Ufal e Sociedade entrevista Elvira Barretto


09/07/2019 09h05 - Atualizado em 23/09/2019 às 11h33
A jornalista Lenilda Luna entrevistou Elvira Barretto

A jornalista Lenilda Luna entrevistou Elvira Barretto

A rádio Ufal iniciou uma série de entrevistas semanais, que serão transcritas para o site da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Nessa segunda edição do programa “Ufal e Sociedade”, nós convidamos a professora Elvira Simões Barreto que é líder do grupo de pesquisa e extensão “Gênero, diversidade e direitos humanos”. 

Confira:

Lenilda Luna: Professora Elvira, obrigada por vir, a senhora que tem já um acúmulo, uma grande luta, pelos direitos da mulher, reflexões sobre a participação da mulher na sociedade e pelo reconhecimento desta presença ativa. Então, vamos começar um pouco a falar dessa história. Obrigada! 

Elvira Barretto: Eu que agradeço essa oportunidade de estar aqui, parabenizo à Ascom e a você, particularmente. Você convoca a uma reflexão me faz retomar ao século passado e a Ufal presente nesse processo. Neste lugar que me fez chegar até o dia de hoje com essa bandeira de luta e que é uma referência para os meus estudos e pesquisa.

Quando eu era estudante, no final da década de 80, era fim de ditadura militar, a gente tinha toda uma formação política de luta por justiça social. Havia duas grandes mulheres que foram professoras e referências, particularmente para mim, para pensar um projeto de vida, orientado pelo princípio da justiça social. Só que eu ainda não conhecia a questão da mulher como uma problemática a ser estudada e desvelada, como possibilidade de ampliar essa justiça social e igualdade entre homens e mulheres. 

Nesse período, eu lembro que vi pela primeira vez uma mulher dando uma palestra. No caso, a professora Nádia Regina, lançando o livro “A mulher em questão”. Inclusive, foi no mês do meu aniversário e eu fiquei tão encantada que minhas colegas de turma me deram esse livro. Foi a partir daí que eu comecei a ler e conheci uma outra amiga que me levou ao Núcleo temático “Mulher e Cidadania”. Na época eu era assistente social e havia, na vila Brejal, um trabalho de extensão coordenado pela professora Nádia Regina e vinculado a Pró-reitoria de Extensão (Proex). Na época. o professor Salomão Barros era o pró-reitor, foi ele que fundou essa pró-reitoria na Ufal. 

Eu ouvia falar do Centro de Mulheres da Vila Brejal, deste trabalho da Ufal lá na Vila. Elas falavam de temas que eram emancipatórios, voltados para a mulher no âmbito da sexualidade. Eu que não convergia a minha formação marxista para a questão da sexualidade e do respeito à diversidade de uma forma geral, comecei a pensar no assunto. Ainda não tinha o movimento LGBT tão organizado, mas foram essas frentes de trabalho, a partir da voz de mulheres de lá da comunidade - eu ainda não era professora, mas já tinha me formado e estava no primeiro emprego - e esse trabalho de extensão me levou para esse Núcleo temático “Mulher e Cidadania”. 

Para mim, é icônico e um ponto referencial na história da Ufal, esse vínculo com a sociedade. Tenho 27 anos como professora, estou falando de 89. Eu fiz concurso para a Ufal, em 92, para professora, mas já estava no Núcleo e me tornei pesquisadora dele, com  muitos projetos de pesquisa e extensão que foram realizados e implantados. Era uma referência do Movimento Acadêmico Feminista Nacional, a Ufal através do núcleo temático da cidadania. A gente coordenou em 1997, o Encontro da Rede Norte-nordeste de Estudos e pesquisas sobre a Mulher e Relações de Gênero, quando ninguém entendia muito bem o que queria dizer a questão do gênero. Hoje é um tema da ordem do dia e debatido de forma, às vezes, tão equivocada. Mas que tem uma história muito séria, que salvou muitas vidas, do ponto de vista de proteção social das mulheres, nos vários âmbitos de proteção: da tomada de consciência, de reconhecer o potencial que habita as histórias de vidas de mulheres, tanto dentro da Ufal, como fora, participando de Fóruns como os conselhos; até na organização de conselhos, na organização das mulheres líderes de suas comunidades. Então, é essa marca que tem a Ufal e o Movimento Feminista Acadêmico. 

Lenilda Luna: Por essa história que você começou a contar, a gente vê que a Ufal tem um acúmulo nessa questão feminista, com várias pesquisadoras. Como é que você avalia essa evolução? Lembrando das bandeiras que a gente defendia na década de 80, como é que hoje. Essa questão de sexualidade, liberdade das mulheres, feminismo, reconhecimento da comunidade LGBT. Hoje, esses temas são disputas de narrativas, estão na pauta do dia. Então, o que mudou nessa forma de nos organizarmos? Hoje, por exemplo, temos as redes sociais e isso provoca uma gama de informações que a gente não tinha acesso nessa época. O que mudou, Elvira? 

Elvira Barretto: Quem sou eu para abarcar todas as mudanças na velocidade que ocorreram… Porque a gente ainda não tinha entrado na era da informação, das redes, das narrativas no âmbito midiático, eu estou falando da década de 80. Era muito privatizado. A proliferação era muito ligada a instituições. Hoje a gente não tem fronteira para compartilhar pensamentos e disseminar frentes e lutas. Então, eu faço uma retrospectiva rápida, talvez muito menos como acadêmica, mais como uma pessoa militante, ativista e desejante de um mundo em que mulheres e os seres humanos rompam essas fronteiras e essa cultura que gera um limite de desenvolvimento humano. As possibilidades do potencial que nós temos de realização.

Nesse sentido, o que eu vejo é que os movimentos eram guetizados, existia movimento LGBT, Gay, ambientalista, afrobrasileiro, para mulheres… O que eu vejo de mudança é que politicamente houve possibilidade de abertura, de pontes de diálogo como amadurecimento, isso ainda como processo. Eu não estou dizendo que a gente chegou a um total amadurecimento mas essa possibilidade foi aberta nesse século. O diálogo foi fortalecido com narrativas de uma tradição política marxista que a via como um receio de retrocesso e na medida que dialogasse com esses grupos que eram ditos de minorias.Só que, dentro do próprio movimento marxista; movimentos no plural porque têm várias linhas de esquerda marxista, anticapitalista; que dialoga com movimentos que trazem questionamentos, no âmbito dessas narrativas de Marxismo tradicional e reivindicam esse diálogo.

Eu concebo isso como um grande avanço e esse processo está se dando, no interior dos movimentos. Estou me voltando para dentro da academia que é de onde eu posso falar mais de perto. Nos grupos de pesquisa que se voltam e se debruçam para questões relacionadas às desigualdades sociais e a superação dessas, começam a abrir um dialogo; mas não é abrir porque permite e sim porque há uma autoridade discursiva de pesquisadores e pesquisadoras nesse âmbito que é composto por gênero, questões de diversidade cultural e sexual. Quando falo de diversidade cultural, relaciono a étnico-racial, religiosa e cultural de uma forma geral. Então, são três eixos que vão dialogar sem aquele tensionamento de que eles iriam fragilizar a força política das discussões marxistas que se debruçavam sobre as desigualdades sociais e para as contradições entre capital e trabalho. Particularmente, creio que isso indica um estágio de amadurecimento dos estudos e pesquisas que miram para uma sociedade mais justa, equânime e onde sejam garantidos os direitos humanos. Esse caminho de diálogo contribui para desvelar mais profundamente as raízes das opressões. 

Lenilda Luna: Sobre o grupo de pesquisa e extensão “Gênero, Diversidade e Direitos Humanos”, qual é o objetivo, como é que vocês atuam e quem é que participa? 

Elvira Barretto: Esse grupo foi um desdobramento do doutorado na área de Gênero, Diversidade e Direitos Humanos, no âmbito da comunicação audiovisual, que eu fiz na Universidade Autônoma de Barcelona. A partir daí foi sendo delineado que essa frente precisava ser aberta para eixos de pesquisa, áreas temáticas nesse campo. A gente teve um trabalho ousado sobre violência letal entre jovens do sexo masculino que foi para um lado do avesso do debate feminista, mas ainda em um perspectiva feminista, para entender a violência letal de jovens homens negros. Em uma perspectiva feminista de gênero. Essa foi uma primeira frente do grupo de pesquisa que se desdobrou, com 12 estudantes sob minha coordenação e uma pesquisadora da Espanha. A professora Nádia Regina também participava, a professora Ana Amélia Campos, com a qual já publiquei artigos, e que já partiu para outras dimensões, e sempre foi uma entusiasta da área. A gente fez um grande trabalho de formação continuada em Gênero e Diversidade na escola, em Alagoas, para professores e professoras da rede básica de ensino do estado. Foram três projetos, dois aperfeiçoamentos e 413 professores, desses, 120 especialistas, que formamos com o que a gente chama de Movimento de gênero diversidade. Vários entraram no mestrado, outros no doutorado, alguns e algumas estão como professores de universidade. Esse é o papel da Universidade que reconhece o valor de professores da rede pública, do ensino básico, que está nas comunidades.

Quando voltei do pós-doutorado, ainda com esse grupo de pesquisa, os alunos publicaram artigos e foram para o 20º Encontro da rede Norte-Nordeste de estudos e pesquisa sobre a Mulher e Relações de Gênero. O grupo continua vinculado à rede; os estudantes e depois profissionais e pesquisadores, mestres; publicam, apresentam trabalhos e socializam suas pesquisas. A Ufal, através do grupo, do núcleo e agora da Edufal, porque agora estou participando da editora universitária como diretora, nós vamos sediar, no próximo ano, o vigésimo primeiro encontro da rede Norte-Nordeste de estudos e pesquisas sobre a Mulher e Relações de Gênero como uma abertura de um outro ciclo já neste século. Hoje essa rede tem um encontro internacional, a exemplo do que fui ano passado em Salvador, com mais de 3000 participantes. Se antes, a gente tinha uma média de 300 ou 400 aqui em Alagoas, hoje, a rede aumentou. Faz parte daquela outra pergunta que você fez também “Como a gente avançou?”. A gente tem jovens fantásticos, homens e mulheres na juventude negra, feminismo negro, dando lição pra gente, abrindo flancos para que a gente repense alguns aspectos também do feminismo. Isso é uma riqueza que não tem caminho de volta, isso é claro. 

Lenilda Luna: Agora você já tem uma expertise em organizar grandes eventos. No ano passado teve um evento que foi um seminário internacional na área de Direitos Humanos. Esses momentos também são de uma riqueza grande porque é um debate da academia com os movimentos sociais organizados e também é uma ponte da Ufal com à sociedade. 

Elvira Barretto: Incrivelmente, esse congresso de Direitos Humanos, que foi um desdobramento do pós-doutorado na Espanha também, mas que vem com todo esse desejo de realização e de ampliar o espectro, porque vários movimentos sociais participaram. Foi realizado em Jaraguá, no Espaço Armazém, um espaço que a academia não tinha tido experiência em relação a congressos. Muitos poucos conheciam aquele lugar que era um armazém com uma história ligada à escravidão, Nesse espaço, foi emocionante debater com o pessoal dos movimentos. Tivemos a presença de mulheres e homens do Movimento Sem Terra, do Movimento de Meninos e Meninas de rua, ligado ao Cedeca; várias frentes das mulheres ligadas ao Cedim; vários sindicatos daqui do estado estavam presentes e também da circunvizinhança, como Caruaru. Vieram os estudantes e também a participação internacional. Foi um debate muito bonito, o congresso foi um texto aberto. 

Agora estou com outro desafio. A professora Valéria disse:“Elvira, você já teve um ensaio do Congresso de Direitos Humanos, que tal ingressar nesse projeto inovador da Bienal em Jaraguá? Eu hezitei: “Não professora, não pensei nisso, vamos repensar...”. Mas aceitei e, desde abril, estamos nesse projeto na Bienal, “Livro aberto, leitura, liberdade e autonomia”. É um projeto impressionantemente belo, porque vai ser na rua Sá e Albuquerque, nos prédios históricos, uma média de sete prédios, desde o arquivo público, o Iphan, o Misa, a Praças Dois leões e 18 de Copacabana, passando pelo Espaço Armazém e a Associação Comercial. Recebemos também o convite de ocupar o  Armazém onde era a antiga casa de show Vox, com um espaço de dois mil metros quadrados. Teremos a feira de Ciência, Tecnologia e Inovação ligada à Secretaria do Estado e Tecnologia e a parceria da Fundação Municipal de Ação Cultural. Nós também estamos sendo procurados por empresas que atuam no local e que veem o projeto da Bienal como um reconhecimento do bairro. É uma homenagem a população de Alagoas, que possibilita conhecer os patrimônios públicos e o que uma universidade pública pode proporcionar ao seu estado. É a única Bienal organizada por uma Universidade, desde quando iniciou com a professora Leda, e  posteriormente se tornou uma Bienal internacional com a professora Sheila e depois foi fortalecida pelo professor Eraldo, e agora vai para a rua. 

Lenilda Luna: Que ótimo! Então, realmente vamos ocupar as ruas de uma parte histórica de Maceió. 

Elvira Barretto: O Marco Zero de Maceió, como diria o professor Carlito Lima, e a Ufal celebrará os 18 anos da Bienal do livro de Alagoas. 

Lenilda Luna: E muita gente vai vir dar palestras e fazer lançamentos? 

Elvira Barretto: Muitas! Muitos autores estão concluindo os contratos. Finalizamos o convênio Ufal-Fundepes que organiza os trâmites burocráticos, então, são várias mãos. Estou encantada com a produção cultural dos jovens. Nós construímos a identidade gráfica que reconhece o passado e olha para o futuro e no presente faz uma síntese dessa perspectiva. A identidade gráfica é um livro aberto com uma página que representa o ebook e a outra que representa o livro tradicional. Então é isso, esse grande desafio. 

Lenilda Luna: Professora Elvira, muito obrigada por este entusiasmo que a gente sente e que contagia. Nós temos uma história nesta Universidade, de troca, apoio e referência para sociedade alagoana e isso fortalece a Ufal como instituição. Porque a sociedade alagoana nos reconhece como um patrimônio dela e vai perceber isso ainda mais nesses dias da Bienal. 

Elvira Barretto: Vamos lá, com muita força e determinação e cada vez fica bem claro como a sociedade está com uma expectativa positiva para esse evento. 

Lenilda Luna: Muito obrigada, professora Elvira. Encerramos então essa 2ª edição do Programa  Ufal e Sociedade, temos novos programas todas segundas-feiras, 11h e reprise às 17h. Acompanhe, dê sugestões e participe. Até lá.

Ouça a entrevista aqui