Cláudia Calheiros: da menina pobre à professora associada da Ufal

Uma história de vida transformada pela educação pública e publicação em Revista internacional
Por Diana Monteiro - jornalista
03/06/2022 10h01 - Atualizado em 06/06/2022 às 13h48

Há 12 anos ela chega ao Campus A. C. Simões para a rotina acadêmica nos cursos de graduação em Biologia, Farmácia e Medicina onde ministra aulas e coordena estudos científicos em sua área de atuação, a Parasitologia. Mestre e doutora, Cláudia Maria Lins Calheiros é docente lotada no Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) e para ela, levar para a sala de aula, no processo de aprendizado de seus alunos, retratos de sua vida, faz parte da dinâmica que considera de extrema importância, tanto para a assimilação do conteúdo e aprendizado, quanto para o que considera como “a mola-mestra” para transformação de vida, a Educação. A referenciada pesquisadora é uma prova disso, e defende com veemência o ensino público, a grande e, possivelmente única oportunidade de transformar e salvar vidas.

No último mês de maio um artigo de opinião que relata a trajetória da professora Cláudia Calheiros, como única possibilidade de transformação social em países com tantas barreiras sociais como o Brasil, foi publicado no periódico internacional One Health & Implementation Research. O periódico é uma Revista de Saúde Pública, que se interessa por temas sociais ligados à saúde, também área de publicação da pesquisadora.

Denominado de A importância da educação para saúde pública e como instrumento de transformação social, o artigo, segundo Cláudia teve publicação sugerida pelo seu mentor científico, o doutor Jorg Heukelbach, após uma palestra que fez como egressa do curso de pós-graduação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela foi a primeira co-orientanda de doutorado do referenciado pesquisador na área da Epidemiologia de doenças negligenciadas, mantendo laços científicos com ele até hoje.

O artigo tem como essência o poder transformador da educação na vida da professora Cláudia, com todo percurso no ensino público enfrentado com muitos desafios, mas que não foram barreiras para arrefecer os ânimos daquela menina pobre, com tantas carências, para fazer do estudo a mudança radical em sua trajetória. Como ela bem diz, “sem alarde, às vezes invisível até em seu núcleo familiar, a menina seguia”, sempre enxergando em cada passo dado o verdadeiro e esperançoso caminho para as tantas conquistas e vitórias.

Nascida em 1968, em Maceió, no bairro do Tabuleiro do Martins, de origem muito humilde, filha de pais semianalfabetos e com uma numerosa família, a vida da menina Cláudia faz parte de um cotidiano comum  numa sociedade de total exclusão social, permeada por inúmeras carências. O diferencial existente é quando a superação faz da vida aprendizados e referências. E Cláudia é, sem dúvida, uma referência com sua história de vida pela luta travada até para sobreviver.

Na casa simples de paredes de pau-a-pique rebocadas, cercadas de árvores frutíferas, Cláudia foi a 17ª filha de 18 irmãos do casal Cleonice Lins de Albuquerque e Eurico Elias Calheiros, ambos já falecidos. Um típico casal nordestino, a mãe doméstica e o pai, um servidor público estadual. Ele costumava se ausentar meses de casa para trabalhar na monocultura da cana-de-açúcar em terras de parentes, como complementação da renda familiar.

Cláudia é filha do segundo casamento do pai e metade de seus irmãos morreu ainda criança, oito deles, antes de completar um ano de idade, pelo sarampo e diarreia, e uma irmã de leucemia com quatro anos. “Sobrevivi a esta primeira porta estreita, justamente com cinco irmãos homens e três mulheres. E, no meio da escassez, os mais velhos, adolescentes e jovens, sem oportunidades de estudos e funcionários de mercado, começaram a trabalhar em subempregos, como motorista, cobrador de ônibus”, diz.

No desafiante contexto de carência em que vivia, Cláudia se diz sobrevivente devido às várias doenças que teve durante a infância. “Aos cinco anos de idade fui internada devido a uma obstrução intestinal causado por Ascaris lumbricoides e em momentos diferentes, e às vezes, recorrentes, desenvolvi larva migrans cutânea, tungíase, escabiose, sarampo, coqueluche e catapora, além de ser sorologicamente positiva para Schistosoma mansoni e Toxoplasmose gondii. O Pediculus capitis me acompanhou até o início da minha adolescência com a melhoria dos hábitos higiênicos, o que me levava a ser vítima de bulling na escola e também por ser gaga, uma característica familiar hereditária”.

Cláudia diz que no ano passado um irmão faleceu por complicações do diabetes, no mesmo mês de falecimento do seu irmão mais novo, de 48 anos,  vitimado pela covid. Ela tece críticas ao enfrentamento da pandemia no Brasil que culminou com “atraso das vacinas e falta de respeito com a vida humana, quando quase 700 mil vidas foram ceifadas por puro período sombrio, quando prevaleceu o negacionismo científico”. Outro irmão faleceu aos 33 anos de esquistossomose, doença tão comum em nossa região e que tem ela como uma das pesquisadora nos 27 anos de ensino da Parasitologia por diversas instituições. Da numerosa família, totalizando 18 filhos, só restam cinco irmãos, dois homens e três mulheres.

Etapas da educação

Com toda formação na escola pública, iniciada no Centro de Estudos Aplicados de Alagoas (Cepa), e na continuidade dos ciclos escolares, concluiu o ensino médio na então Escola Técnica Federal de Alagoas (Etfal), atual Instituto Federal de Educação (Ifal), como aluna do curso técnico em Química industrial, com o propósito de um trabalho mais rápido para contribuir com as despesas do lar.

A cada degrau galgado, era a realização de um sonho movido pela vontade de estudar, mesmo com tantos desafios, e enxergar cada vez mais ser determinante o avanço, embalada pelo sonho de ser professora, optou por fazer curso de graduação em Ciências, licenciatura plena, habilitação em Biologia, na Ufal, onde ingressou em 1987. Ela foi a primeira da família a ter um curso superior. Dois irmãos mais próximos a ela em idade, concluíram graduação após os 50 anos, um em Matemática e outra em Direito.

Como não poderia ser diferente, sua história inspira novas gerações. “Sou uma referência para muitos sobrinhos na conquista do diploma de nível superior. Temos na família administrador, jornalista, zootecnista, fisioterapeuta, contabilista, pedagogas e engenheiro civil. O engenheiro é professor do Ifal, com conclusão do doutorado este ano, também com toda sua trajetória de formação no ensino público. Ele relata que queria seguir os passos da tia Cláudia, e isso sempre me emociona”.

Mestre em Parasitologia Humana e Veterinária com doutorado em Biologia e Ecologia da Tunga penetrans em diversas regiões do Brasil, ambos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Cláudia Calheiros tem vasta publicação e atuação científicas. É autora de 26 artigos publicados em periódicos, a maioria internacionais e de cinco capítulos de livros, ate publicação técnica da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em sua trajetória de referenciada pesquisadora em Parasitologia estão também duas entrevistas em jornais, 92 orientações de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCS) concluídas, sendo mais de 150 orientações de estudantes de graduação (TCCs, ICs, Pibic, Pibid e Monitorias). Ainda, quatro orientações de pós-graduação, desta, três especializações e um mestrado.

A vida segue produtiva pra além das atividades docentes. Ela realiza estudos científicos como colaboradora do grupo de pesquisas em Epidemiologia e Biologia das Ectoparasitoses, coordenado pelo professor Jorg Heukelbach, da Universidade Federal do Ceará (UFC), doutor na área; Epidemiologia e Diagnóstico da Esquistossomose, coordenado pelo professor Wagnner Porto, da Ufal; e Diagnóstico dos Parasitos Oportunistas, sob a coordenação do professor Muller Ribeiro, também da instituição alagoana.

Cláudia Calheiros ingressou como docente da Universidade Federal de Alagoas em 2009 e ministra as seguintes disciplinas do ciclo básico: Bioética e Saúde na Escola e na Comunidade, no curso de Ciências Biológicas Licenciatura e Bacharelado; Parasitologia Clínica, no curso de Farmácia; e Conteúdo de Parasitologia para o módulo Agressão e Defesa, no curso de Medicina. 

”Optei por me dedicar exclusivamente a graduação, coordenando projetos de extensão e pesquisa, auxiliando na orientação de trabalho de conclusão de curso, monitorias e iniciação à docência e científica, totalizando mais de 130 orientações. Atualmente, no ciclo Pibic 2021-2022, oriento o projeto que trata sobre o Estudo Ecológico e Monitoramento molecular de focos de Esquistossomose Mansônica em área endêmica de Alagoas”, afirma Cláudia.

Aulas práticas e aprendizado

“Na via de mão dupla que se estabelece entre o aprender e o ensinar, é interessante esse prazer e essa honra que sinto quando coloco como parte do exemplo na fala, a minha própria história. Ser protagonista nesse processo de compreensão das doenças parasitárias, como me sentia, como me tratei, quais eram as condições que me tornaram hospedeira de tão grande número de espécies, leva-me a uma sensação quase impossível de descrever, porque é só sentida, na gratidão pela sobrevivência das esquinas que passei, como diz o grande poeta alagoano Djavan", diz.

Na dinâmica de levar sua experiência de vida para a sala de aula, ela enfatiza: “E o aluno, por não ver histórias como a minha, entre a maioria dos docentes, em tom jocoso, mas de respeito, quase sempre pergunta: 'essa também a senhora teve?'. Quase sempre respondo: Ah! Sim, fui hospedeira assintomática. E todos sorriem. Sinto que os sorrisos promovem leveza no nosso dia a dia, e ajuda nesse belo processo do aprender e ensinar ao mesmo tempo, como dizem os grandes filósofos da educação”.

Ainda sobre o ritmo de aprendizado das aulas que ministra, a professora diz: “A comunicação fica mais dinâmica, trazemos outras histórias que enriquecem a aula, histórias de outras Cláudias... A universidade pública, enquanto for gratuita, sempre terá estas histórias. Entendo as aulas práticas como um complemento da realidade dessas histórias. Como sou parasitologista clássica, sempre apelo para meus colegas mais novos: nunca deixem de ministrar aulas práticas!", completa.

Dificuldades, apoio e estímulo

A educação, sem dúvida, representou para a vida de Cláudia como o único caminho para a mudança da realidade social em que estava inserida e, nesse processo com tantos desafiantes ciclos, a única possibilidade de fazer graduação era ingressando em uma universidade pública. Ela diz que, em toda a sua trajetória de formação, além das oportunidades aproveitadas para o alcance de seus objetivos, contou com importantes apoios e estímulos. Cita alguns familiares como suporte e como grande estímulo, o acolhimento recebido na universidade. E faz uma breve retrospectiva:

“As dificuldades enfrentadas foram muitas, principalmente no início, pelas questões financeiras. Na graduação enfrentava a falta de credibilidade da minha família, porque, apesar de 'me virar' com reforço escolar para garantir o pagamento dos passes estudantis no transporte público e 'xerox', ou ajuda da minha saudosa cunhada, Lúcia Maria de Almeida Peixoto Calheiros, esposa do meu irmão mais velho. Ela sempre me incentivou a continuar os estudos, pois era o único meio que eu teria de um futuro com menos dificuldades econômicas”.

Ela aproveita para acrescentar que, exatamente pelas dificuldades financeiras familiares, era uma força de trabalho inativa. Mas que, por outro lado, também se beneficiou pelo fato de ser a mais nova, já que as irmãs e irmãos mais velhos trabalhavam desde cedo (trabalho infantil). Os que não eram casados continuavam a manter a casa, junto à pequena pensão de servidor público do seu pai. “Nesta época, os programas de incentivo à bolsa a estudantes de baixa renda, eram muito limitados ou inexistentes e foi grande o suporte que recebi para estudar de minha irmã mais velha, Maria Célia Lins Calheiros, então comerciária que não chegou a concluir o ensino fundamental 1. Mas claro, que essa gratidão é estendida ao apoio familiar recebido”.

Como aluna da graduação Cláudia Calheiros disse que os primeiros ensinamentos que teve no caminho da ciência foi a partir da participação, como bolsista, do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) em Zoologia dos Invertebrados, sob a orientação da professora Liriane Monte Freitas, do então setor de Zoologia, hoje Biodiversidade, do ICBS.

“Quero aproveitar para prestar homenagem à referida professora, que sempre foi para mim exemplo de ética, de humanismo e de muita competência. Também destacaria do mesmo setor, a professora Sineide Correia Silva Montenegro que junto com a professora Liriane, foram minhas orientadoras na monitoria com bolsa, da disciplina de Zoologia dos Invertebrados, cuja atividade acadêmica consistiu, também, no fomento para o pagamento dos meus passes estudantis no transporte público como aluna de graduação”.

E na gratidão expressada ao suporte recebido na Ufal ela aproveita para fazer mais uma agradecimento à professora Sineide Correia, dizendo que ela é grande exemplo da forma humana e empática como sempre lidou com seus alunos: “Ao retornar para a Ufal, essa memória afetiva me abriu, sem receio, as portas para assumir disciplinas novas, como Bioética e Saúde na Escola, além de minha experiência na gestão, quando fui por dois mandatos, vice-coordenadora do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. O que me fez aprender mais com a querida professora, agora colega e amiga. Então posso dizer que sempre fui muito bem recebida pela universidade, alinhavando esses queridos afetos ao meu coração”, diz Cláudia Calheiros.

Aperfeiçoamento

Após a conclusão da graduação, Cláudia continuou trabalhando com as citadas professoras, como bolsista de aperfeiçoamento, em um projeto patrocinado pela Petrobrás, via Fundepes. A equipe era responsável pelo levantamento das espécies de invertebrados no Estudo de Impacto Ambiental, para elaboração do Relatório de Impacto Ambiental, na Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçu, município localizado litoral sul de Alagoas.

Neste período ela disse ter tido a oportunidade de estreitar os laços afetivos com a amiga Selma Torquato da Silva, companheira de graduação e hoje bióloga do Museu de História Natural (MHN). “Ela é o maior exemplo de bióloga que já conheci”, enfatiza. Outra pessoa importante em seu percurso acadêmico foi a professora Ana Cristina Brito dos Santos. Amiga da graduação, estudaram também juntas no ensino fundamental. Foi por meio dela que soube de uma seleção de bolsa de aperfeiçoamento realizada pela professora Eliana Maria Maurício para trabalhar com transmissores da filariose linfática, no projeto Epidemiologia da Filariose Linfática.

O projeto, desenvolvido na década de 1990, no setor de Parasitologia e Patologia do ICBS, também tinha a coordenação do professor Gilberto Fontes. Foi a partir dele, segundo Cláudia Calheiros, que começou a se abrir a grande porta para os caminhos da Parasitologia na sua vida. Durante o aperfeiçoamento científico ela foi selecionada para um curso de especialização de Biologia e Identificação de Culicídeos, na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). “Eu tive ajuda logística da hoje pesquisadora do Butantã doutora Mônica Lopes Ferreira, ex-colega de graduação na Ufal, que havia se transferido para São Paulo. Ela me recebeu em sua casa, sem nenhum custo”. E reforça:

“Acho importante lembrar o nome de cada pérola que compôs esse grande colar de pérolas, formado pela matéria- prima da gratidão, da minha trajetória. Então segui os caminhos naturais: seleção de mestrado em Parasitologia Humana e Veterinária na UFMG com desenvolvimento da parte prática na Ufal, tendo como orientadora a professora Eliana Rocha e como co-orientador o professor Paul Williams, da UFMG, no desenvolvimento do estudo científico sobre Transmissores Naturais da Wuchereria babcrifti em Maceió.

Trajetória docente em outras instituições

Com mestrado concluído, a primeira instituição que Cláudia Calheiros atuou como docente foi a Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde prestou concurso para professora substituta da disciplina Parasitologia permanecendo nessa instituição por quase três anos. A segunda instituição onde ensinou foi a antiga Escola de Ciências Médicas de Alagoas , hoje Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal), onde ingressou também por meio de concurso para lecionar a mesma disciplina. Na universidade estadual ela foi professora por quase 13 anos e nesse período conheceu os pesquisadores Hermam Feldmeier e Jorg Heukelbach. O primeiro, consultor da OMS para Doenças Negligenciadas, e o segundo, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), sendo o seu mentor científico no trabalho de doutorado sobre “Biologia e Ecologia da Tunga penetrans em diversas regiões do Brasil”. Outra parceria científica destacada por Cláudia na instituição estadual e que permanece até hoje é a da professora Flaviana Santos Wanderley.

A tese, defendida em 2007 na UFMG, teve como orientador o professor Pedro Marcos Linardi, o maior especialista em Siphonapteros (pulgas) do Brasil, com quem ela disse ter aprendido muito, e como co-orientador, o professor Heukelbach.

“Lembro-me com carinho que no dia da defesa o doutor Heukelbach se referiu que estávamos vivendo um momento histórico, porque aquela seria a primeira tese de doutorado em bicho do pé do mundo. Até os dias atuais mantenho a parceria científica com o pesquisador, tanto que, foi ele o maior incentivador na escrita do artigo de opinião sobre a minha trajetória acadêmica, quando assistiu, ano passado, uma palestra minha on-line no encontro de pesquisa da UFMG. Aqui quero lembrar também dos amigos que fiz em Minas Gerais, representada pela querida Sumara Aparecida Guilherme, secretária da pós-graduação em Parasitologia do ICB-UFMG, verdadeiro anjo para os estudantes, principalmente para quem vem de fora”, diz Cláudia com expressa gratidão.

Durante o período de sua atividade docente na Uncisal, Claudia enfatiza que para complementar a renda, durante dez anos ministrou aulas de Parasitologia para os diversos cursos de saúde no Centro de Estudos Superiores de Maceió (Cesmac). Nesta instituição também foi coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos e animais, ao mesmo tempo em foi secretária de semelhante comitê na universidade estadual. Segundo ela, experiência que é alicerce, até hoje, na disciplina de Bioética que ministra na Ufal. Encerrou suas atividades docentes nas respectivas instituições de ensino em 2009, quando ingressou na Ufal pela exigência de regime de dedicação exclusivo na universidade federal .

“Eu sempre quis ser professora. Realizei um sonho que a minha mãe gostaria de ter realizado. Aproveitei oportunidades, recebi estímulos e muito apoio em toda a minha formação acadêmica. Meu pai tinha o ensino primário incompleto e minha mãe, que só estudou até a 2ª série do ensino primário, acompanhou meus progressos acadêmicos. E, apesar de não entender muito bem a importância da educação como transformação social, ficava satisfeita em me ver com um bom emprego. Lembro-me que dizia diversas vezes: “eu sonhei em ser professora primária, como minha professora dona Maria Lúcia, mas você realizou meu sonho em algo que nem imaginava, como professora de faculdade”, conta emocionada a aguerrida Cláudia.

Mãe de três filhos, segundo ela, frutos de uniões que não foram mantidas, o mais velho conclui este ano na Ufal o curso de Ciências Contábeis e é pai de sua única neta. A filha cursa Medicina Veterinária em uma faculdade particular de Maceió e o mais novo, diagnosticado com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) está no 7 º ano do ensino fundamental em uma escola particular na capital. Dizendo-se “mãe solo”, os cuidados à família, que sempre geram preocupações constantes e desafiantes, são mantidos em equilíbrio com desempenho de suas atividades laborais.

O poder do ensino público

Defensora ferrenha do ensino público, ela o considera uma” ferramenta de transformação de realidades, e de diminuição do abismo social onde estamos inseridos”. Sem essa ferramenta, segundo Cláudia, juntamente com o incentivo das bolsas de estudos (programas de bolsas para aluno de baixa renda, monitoria, extensão, iniciação científica, aperfeiçoamento científico, mestrado, doutorado e pós-doutorado), que possam manter o estudante nas universidades, as desigualdades e as misérias só aumentarão, ocorrendo um prejuízo à toda sociedade, com todo aumento dos piores índices sociais.

“Histórias como a minha colocam por terra toda essa fatídica 'meritocracia', porque não se trata de mérito e sim de oportunidade. Foi isso que tive nessa minha trajetória. Se há algum mérito creditado a mim, vem do aproveitar das oportunidades, que precisam existir, precisam estar disponíveis para todos. Quem não defende o ensino público e gratuito em todos os âmbitos (fundamental, médio, profissionalizante, graduação e pós-graduação) está completamente desconectado do seu tempo e lugar, e da sua própria humanidade, tendo em vista que se afasta do humano, da capacidade de ser empático, em um país onde a maioria da população vive em bolsões de misérias”, enfatiza.

“O real responsável por meu sucesso profissional foi uma rede grande de incentivadores, no âmbito pessoal e institucional. Assim, agradeço a toda essa rede e a todos que defendem a escola pública. Sei que não enfrentei maiores barreiras como pobre, por ter a cor da pele branca. Sei que existem populações de pobres mais vulneráveis, como negros, indígenas e a população LGBTQIA+, que além da falta de oportunidades, também enfrentam os pré-conceitos de uma sociedade forjada na escravatura, que ainda é influenciada, no seu psique, pela cultura da casa grande e senzala. Minha história precisa ser conhecida, para sonharmos com justiça social e acordarmos em um país pacífico, justo e igualitário”, finaliza.