeira dos Índios. Muita gente perdeu parentes nesse período, inclusive Graciliano Ramos", contou Celso.

Hoje, a peste é uma doença silvestre, ou seja, acomete os animais, mas é preciso controlar a população de roedores e pulgas contaminados, para evitar que, acidentalmente, a doença acometa novamente os humanos. "Num Estado com os índices sociais negativos que nós temos, com uma população pobre, desassistida e sem acesso à informação e à formação escolar, qualquer doença infecciosa é um grande risco", ressaltou o médico.

Com essa preocupação, em julho deste ano, o médico realizou um curso para médicos e agentes de controle de endemias com o tema "Capacitação em Biologia, identificação e controle de pulgas e roedores de importância na cadeia de transmissão da peste", avaliando casos ocorridos no Brasil, no período de 1983 a 2012. O objetivo desse trabalho é identificar o risco da transmissão para humanos, impedir a infecção de humanos mediante a aplicação das medidas de controle, diagnosticar precocemente as ocorrências e reduzir a ocorrência de casos humanos e a letalidade.

A dengue, a falta de assistência e de educação

Sobre a dengue, o médico infectologista é bastante crítico. Para ele, as campanhas realizadas há 26 anos, caem no vazio. "A abordagem não funciona. As pessoas não percebem que o mosquito transmissor se adaptou muito bem em nossas casas, aproveitando a nossa falta de atitude e de solidariedade. O Aedes Aegypti não é um mosquito que incomoda, como uma muriçoca, ele não faz barulho, a picada não dói, fica escondido entre nossas roupas, atrás dos quadros, nos cantos da casa, até a hora de atacar. A fêmea pica porque precisa de sangue para alimentar a reprodução da espécie", detalhou Celso Tavares.

Além da falta de cuidados da maioria da população, existe a banalização do exercício da medicina, principalmente na área de infectologia. "Os médicos infectologistas ganham pouco. Os profissionais de saúde estão procurando outras especialidades, onde conseguem melhores salários. Por conta disso, temos cada vez menos especialistas para atuar no combate às doenças infecciosas. Eu me preocupo com o hospital Hélvio Auto, por exemplo. Os médicos que atuam lá estão se aproximando da aposentadoria e será difícil substituí-los", alertou Celso.

Nos postos de saúde, segundo o médico, os sintomas não são tratados com a devida atenção. "Agora, todo sintoma de infecção é tratado como virose, e de certa forma, esse nome não inspira medo às pessoas. Ninguém acha que vai morrer de virose. Quando o tratamento é iniciado, algumas vezes é tarde demais. Tenho visto crianças e adolescentes morrerem de dengue ou de meningite, porque os cuidados foram tardios. Uma morte que poderia ter sido evitada me causa uma profunda tristeza", lamentou.

A proletarização do médico

O infectologista crítica ainda o que ele considera a proletarização da medicina. "Hoje, para manter um certo padrão salarial, os médicos são obrigados a ter três e até cinco vínculos empregatícios. Não tem como se dedicar direito ao paciente nessas condições, nem estudar. O médico precisa de tempo para se capacitar. Principalmente os que atuam no SUS deveriam ter uma formação permanente e um salário melhor, porque são eles que vão usar os conhecimentos e os sentidos em condições adversas para salvar vidas", ressaltou.

A formação do médico nas faculdades de Medicina também deveria levar em consideração a necessidade de capacitar os profissionais para atuar em saúde pública. "A Ufal tem que privilegiar os aspectos regionais, as doenças infecciosas têm de ser prioridade. Mas na atual grade curricular, a carga horária dedicada à Infectologia é mínima. O curso está evoluindo, mas é preciso corrigir essa falha", considerou Tavares.

Anexos:

Clique aqui e veja o boletim de outubro com os casos notificados de dengue, revelando um aumento de 125,86%, em relação ao mesmo período do ano passado.

Em anexo consulte a tese de doutorado do infectologista Celso Tavares sobre o controle da Peste.