Fragmentos de uma história de meio século

A Universidade Federal de Alagoas comemora 50 anos - tempo em que assistiu a uma série de momentos históricos e transformações sociais, econômicas e culturais. Muitas dessas lembranças ainda estão bem vivas na memória de alguns personagens do passado e do presente, que acompanharam parte da história da instituição. Relatos que, agora, o Caderno Dois de O JORNAL compartilha com você, leitor.

22/02/2011 10h47 - Atualizado em 13/08/2014 às 11h09
Projeto Hope

Projeto Hope

Jacqueline Batista - repórter, matéria publicada no dia 19 de fevereiro

A Universidade Federal de Alagoas (Ufal) participou de momentos his­tóricos e transformações sociais, econômicas e culturais. Viu a Ditadura se instalar, o endureci­mento do Regime Militar - atra­vés do Ato Institucional nº 5 -, a abertura política, o impeachment de um presidente, a chegada de um líder sindical e da pri­meira mulher à presidência.

Como parte integrante de Alagoas, a Ufal influenciou mudanças na cultura do Estado e foi influenciada, por essa cultura. Por isso, o aniversário de 50 anos da maior instituição pública de ensino de Alagoas é algo que não se restringe aos seus muros, mas é, sim, um acontecimen­to que está interligado à cultura e à história de Alagoas como um todo.

Em 25 de janeiro de 1961, quando foi sancionada a lei de criação da Ufal pelo presidente Juscelino Kubitschek, na biblioteca do Palácio da Alvorada, em Brasília, talvez não fosse possível imaginar até onde a Ufal chegaria 50 anos depois. No momento de criação da universidade, exis­tiam seis cursos: Direito, Medicina, Filosofia, Ciências Econômicas, Engenharia e Odontologia. Hoje, os números saltam aos olhos: são 86 cursos, 21 mil alunos matri­culados, 1.300 professores e 1.500 técnicos administrati­vos. Em 50 anos, 38.704 pessoas se formaram pela Ufal. Além do Compus A.C.Simões, a Ufal se expandiu, crian­do o Compus de Arapiraca - com as Unidades de Viçosa, Penedo e Palmeira dos índios – e o Campus do Sertão, em Delmiro Gouveia, com a Unidade de Santana do Ipanema. Em 50 anos de história, diante de tantos fatos e pes­soas envolvidos, são muitos os eventos e visões do mesmo acontecimento. O Caderno Dois de O JORNAL foi atrás de relatos que pudessem retratar parte dessa história. Fragmentos da realidade, que, em momento algum, con­templarão todos os fatos importantes dessa jornada de meio século. A ideia é mostrar partes de uma grande nar­rativa – que, muitas vezes, confunde-se com a história de Maceió e de Alagoas – através do olhar de professores, téc­nicos e ex-estudantes, que vivenciaram contextos dife­rentes dessa universidade e, por isso mesmo, têm uma abordagem particular. São aspectos de uma história que serão conhecidos aqui, através da visão privilegiada de quem viveu seus bastidores em épocas e realidades dife­rentes.

Projeto Hope deixou marcas no HU e  no curso de Enfermagem

Era um típico dia de verão nordestino quando, em fevereiro de 1973, o navio do projeto Hope, que havia sido utilizado durante a Segunda Guerra Mundial, ancorou no Porto de Jaraguá, trazendo uma equipe da área de Saúde, que incluía médicos, dentistas, en­fermeiras e técnicos norte-americanos. Entre os tripu­lantes, estava a jovem Bárbara, de 26 anos, formada há cinco – tempo que exercia, de forma bem-sucedida, sua profissão como chefe de UTI nos Estados Unidos. Por isso mesmo, os pais da enfermeira foram con­tra a sua vinda, não entendi­am o desejo da filha de largar tudo e se aventurar em terras estranhas.

Ao aportar nesses lados de cá para uma estada de exatos dez meses, nem mesmo a en­fermeira, que, na época, fala­va bem poucas palavras em português, podia imaginar a reviravolta que sua vida daria. A história da enfermeira e pro­fessora da Ufal, há 32 anos, Bárbara Allen Pinto de Campos, pode ser confundida com a da própria universidade. Tanto é que a sua imagem, agora, também faz parte da ex­posição do Memorial do HU, inaugurado há cerca de um mês.

O projeto Hope, mantido através da contribuição de par­ticulares, foi  criado  nos Estados Unidos, em 1960. O objetivo do projeto, que existe até hoje, é oferecer ajuda na área de Saúde a pessoas de países carentes. A Maceió da época muito se encaixava nesse contexto. "Quando cheguei aqui, havia apenas sete enfermeiras com curso de terceiro grau. Todas trabalhavam em saúde pública, não havia nenhuma em hospital", lembra a professora.  A chegada de

Bárbara, junto com o navio do Hope, foi decisiva para a mudança dessa realidade. Nessa época, o Campus era uma aquisição recente da universidade. A Faculdade de Medicina  já existia, mas a de Enfermagem e o Hospital Universitário (HU) ainda eram um sonho.

Em novembro de 1973, dez  meses após a sua chegada a  Maceió, o navio do Hope toma o rumo de volta aos Estados Unidos. A enfermeira Bárbara, entretanto, não constava entre os passageiros de volta. Ficou em Maceió para construir parte da importante história da Ufal e de sua própria vida. Ela foi um dos personagens mais atuantes na abertura do HU e do curso de Enfermagem.

"O surgimento do hospital e do curso de Enfermagem está muito ligado ao Projeto Hope. Quando o navio foi embora, ficaram cinco enfermeiras. Dessas, quatro se tornaram professoras da primeira turma de Enfermagem da Ufal. Além de nós, três brasileiras fizeram parte da equipe inicial de pro­fessoras do curso de Enfermagem, em 1974", expli­ca Bárbara.

Das cinco enfermeiras que ficaram em Maceió, quatro foram embora. Bárbara é a única que vive e trabalha na cidade até hoje. "Fiquei por razões pessoais. Aqui conheci o meu marido, que, na época, era estudante de Medicina". Por sua atuação no surgimen­to do curso de Enfermagem, a professora foi convidada di­versas vezes para ser paranin­fa em formaturas. "As minhas palavras para o grupo de alunos podem se resumir em: 'seguir seus sonhos'. Poderia ter ganhado mais dinheiro nos Estados Unidos, mas, ficando aqui, a recompensa pessoal foi bem maior".

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