Música da Ufal é a única referência de ensino superior no Estado


18/05/2009 07h26 - Atualizado em 13/08/2014 às 00h44
Foto: Marcelo Albuquerque

Foto: Marcelo Albuquerque

Fernando Coelho – Repórter da Gazeta de Alagoas

A expressão artística não precisa respeitar regras. Quando necessário, as utiliza. Do contrário, questiona, subverte e transgride tudo aquilo que tende a aprisioná-la. Escoadouro de sentimentos para o mundo, a arte é uma das mais genuínas formas de liberdade. Independentemente de dom ou de talento, todo ser humano tem o direito de cantar, tocar, dançar, pintar, escrever ou representar. Mais do que canais de expressão, escolhas profissionais ou ferramentas terapêuticas, os processos artísticos são fundamentais no desenvolvimento da nossa formação.

No Brasil, até meados dos anos 70, a música era disciplina presente na grade curricular das escolas. Abolida, ela passou anos relegada e agora volta à pauta graças à Lei 11.769/08, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em agosto de 2008, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de música em todas as instituições de ensino infantil, fundamental e médio – essas entidades têm um prazo de três anos para se adequarem à lei.

Problemas existem, mas não desanimam

Em conjunto com os cursos de Teatro e Dança, a graduação em Música funciona pela manhã em salas emprestadas pelo Espaço Cultural da Ufal, localizado em frente à praça Sinimbu, no Centro. E é aí que começam os problemas.

Com aulas distribuídas em dez salas e um laboratório de informática, a infraestrutura está longe de ser adequada para um curso universitário com tantas especificidades. O projeto pedagógico elenca tópicos obrigatórios para o pleno funcionamento da graduação: realização de tratamento acústico nas salas, preparação de um espaço para iniciação musical de crianças, aquisição de instrumentos musicais para aulas de Musicalização Infantil e construção de um estúdio para gravação e de um mini-auditório com equipamento eletrônico (som, computador, data-show). Nada disso existe. Só recentemente, o departamento conseguiu equipar o laboratório de informática com seis computadores – até então havia apenas um.

Requisitos para ingressa em Música na Ufal

Em primeiro lugar, o candidato precisa passar por um teste de aptidão para concorrer ao concurso vestibular de Música. Nele, são avaliados aspectos como percepção rítmica e melódica (prova oral) e os princípios básicos de teoria musical envolvendo a leitura e a escrita musical (prova escrita).

Dados sobre a Graduação

›› Anualmente são oferecidas dez vagas para Canto e 15 para licenciatura em Música

›› Em 2008, mais de 200 candidatos se inscreveram para o exame vestibular

›› Desses, apenas cerca de 50% apareceram para fazer o teste prático

›› Atualmente há 70 alunos matriculados

›› Em média, dez alunos se formam por ano

›› O curso possui 11 professores efetivos e três substitutos

›› A estrutura é composta por dez salas de aula e um laboratório de informática

A arte de ensinar a tocar

Muitos vão dizer que foi loucura, mas Khristiano Leone Porto, 23, não se arrepende de ter trocado Engenharia Civil pela licenciatura em Música. Estudante do primeiro período, ele “peitou” a família e apostou no seu sonho. A decisão veio após cursar uma disciplina em Música como aluno ouvinte.

Tecladista de mão cheia, o jovem viu na nova graduação a chance de aperfeiçoar seu talento como instrumentista – além, claro, de uma carreira profissional. “Quando eu entrei, eu já sabia com o que eu ia me deparar”, diz. A bronca com os pianos desafinados é praxe, à qual ele acrescenta a falta de quadros com pentagrama nas salas de aula. “É essencial para podermos ter aula de contraponto, teoria musical e harmonia. Sem os quadros, os professores precisam desenhar o pentagrama, e isso faz perder muito tempo”.

Estudantes destacam a dedicação do corpo docente

Quando há carências numa instituição de ensino, todos perdem. No fim da cadeia está a sociedade, no início os alunos e, entre ambos, gestores e professores. Num caso raro quando o assunto é educação, a maioria dos estudantes entrevistados pela Gazeta destacou a qualidade e a boa vontade dos professores. “Teve concurso no ano passado e entrou um pessoal de alto gabarito para elevar a qualidade de ensino”, diz Khristiano Porto. “Os professores da parte de Música são muito bons, comprometidos e assíduos”, concorda Marcus Alves. “Há aqueles que sabem muito, mas não têm uma didática muito acessível. Mas o corpo docente é bom”.

Menos entusiasmado, Daniel de Carvalho pondera: “A coisa está mudando agora, com a contratação dos novos professores. Mas metade deles tem uma forma de ensinar defasada, não consegue lidar direito com os alunos”. E os professores, o que acham da situação do curso?

Com a batuta, os coordenadores

Como é dividido em duas habilitações, o curso de Música é (literalmente) administrado a quatro mãos. Em licenciatura, a responsabilidade é de Rita Namé, doutora em Música e Literatura pela Ufal. No bacharelado em Canto, Eduardo Xavier, também doutor em Música e Literatura pela Ufal, é a voz ativa.

“Nós temos muitos problemas de ordem estrutural porque as artes no Brasil, de uma maneira geral, não têm um lugar próprio de respeito, como deveriam. A Ufal é um reflexo disso”, reconhece Rita Namé. “A gente sempre funcionou de maneira precária. O que tem de bom aqui são os professores e os alunos, que são talentosíssimos. E temos professores abnegados mesmo, que dão a alma”, argumenta ela, ao lembrar que nos anos 80 a graduação chegou a contar com 22 professores.

Eduardo Xavier, que foi aluno da graduação no passado, se diz ciente das carências, mas está otimista. “A própria gestão tem ouvido a gente na medida do possível. A reitora não tem deixado de atender às nossas demandas”, afirma.

Carência de Projetos de Performance Musical

Como todo curso universitário que se preza, em Música há projetos de pesquisa sendo desenvolvidos por professores e alunos. “Nós estamos tentando mostrar outra imagem da música. Música não é só para tocar ou alegrar. Música também é pesquisa”, brada o professor Rui Cipelli. “O que se percebe é que esse departamento ficou muitos anos sozinho, isolado. A gente via poucos trabalhos dos alunos nos congressos. Ficamos muito ilhados em relação a todo o processo nacional. Falta integração. Mas com as pesquisas e mandando os alunos para os congressos, Alagoas vai constar no mapa”.

Caráter erudito gera divergências

Está escrito no projeto pedagógico do curso de Música, habilitação Canto: “Canto terá uma vocação erudita, seja na sua expressão universal ou brasileira, não se furtando por vezes a incursões na música popular”. Seja no bacharelado ou na licenciatura, os alunos dizem sentir falta de outros gêneros além da música erudita. Daí a atribuição do rótulo de “conservador” à graduação em Música da Ufal: muitos acusam-na de privilegiar a chamada “música clássica” em sua grade curricular .

“Pelo curso ser de licenciatura, o erudito deveria ser apenas uma faceta do ensaio de música”, acredita Marcus Alves. “Deveria se trabalhar também o popular, o regional, o popular de Alagoas, do Nordeste e de regiões do Brasil. Uma espécie de etnomusicologia na prática. A gente estuda na teoria”.

Dificuldades para ingressar no mercado de trabalho

Em 2008, a Secretaria Municipal de Educação (Semed) abriu um concurso público específico para a contratação de professores de Música. Eram oito vagas. Até hoje, apenas dois professores foram chamados. Quem nos revela a situação é Tércio Smith, 30. Graduado em licenciatura pelo curso de Música da Ufal – cursado entre 1998 e 2002 –, ele foi selecionado para uma das vagas deste concurso.

Não fosse isso, Tércio teria que se virar com a bolsa de R$ 600 oferecida aos músicos da Orquestra de Câmara da Ufal, da qual é integrante. “Não tem espaço. O cara se forma e cadê o mercado de trabalho?”, questiona ele, que recentemente também foi contratado como professor substituto para ensinar disciplinas ligadas à música no curso de Teatro da Ufal.

Leia mais edição impressa da Gazeta de Alagoas desse domingo, 17 de maio de 2009