Doutorado de biólogo concluído na Ufal é marcado por exemplo de superação

Pesquisador, diagnosticado com a síndrome de Guillain-Barré, analisou a biologia reprodutiva de uma espécie de anuro que ocorre em Alagoas
Por Janyelle Vieira - estagiária de Jornalismo
12/08/2020 16h21 - Atualizado em 13/08/2020 às 14h00
Trabalho de campo no Parque Municipal de Maceió

Trabalho de campo no Parque Municipal de Maceió

Conflitos intelectuais, alta carga de trabalho, escassez de recursos. Para um pesquisador, o doutorado é certamente um dos maiores desafios acadêmicos. Além do trabalho de pesquisa, a rotina ao longo dos anos do curso do biólogo Nelson Rodrigues da Silva também foi seriamente impactada pela síndrome de Guillain-Barré.

Ainda no sétimo mês do doutorado, Nelson Rodrigues precisou voltar ao Estado de São Paulo para realizar uma disciplina eletiva na Universidade Estadual de Rio Claro. Aproveitou a ida para visitar sua família em Sorocaba. Ainda no voo para São Paulo, ele se sentiu mal e começou a ter dificuldade para mover a perna direita. Dentro de 24 horas, o pesquisador estava tetraplégico.

A síndrome de Guillain-Barré é uma doença auto imune que paralisa os movimentos pois afeta os nervos dos músculos. É uma condição rara que pode afetar pessoas de qualquer idade. Após o diagnóstico, o biólogo vivenciou sete meses de tetraplegia e outros 14 sem possibilidade de andar. Foram diversos dias de internação em unidades de terapia intensiva e tratamento de imunoterapia. Com a ajuda de profissionais, um ano depois da doença diagnosticada, Nelson conseguiu voltar a escrever.

“Quando fiquei doente, o primeiro artigo ainda nem tinha sido publicado apesar de eu ter todos os dados, então, a primeira coisa que fiz quando voltei a ter movimentos nos dedos foi escrever esse artigo porque era uma das exigências para eu continuar, foi aquele gás total”, conta Nelson Rodrigues.

Em meio às dificuldades, ele tornou-se doutor em Biodiversidade, junto ao Programa de Pós-graduação em Diversidade Biológica e Conservação nos Trópicos (PPGDIBICT) do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) da Universidade Federal de Alagoas sob orientação da professora Tamí Mott.

A tese desenvolvida foi: Aspectos da biologia reprodutiva de Dendropsophus haddadi (Anura: Hylidae) e a influência dos locais de oviposição no dimorfismo sexual e fecundidade em anuros. O estudo gerou dois artigos científicos, sendo um deles aceito pelo Biological Journal of the Linnean Society, uma das revistas biológicas mais antigas do mundo.

“Voltar para o doutorado era a minha maior meta. Fiquei desesperado porque era meu maior sonho. O doutorado me ajudou a manter a cabeça boa e ficar fora da minha doença. Quando voltei a escrever, eu comecei a pensar na publicação, no projeto, na escrita e tudo mais... Também tinham as disciplinas, que depois comecei a fazer a distância e no fim, as coisas foram se acertando. Eu consegui fazer os estágios e terminar a tese e nossa, muita alegria, graças a Deus e a todas as pessoas que estão envolvidas nessa segunda parte da tese, a gente conseguiu publicar em uma ótima revista e eu finalizei o doutorado muito melhor do que eu esperava, estou muito feliz com o resultado”, comemorou.

Para a orientadora Tamí Mott, Nelson se tornou um grande exemplo. “O grande aprendizado para mim foi que a gente orienta alunos, mas lida com pessoas e a saúde deve ser colocada sempre em primeiro lugar. Eu quero ver meus alunos, que são a minha família científica, sempre bem, com saúde, podendo desenvolver suas atividades. Eu nunca ouvi uma reclamação do Nelson. Continuamos nossas reuniões virtuais, ele sempre acompanhado por enfermeiros e assim ele foi seguindo suas atividades, conseguindo desenvolver as orientações. Para mim ele é um guerreiro, porque hoje, se voltou a andar e se é doutor, foi muito mérito dele”, comentou.

A proposição da pesquisa, assim como a vida do biólogo, foi alterada ao longo do percurso. Contudo, a tese entrega uma análise da biologia reprodutiva de uma espécie de anuro que ocorre em Alagoas, o Dendropsophus haddadi, endêmico da Mata Atlântica. O sapo, que vive em pequenas lagoas, deposita os ovos ao redor das folhas das plantas do bioma.

O pesquisador avaliou ainda se o local onde as fêmeas depositam os ovos exerce influência na fecundidade e se o lugar da postura dos ovos influencia ainda no grau de dimorfismo sexual. Enquanto a primeira parte da tese trata de uma biologia descritiva de história natural, a segunda realiza uma análise de metadados e dados publicados por outros autores e informações pessoais.

De acordo com o biólogo, os anfíbios anuros apresentam uma grande diversidade de modos reprodutivos. Os comportamentos de depositar os ovos na água ou na terra envolvem diferentes adaptações e a terrestrialidade evoluiu no grupo de forma independente. As diferenças morfológicas entre machos e fêmeas e a fecundidade das fêmeas são características importantes ligadas aos modos reprodutivos. Porém, para muitas espécies não há dados básicos sobre biologia, dificultando estudos em ecologia e evolução dos anuros, os sapos, rãs e pererecas.

Desta forma, o estudo visou analisar a biologia desta espécie, que possui o modo reprodutivo arborícola, bem como investigar a inter-relação entre modos arborícolas, fecundidade e o dimorfismo sexual em anuros. Para desenvolver a tese, duas populações foram estudadas em Maceió, Alagoas. Os indivíduos foram observados a uma altura média de 3 a 5 metros na vegetação à beira de corpos d'água temporários.

Para saber mais, confira a tese.