Fapeal apresenta histórias inspiradoras de mulheres cientistas

Passado, presente e futuro da ciência feminina alagoana nos relatos de pesquisadoras que moldam a pesquisa científica no estado, enfrentando desafios e inspirando gerações
Por Tárcila Cabral – jornalista Ascom Fapeal
11/03/2024 14h59 - Atualizado em 11/03/2024 às 17h15
Professora da Ufal, Marília Goulart, tem uma trajetória de mais de cinco décadas no cenário científico

Professora da Ufal, Marília Goulart, tem uma trajetória de mais de cinco décadas no cenário científico

Com a passagem do Dia Internacional da Mulher, é imprescindível não só reconhecer e homenagear as profissionais que moldam o panorama científico alagoano, mas também dar luz aos desafios que ainda persistem. Neste sentido, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) apresenta três histórias inspiradoras de pesquisadoras que representam o passado, o presente e o futuro da pesquisa no estado.

O passado da pesquisa: Marília Goulart

Dispondo de uma trajetória de mais de 50 anos no cenário científico, a professora Marília Goulart se destaca como uma das principais referências na área da Química. Com pós-doutorados em renomadas instituições na Inglaterra e na Alemanha, a pesquisadora traz consigo um extenso currículo de realizações. Desde sua distinção como vencedora do Prêmio Jovem Cientista em 1984, até honrarias recentes como o prêmio Mulheres Brasileiras na Química em 2021.

"Eu vim de uma família que preza a educação, o conhecimento e o respeito", enfatizou a acadêmica, cujos pais estudaram na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Sua mãe foi pioneira na área, graduou-se em Farmácia em 1949, inspirando-a desde cedo a seguir os passos acadêmicos. Segundo Goulart, a sua figura materna sempre foi apaixonada pela ciência, mas teve que se dedicar a família. Como herança, ela lhes deixou dois dons: o da observação e o da curiosidade, que moldaram a família.

A influência decisiva veio também do ambiente acadêmico no qual ela se inseriu desde cedo. Estudou no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde teve acesso a excelentes professores, o de química em especial foi o que alimentou sua sede de conhecimento e a levou a escolher a Farmácia como área de atuação, justamente por ter uma interseção com a Química e a Saúde.

Após esse primeiro encontro com o ambiente universitário, a estudiosa ressalta que participar do Programa de Iniciação Científica (Pibic) na UFMG foi um marco em sua trajetória, onde alcançou apoio e exemplos inspiradores de mulheres atuantes na ciência. Assim o desejo pelo doutorado foi o passo seguinte, porém quando o iniciou em 1976, ela já havia abraçado sua jornada em Maceió lecionando na Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

A acadêmica precisou então dividir a família durante o período, com o marido Euzébio Goulart cuidando do filho mais velho em Maceió, enquanto ela estava em Belo Horizonte com o mais novo, ressaltando os sacrifícios e a dedicação mútua do casal. Somente após a sua conclusão, seu esposo pôde finalizar seu doutorado e a família conseguiu se reunir por completo depois de dois anos, revelando o verdadeiro significado de superação e comprometimento.

Hoje, a estudiosa orienta alunos em diversos programas de pós-graduação e continua a influenciar a comunidade científica internacional como membro de prestigiadas sociedades e academias. Sua história é um testemunho inspirador do impacto e da excelência que as mulheres alcançam no mundo da ciência.

O presente do ensino científico: Letícia Anderson

Mudando o foco para um talento do presente, a história da professora Letícia Anderson se faz atravessada pelo campo da bioquímica e da educação. Comemorando agora a sua nova etapa como docente na Ufal, iniciada há dois meses, ela reflete todo o preparo e doação que existe por trás da construção de uma pesquisadora mãe.

"Tive uma professora de ciências excelente e eu me lembro muito dela ensinando sobre átomos, células, organelas, e aquilo começou a me fascinar”, explicou a professora. Mas o seu contato efetivo com a pesquisa ocorreu somente na 8ª série, quando a sua turma foi convidada a conhecer o laboratório de anatomia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). A então aluna pôde visualizar de perto o corpo humano e desbravar um pouco dos aspectos científicos que tanto a vislumbravam desde pequena.

Dessa forma, ao ingressar na vida acadêmica, a farmacêutica relatou que encontrou lá um ambiente inspirador, repleto de cientistas e oportunidades de acesso ao conhecimento. Ela revela que, apesar de não ter sido fácil construir seu espaço, a sua determinação em conciliar a docência e a pesquisa a levou a buscar um constante aprimoramento, inclusive realizando parte da sua pós-graduação no exterior.

Entretanto, a sua jornada também foi marcada pela maternidade. Como mãe de um bebê de um ano, o Benício, ela tem enfrentado desafios adicionais:

“Eu tenho um apoio enorme e isso traz um diferencial. Mas, apesar de todo o suporte, observa-se hoje que não há políticas pontuais para privilegiar pesquisadoras mães; existem iniciativas, mas elas ainda são limitadas e precisam ser ampliadas para proporcionar um apoio efetivo”, apontou a docente.

Atualmente, por enxergar todo este cenário, a professora reconhece, nela mesma, um papel fundamental: o de educadora, inspirando e orientando outras meninas e mulheres em suas trajetórias científicas. "Minha função é de tentar inspirar novas carreiras também. Tenho uma responsabilidade para que a gente tenha cada vez mais uma geração de pesquisadoras com alta produtividade nas universidades", completou a farmacêutica.

Consciente destes obstáculos enfrentados pelas mulheres na ciência, ela reforça, sobretudo, seu compromisso não apenas com o avanço científico, mas também com a promoção da igualdade de gênero no meio acadêmico.

O futuro inspirador da academia: Fernanda Souza

Seguindo para um contexto recente da maternidade, emerge Fernanda Souza, jovem doutora e recém-mãe, que acaba de retornar ao Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) da Ufal após a sua licença-maternidade. A cientista traz consigo não apenas sua expertise científica, mas também uma valiosa perspectiva sobre os desafios enfrentados pelas mulheres na academia. Sua contribuição atual nos diálogos acadêmicos não só enriquece a compreensão da fisiopatologia, mas também destaca a importância de promover um ambiente inclusivo e apoiar mães pesquisadoras.

A acadêmica relembra do momento em que se encontrou no fazer científico durante um congresso em Minas Gerais: "A minha orientadora de iniciação científica protagonizou uma discussão enriquecedora com base em sólidos argumentos científicos. Então, o evento foi determinante para eu decidir seguir estes passos", disse a bióloga.

Ao abordar as referências acadêmicas que a levaram até esse lugar, Fernanda Souza destaca a influência das professoras Janira e Cláudia, ambas da área de parasitologia: "Elas foram cruciais para a minha decisão na área, especialmente ao demonstrarem como conciliar dedicação à carreira científica com a maternidade”.

Esse contexto da experiência foi fundamental para a estudiosa, inclusive na descoberta de sua própria maternidade no início do pós-doutorado: "Inicialmente, senti certo medo pelas alterações fisiológicas comprovadas na gravidez e como isso poderia afetar minha produtividade".

No entanto, ela recebeu um grande acolhimento por parte do seu supervisor e da equipe de pesquisa, que proporcionaram flexibilidade em sua rotina experimental e de reuniões.

Por outro lado, Fernanda destaca que, apesar dos avanços nos últimos anos, esta não é uma realidade para muitas cientistas: “Iniciativas como a inclusão da licença maternidade no currículo Lattes e o programa Mulheres na Ciência são importantes, mas é necessário maior conscientização e implementação de políticas públicas para garantir equidade de gênero e suporte adequado às pesquisadoras mães", ressaltou a jovem doutora.

A bióloga enfatiza a necessidade de medidas de amparo abordando diretamente o período materno dentro de parâmetros científicos: "Artigos comprovam diversas alterações durante a gestação e o pós-parto, incluindo diminuição do cérebro e mudanças na conectividade neuronal das mães. É fundamental reconhecer isso", completou a cientista.

Com sua determinação e experiência, a doutora se destaca como mais um exemplo da nova geração que entende a multiplicidade dos contextos de ser pesquisadora no Brasil, somando-se assim a luta de diversas profissionais que partilham da demanda por ambientes inclusivos e apoiadores para as mães deste país.