Romance publicado pela Edufal foi indicado para prêmio em São Paulo

Romance de estreia de Brisa Paim, a morte de paula d. surpreendeu meio mundo ao ser indicado ao Prêmio São Paulo de Literatura 2010. Com uma narrativa ousada capaz de acertar o leitor como uma pancada, a experimentação é uma das características da obra, publicada no ano passado pela Edufal - via Prêmio LEGO de Literatura. Para apresentar a trajetória da autora, que nasceu em Salvador, morou em Manaus e Maceió e hoje vive em Coimbra, Portugal, nesta edição a Gazeta traz uma entrevista com a escritora que há cerca de dois meses figura na lista dos principais nomes da produção literária contemporânea do País.

27/07/2010 10h36 - Atualizado em 13/08/2014 às 02h01
foto: Gazeta

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Carla Castellotti - Gazeta de Alagoas - edição de domingo, 25 de julho

Imagine o tormento que uma página em branco significa para o escritor. Ali, diante dela, fervilha uma cabeça cheia de questionamentos. Compondo o ambiente, um som alto propaga barulhentas distorções de guitarra. Junte tudo e pense como isso pode resultar numa cuidadosa obra literária. Pareceu difícil? Pois talvez esse 'caos organizado' seja um dos mais surpreendentes aspectos do primeiro romance de Brisa Paim. A autora, que decodificou suas referências ao escrever a morte de paula d., tem figurado há cerca de dois meses na lista dos principais nomes da produção literária contemporânea no País - o titulo é um dos finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura, na categoria dedicada aos estreantes.

A verdade é que não foi por acaso que o romance de Brisa Paim alçou voo tão alto. O feito parece natural diante da forma encontrada por ela para (re)arrumar seu vasto e inusitado universo referencial, em meio a temas e elementos como o absurdo na obra de Hilda Hilst, os silêncios súbitos como os vistos em Beckett e a poesia sonora e ruidosa das músicas de Tom Zé, Nirvana e Sonic Youth. Conforme Brisa conta, a morte de paula d. surgiu de um exercício de desenvolvimento de uma "escrita mais longa". O resultado, uma obra que foge aos padrões do que é tido como convencional, ganhou destaque logo em seu surgimento, ao ser contemplada na edição de estreia do Prêmio LEGO de Literatura, em 2007.

A obra, porém, só chegou às livrarias em 2009, quando a Editora da Universidade Federal de Alagoas (Edufal) enfim conseguiu publicá-la - o LEGO é uma promoção da Faculdade de Letras da Ufal (Fale/Ufal). Com uma distribuição modesta, não parecia assim tão certo que o romance obtivesse grande repercussão. Ante a indicação do livro para o Prêmio São Paulo, que hoje se firma como uma das principais premiações destinadas aos literatos brasileiros, mais uma vez a lógica foi invertida.

É dessa maneira, sem os facilitadores do mainstream editorial, que Brisa Paim vem traçando seu caminho única e exclusivamente devido à relevância de seu trabalho, teve seu texto transposto para o suporte do livro e desde então descobriu ser possível ganhar visibilidade por conta própria, sem depender de agentes intermediários e muito menos tendo que escrever "livros conforme a moda". Depois do trabalho duro, nada mais justo que o merecido reconhecimento, não? Em seu voo alto, a escritora pode ser uma das vencedoras do certame literário que é um dos mais disputados no Brasil atualmente e cujo prêmio é de RS 200 mil - o anúncio será no dia 08 de agosto, mas a romancista diz estar mais preocupada com os "valores que vão muito além dos monetários".

Assumindo as rédeas

O interesse de Brisa Paim pelas palavras surgiu ainda na infância. À época, ela lia obras que constavam da biblioteca de seus pais, além dos livros dedicados à sua faixa etária. Aos 28 anos, hoje a autora que nasceu em Salvador e morou em Manaus e Maceió vive em Portugal, onde terminou o mestrado em Ciências Jurídico-filosóficas e já emenda um doutorado na mesma área, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Entre as cidades nas quais viveu, foi aqui que a romancista se formou em Direito e compôs seu romance de estreia. Essa passagem por tantos e tão diferentes lugares parece marcar sua escrita com uma espécie de traço universal, por meio do qual leitores de qualquer parte do globo podem entender e se identificar com a angústia, a tristeza e a decepção presentes em seu texto, ainda que a morte de Paula d. - grafado em minúsculas mesmo, como pede a autora - apresente uma ruptura consciente com a linguagem como a conhecemos.

Ao assumir as rédeas de sua produção artística, Brisa retrata a situação-limite de sua protagonista a partir do uso de uma linguagem não-convencional, que não segue a gramática normativa. Por meio dos ecos e inquietações que traz na cabeça, ela suprime a pontuação como forma de dotar de "feições" o cenário construído no romance. Faz isso com maestria, numa narrativa guiada por um fluxo de consciência capaz de cadenciar, por conta própria, o que será uma interrogação, uma pausa ou mesmo uma exclamação. Assim, revela a poesia precisa de sua prosa ficcional.

A busca pela ‘verdade’

Ao sermos tragados para dentro do universo de morte de paula d., passamos a ser guiados por uma narração psicológica que nos conduz por entre diferentes sensações. O fluxo de ideias ora se apresenta lancinante, de tirar o fôlego, ora truncado, difícil, como a estender ao leitor as aflições extremas da personagem sem nome.

Isso até que a inominada protagonista se apropria do titulo de um livro que encontra em meio às coisas do marido, quando passa a chamar a si própria de paula d.; a partir dai, Intra de vez num vertiginoso processo questionador - que diante das problemáticas expostas com tamanha intensidade, leva o leitor a crer numa espantosa lucidez existente dentro da loucura.

Brisa Paim constrói sua linha de raciocínio por meio de um quebra-cabeças cujas peças equivalem aos questionamentos aplicados às mais corriqueiras situações. Indagações, por exemplo, a respeito da educação ortodoxa que as crianças devem ter e do desejo consumista por um "pretinho básico", bem como em relação aos comentários feitos sobre o que é noticiado diariamente nos jornais televisivos. É desse universo simples, no qual estamos todos inseridos, que nasce uma crescente investigação em busca da "verdade".

Essa busca, porém, se dá por meio da entrega de Brisa à subversão de "uma lógica que estamos acostumados a entender como 'real'. Ao desfazer a ordem coerente da realidade como a conhecemos, a autora cria uma narração angustiante, lançando o leitor numa caça pela liberdade (retratada no livro entre dois pontos, liberdade, sugerindo a ideia de uma liberdade presa ou restrita). Como se pudéssemos encontrar a resposta, anos é jogada a pergunta: podemos, realmente, ser livres?

Na complexa construção do romance, é possível perceber alguns nomes da 'sala literária' da autora. No texto, ouvimos ecos de vozes consagradas. Uma delas é marcada pelo tom do absurdo advindo de Hilda Hilst. Mas outras passagens remetem a Samuel Beckett - quando, por exemplo, percebemos os silêncios súbitos traduzidos por meio de bruscas interrupções na escrita, numa técnica tão cara  à autora, e também o constante chamado por Amoim, o personagem que, como o Godot do autor irlandês, também não é especificado na narrativa, fazendo-nos crer numa suposta entidade superior.

A romancista, que faz da escrita um "exercício do desconhecer", parece ter encontrado sua voz literária já em seu primeiro livro. E, considerando seu engenhoso processo de criação, fica evidente a relevância de seu trabalho. Para saber mais sobre esse tema e também sobre vários outros, a Gazeta conversou com Brisa Paim. Confira a entrevista.