Cinco décadas de atividades marcadas por muita agitação

Nascida nos “anos rebeldes”, universidade se destaca pela geração de líderes políticos, muitos deles na ativa.

31/01/2011 14h08 - Atualizado em 13/08/2014 às 11h08

Carla Serqueira - Gazeta de Alagoas

Meio século de história. A Universidade Federal de Alagoas (Ufal) comemora este mês seus 50 anos de existência. Nascida nos "anos rebeldes", data de 25 de janeiro de 1961 a lei de sua criação, assinada na recém-construida Brasília pelo presidente Juscelino Kubitschek. São cinco décadas de atividades que começaram já em meio à agitação.

Com três anos de idade, a Ufal viu o Brasil ser entregue à ditadura militar. Ainda espalhados em cursos no Centro e Campus Tamandaré, no Pontal da Barra, onde hoje fica o Detran, os primeiros universitários de Alagoas semearam uma sequência de reaçòes em prol da liberdade. Quando a repressão começou a incomodar, a Ufal apenas engatinhava, mas já confirmava a sua vocação de gerar líderes políticos. Muitos deles até hoje na ativa.

Aldo Rebelo, Renan Carneiros, Judson Cabral, Ronaldo Lessa, Thomaz Beltrão, Eduardo Bomfim são alguns nomes que ainda nem imaginavam iniciar carreira política na Ufal quando o professor Radjalma Cavalcante já fazia barulho nos espaços acadêmicos. Depois do golpe militar, ele foi o primeiro presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Em 1966, estudante de Economia, hoje ele coleciona episódios dos "anos de chumbo". Não seguiu carreira partidária, mas ajudou a fomentar o terreno fértil da inquietação.

Responsável pela organização dos trotes, para receber os novos alunos, os "feras da Ufal", o DCE promovia desfiles nas ruas do comércio. Com o apoio da Escola Padre Anchieta, nas imediações do Parque Gonçalves Ledo, onde funcionava o curso de Serviço Social, na época ainda desvinculado da universidade, Radjalma contou com suas alunas para a comissão de frente. "A madre, diretora da escola e defensora da Teologia da Libertação, permitia as nossas reuniões no colégio. Então, resolvemos convidar as alunas para o trote".

Segundo ele, os cursos de Economia e Engenharia eram os mais atuantes. No dia do trote, populares misturados a militares aguardavam a festa. "O desfile passava em frente ao antigo Cine São Luís. Colocamos as meninas na frente. Depois vieram os alunos de Engenharia. Todo mundo ficou abismado. As primeiras fileiras levavam cartazes dizendo "Viva a ditadura", "Viva o golpe militar". Ninguém acreditou. Quando veio a terceira fileira, todo mundo baixou os cartazes e só ficaram os últimos: "Abaixo a repressão", "Abaixo os militares". Foi pancadaria para todo lado. Esse foi o último trote durante a ditadura".

Com as entidades estudantis vigiadas pelo Sistema Nacional de Informação (SNI), Radjalma Cavalcante recorda que os estudantes do curso de Direito se negaram a formar o Centro Acadêmico. "Era tudo muito controlado. Mas as mulheres resolveram protestar. Formaram uma chapa só de alunas. Uma delas será em breve a vice-presidente do Tribunal de Justiça, a desembargadora Nelma Padilha", contou o professor, dizendo que os militares colocavam informantes para fazer os cursos e vigiar o movimento estudantil. Em 1968, Radjalma já havia se afastado do movimento estudantil. Era o ano de sua formatura. "Minha turma se formou 48 horas depois do AI-5, o dispositivo que tornou a ditadura ainda mais repressiva", recorda, para iniciar a narrativa de mais um protesto. Segundo ele, o reitor da época, A.C. Simões, fundador da Ufal, passou dez anos economizando para construir blocos no Campus do Tabuleiro e centralizar todos os cursos. "Como Economia funcionava num casarão alugado na Praça dos Martírios, onde hoje é uma agência da Caixa Econômica Federal, no começo de 196S, o reitor pediu para transferir o curso para o único prédio que já havia no Campus do Tabuleiro".

Os alunos de Economia foram os primeiros a estudar no atual Campus. Por isso, fizemos questão que a nossa formatura acontecesse lá", relata Radjalma. "Num terreno baldio, montamos um palanque, colocamos gambiarras e realizamos a cerimônia. No meu discurso, fiz duras críticas à economia brasileira. Quando desci do palanque fui preso, tinham dois militares me esperando. Já foram me arrastando para o camburão", conta ele, hoje até achando graça. "Um amigo, o general Mário Uma, estava lá e conseguiu negociar para eu ir à festa da formatura e me apresentar no quartel às 8 horas do dia seguinte".

O recém-formado economista achou pouco e quis protestar um pouco mais. Os formandos da Ufal festejaram no Clube Fênix. O maestro da banda quis saber que valsa tocar. Radjalma Cavalcante rejeitou a valsa e pediu o samba Roda Vida, de Chico Buarque. Alertado pelos músicos que a canção já havia sido censurada no Brasil, o então ex-presidente do DCE da Ufal deu de ombros. O samba tocou e no dia seguinte, no quartel, ele soube que os militares já sabiam de tudo. "Colocaram o dedo no meu nariz e me chamaram de 'rapazote'. Fiquei respondendo a processo por isso".

 Otimismo político movia classe estudantil

 Eduardo Bomfim, ex-secretário de Cultura, ex-deputado estadual e ex-deputado federal, também fez política na Ufal. Sua geração é a dos anos 70. Antes, ele já militava no movimento estudantil secundarista. De 1971 a 1972, no Campus Tamandaré, dirigiu o Centro Acadêmico de Direito. Logo depois, foi eleito secretário-geral do DCE, na gestão do jornalista Dênis Agra. "Naquela época, poucas pessoas não eram idealistas. A grande maioria era politizada e participante. Todo mundo era movido por um otimismo político. Até para se enturmar tinha que saber de política, recorda o ex-parlamentar, que se formou em 1975.

Ele conta que depois da edição do AI-5, a União Nacional dos Estudantes (UNE) foi extinta pelos militares. "A ditadura acabou com todas as entidades". Os DCEs e os Centros Acadêmicos só eram permitidos porque cotidia-namente eram vigiados. Estudante de Direito, Eduardo Bomfim também militava no PCdoB, partido clandestino na época. "Eu ainda lembro do José Thomaz Nono [atual vice-govemador] no movimento estudantil da Ufal. Ele fazia o 5° ano quando entrei no curso", comenta, antes de narrar um episódio envolvendo o Porto de Maceió. Havia americanos à vista. Era preciso reagir e protestar.

"Atracou no cais do porto um navio chamado Hope, que significa esperança. Era um navio-hospital. Ficou em Maceió uns dois anos. Diziam que a filha do vice-presidente dos Estados Unidos na época estava no navio", contou Bomfim, dizendo que a arma dos estudantes foi jornalzinho do DCE. "Agente não podia escrever muita coisa. Mas o antiamericanismo falou alto. Colocamos na manchete: Help, o Hope chegou. A gente acreditava que era uma espécie de mapeamento dos Estados Unidos a favor dos militares".

Outra manifestação que ajudou a promover no Campus Tamandaré chamou a atenção pela peculiaridade. "O Campus amanheceu forrado com pacotes de presente. As pessoas passavam pelos corredores e ficavam curiosas. Dentro, tinham panfletos divulgando a existência da Guerrilha do Araguaia. A gente não podia entregar os panfletos de mão em mão. Esta foi a maneira que encontramos para divulgar a luta dos guerrilheiros". Bomfim também recorda o Teatro Universitário de Alagoas (TUA) e a Federação Alagoana do Desporto Universitário (Fadu) como entidades atuantes na época.

O movimento estudantil na Ufal sofreu uma baixa, quando em 1973 uma série de prisões foi realizada no Estado. "O PCR [Partido Comunista Revolucionário] era o mais perseguido. Depois vinha o PCdoB. A violência era brutal. O movimento foi desmobilizado até começar a se reerguer no final da década de 1970, com a retomada da UNE. Foram os estudantes que elegeram Renan Calheiros deputado estadual em 1978. Nos anos 1980, não havia mais ditadura que segurasse o movimento", conta Bomfim, que também militou na Aliança Popular (AP). "O movimento estudantil era tão importante que as eleições da UNE eram transmitidas pelas rádios. Alagoas formou muitos quadros políticos para o País", afirma, citando, entre outros, o deputado federal por São Paulo Aldo Rebelo, natural de Viçosa; o senador Renan e Ronaldo Lessa, ex-governador do Estado.

Após deixar a universidade, Eduardo Bomfim seguiu carreira política. Em 1982 foi eleito deputado estadual e em 1986, deputado constituinte, fazendo parte do grupo de parlamentares que editou a Constituição Federal de 1988, ainda hoje em vigor. "A Ufal foi muito importante em minha trajetória", conclui.

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