Biólogo apresenta pesquisa sobre 18 anos de trabalho para preservar peixe-boi-marinho

Dissertação sobre o manejo para a conservação dos peixes-bois marinhos foi defendida por Iran Normande

17/02/2014 14h45 - Atualizado em 14/08/2014 às 10h28
Iran Normande apresenta resultado de 18 anos de pesquisa

Iran Normande apresenta resultado de 18 anos de pesquisa

Lenilda Luna - jornalista

São 18 anos de muita dedicação para contribuir com a preservação da vida dos peixes-bois marinhos, espécie criticamente ameaçada de extinção no Brasil. O biólogo Iran Normande, junto com outros colegas do Projeto Peixe-boi, percorreu muitos quilômetros de litoral, observando o comportamento e cuidando desses animais, alguns bem conhecidos da população alagoana. Os resultados deste trabalho foram condensados na dissertação do mestrado em Diversidade Biológica e Conservação nos Trópicos, intitulado Manejo para Conservação de Peixes-bois Marinhos no Brasil: Programas de Soltura e Monitoramento.

A dissertação foi defendida na última sexta-feira (14) e, após a sugestão de algumas alterações, foi aprovada com muitos elogios pelos professores da banca. Iran Normande relatou o início do trabalho em Alagoas, em 1994. A caça desses animais já estava proibida há mais de uma década pelo governo federal, que criou um projeto para defendê-los. Apesar de algumas deficiências na logística e de planejamento, o projeto em Alagoas apresentou resultados importantes para conhecer melhor a espécie e no envolvimento da população litorânea para a proteção dos animais.

Em Alagoas, alguns pontos foram escolhidos para a soltura de animais que precisaram de cuidados humanos e, depois de um período de recuperação, foram novamente devolvidos ao habitat natural, entre eles, Porto de Pedras e Paripueira. Os animais soltos receberam marcadores para monitoramento remoto, via satélite ou VHF. O monitoramento presencial também é frequente. Os biólogos vão a campo para acompanhar o deslocamento dos peixes-bois. O projeto, inicialmente patrocinado pela Petrobras, hoje é promovido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO).

Entre 1994 a 2012, 30 peixes-bois foram liberados com o acompanhamento da equipe do projeto Peixe-boi em Alagoas. A soltura é considerada um sucesso, nos critérios utilizados para a dissertação, quando o animal ultrapassa um ano de adaptação, sem necessidade de voltar ao cativeiro. Neste quadro, 23 animais foram considerados uma soltura de sucesso. A maioria desses animais foi solta em Porto de Pedras. Eles também apresentaram sucesso reprodutivo, ou seja, 100% dos machos copularam e 66,7% das fêmeas tiveram filhotes.

O projeto acompanhou mais detalhadamente 21 indivíduos, entre novembro de 2008 a junho de 2013. Isso significa 2.257 dias de monitoramento por animal. Foram 13 machos e oito fêmeas, sendo 15 animais em Alagoas e seis na Paraíba. "É um trabalho exaustivo, que exige equipes grandes, já que não é fácil manejar um animal de aproximadamente 500 kg. Temos dificuldades com o alto custo do manejo e a logística deficiente. Mas os resultados são importantes para conhecer a situação dos animais depois da soltura", ressaltou Iran Normande durante a defesa da dissertação.

O deslocamento

Um painel que despertou o interesse do público presente durante a apresentação do trabalho foi o de deslocamento dos animais depois da soltura. "Existe um padrão de concentração próximo ao local de soltura. Os animais também não costumam se afastar muito da costa. Para a maioria dos animais, o deslocamento é restrito às proximidades de onde foram soltos. Eles buscam água doce, abrigo e alimento abundante. O ambiente estuarino é o mais procurado por apresentar essas qualidades. Nossas águas quentes também são atrativas, já que os peixes-bois não suportam temperaturas abaixo de 20°C", explicou Iran Normande.  

Mas esse padrão de deslocamento teve exceções interessantes. Enquanto o peixe-boi Atol, por exemplo, não chegou a 3 km de deslocamento, depois da soltura, o Arthur fez uma viagem de mais de 172 quilômetros. Sempre próximo à costa, ele saiu de Alagoas num deslocamento exploratório que o fez enfrentar alguns riscos até o litoral do Rio Grande do Norte. "A área de vida é maior, mas tem os conflitos com os humanos, já que nosso litoral tem cada vez mais intervenções como estaleiros, loteamentos habitacionais e complexos como o Porto de Suape no caminho desses animais", explicou o biólogo.

Grande parte desse deslocamento é solitário, uma vez que, segundo a pesquisa, existe um hiato de 140 Km sem peixes-bois, de Barra de Camaragibe à Olinda. Mesmo assim, alguns desses animais enfrentaram os desafios para ter contato com populações de sua espécie de outros sítios. Outro exemplo foi a Serena. A fêmea foi algumas vezes a Olinda para copular e voltou a Alagoas para ter os filhotes. Poucos animais se afastaram da costa para águas oceânicas e, nesses casos, foi considerado um deslocamento errático, demandando o resgate do peixe-boi.

Animais nativos e solturas

Entre 2012 e 2013, os pesquisadores do Projeto Peixe-boi Marinho conseguiram capturar seis animais nativos, que nunca passaram por cativeiro, para instalar neles os equipamentos de monitoramento. "Não é fácil colocar as antenas em animais que nunca tiveram muito contato com os humanos. Mas é importante esse monitoramento para compararmos os padrões de comportamento entre animais que foram soltos depois de passar um tempo em cativeiro e animais que sempre viveram no habitat natural", disse o biólogo.

Existem vários desafios que precisam ser enfrentados para preservar essas populações, como protegê-los durante os deslocamentos. "É necessário que esses animais tenham condições de se deslocar naturalmente pelo litoral, para copularem com indivíduos de outros grupos; isso é importante para promover o intercâmbio genético. E não são os tubarões de Boa Viagem o maior risco que eles enfrentam. Na verdade, existem poucos relatos de ataque de tubarões aos peixes-bois. O risco maior é mesmo o homem e suas intervenções no litoral", ressaltou o pesquisador.

Por isso, o trabalho de manejo e pesquisa continua, ao lado de uma intensa campanha de educação ambiental, envolvendo crianças das comunidades litorâneas, pescadores e sociedade em geral. "Existem atividades que estão se intensificando, como o turismo ambiental que convida pessoas para acompanhar a soltura do peixe-boi, assim como as crianças das escolas próximas aos locais de soltura. Também fazemos a divulgação dos telefones de contato para as pessoas ligarem se encontrarem algum animal encalhado. Esse é um trabalho que continua, com participação de cada vez mais pessoas, para a preservação dessa espécie.", concluiu o pesquisador.