Estudo indica que cemitérios contaminam as águas subterrâneas

No Trapiche foram encontrados sinais de contaminação pela decomposição dos cadáveres nos poços

01/06/2012 16h25 - Atualizado em 02/05/2024 às 16h01
Medição do nível de água no poço do cemitério São José, no Trapiche

Medição do nível de água no poço do cemitério São José, no Trapiche

Lenilda Luna - jornalista

O estudo foi realizado pela mestre em Recursos Hídricos e Saneamento, Florilda Vieira dos Santos, para a elaboração da tese de dissertação defendida em março deste ano, na Universidade Federal de Alagoas. A pesquisadora foi orientada pela professora Cleide Vasconcelos e co-orientada por Cleuda Freire e, durante dois anos, de dezembro de 2009 a novembro de 2010, coletou amostras em 22 pontos na parte alta e baixa da cidade de Maceió.

Florilda se deteve em dois locais que avaliou como mais críticos: os cemitérios Nossa Senhora Mãe do Povo, em Jaraguá, e São José, no Trapiche da Barra. "Já havia uma suspeita de contaminação porque na parte baixa da cidade o lençol freático é mais vulnerável, por ser muito próximo a superfície. Mas depois dos nossos estudos, confirmamos que a situação é realmente muito séria", alertou Florilda.

A pesquisadora monitorou poços que estão localizados dentro dos cemitérios e um ponto nos arredores. Em Jaraguá, no cemitério Nossa Senhora Mãe do Povo, na água coletada os resultados das análises microbiológicas indicam contaminação de origem fecal. Também foram encontrados clostridium perfringens, substância que indica contaminação antiga e, ainda bactérias que sugerem poluição por matéria orgânica.

No cemitério São José, no Trapiche, foram detectadas bactérias proteolíticas, um sinal de que a água está contaminada por necrochorume, líquido produzido pela decomposição dos corpos. "A água coletada nos poços desses cemitérios encontra-se totalmente fora dos padrões de referência para água potável, segundo a portaria 2914/2012 do Ministério da Saúde", denuncia a pesquisadora.

Nos cemitérios estudados, a água contaminada é usada principalmente para a lavagem dos túmulos e outras atividades de limpeza. A preocupação é maior ainda com a utilização das águas desse mesmo lençol freático em atividades domésticas, já que muitas residências no Trapiche e no Jaraguá são abastecidas por poços artesianos. Segundo dados da pesquisa, atualmente o sistema de abastecimento da capital alagoana é feito, principalmente, por fontes subterrâneas. São duzentos poços espalhados pela cidade, representando 68% da vazão fornecida pela Casal. "Os lençois freáticos deveriam ser menos vulneráveis à contaminação do que as águas da superfície, mas o crescimento desordenado da cidade acabou provocando a contaminação dessas fontes", pondera a pesquisadora.

Práticas prejudiciais

No caso dos dois cemitérios que foram alvo do estudo, quando eles foram construídos, estavam em local deserto, afastados do aglomerado urbano. "Os cemitérios não foram colocados dentro da cidade, foi a cidade que cresceu englobando esses territórios. No cemitério do Jaraguá, por exemplo, dados da prefeitura indicam que ele existe há 72 anos, mas eu encontrei túmulos datados de 1896, pertencentes à uma família inglesa que morava na cidade", conta a pesquisadora.

Florilda ressalta que a situação não seria tão grave se fosse abandonado o costume de colocar os caixões diretamente sobre o solo, um processo chamado numação, quando não se utiliza túmulos vedados no fundo. "Até 2009, os enterros no cemitério do Jaraguá eram feitos assim. Nos últimos três anos, a prática mudou, talvez por isso a contaminação desse local seja menor do que a verificada no São José, onde a numação ainda é realizada", alerta Florilda.

Durante as várias vezes em que visitou os cemitérios, Florilda observou ainda outras práticas questionáveis e poluentes. As árvores frondosas, como as amendoreiras, por exemplo, podem dar um ar tranquilizador e gótico ao local, mas são inadequadas, porque tem raízes profundas que abrem rachaduras no solo. Isso acelera ainda mais a contaminação do lençol freático, além de provocar danos na rede de esgoto.

Florilda observou também que os funcionários dos cemitérios não usam equipamentos de proteção individual. "Mais grave ainda é que os resíduos dos mortos são descartados como lixo comum, nos mesmos containeres que acumulam o lixo residêncial. Eu vi caixões, roupas dos defuntos e outros artigos jogados junto ao lixo das casas das proximidades", denuncia a pesquisadora.

A água em números

Um dos capítulos da dissertação de Florida Vieira é dedicado a demonstrar que a água potável não é tão abundante no planeta como se pensava há décadas. Na verdade, apenas 3% da água da Terra está disponível como água doce, e a maior parte fica nas calotas polares.

Para alertar como cuidar da água é fundamental para a manutenção da vida, a pesquisadora destaca que 65% das internações hospitalares no Brasil são provocadas por doenças relacionadas a água contaminada. Ainda segundo o estudo, se as cidades brasileiras tivessem saneamento e abastecimento de água adequados, a mortalidade infantil seria reduzida em 50%.

Recomendações

Diante dos resultados da pesquisa, Florilda sugere algumas medidas que precisam ser tomadas pelo poder público, para evitar que a contaminação do lençol freático se agrave ainda mais. Uma delas é a substituição da prática de numação nos cemitérios municipais, ou seja, ao invés de colocar os caixões direto sobre o solo, é preciso construir túmulos vedados, impedindo o vazamento de necrochorume.

A pesquisadora também considera que o monitoramento dos poços dos cemitérios deve ser permanente. Outra sugestão a médio e longo prazo é programar a desativação dos atuais cemitérios públicos que estão em áreas muito habitadas e a construção de novos, que atendam às normas ambientais.