Afundamento do solo em Bebedouro vira tema de TCC de Jornalismo

Situação causada após exploração irregular de sal-gema causou êxodo de moradores e motivou a produção de um ensaio fotojornalístico feito pela estudante Larissa Lopes
Por Deriky Pereira – jornalista colaborador
12/07/2022 10h51 - Atualizado em 19/07/2022 às 14h19

Vazio, silêncio e dor. Essas são algumas das palavras que podem se transformar em sentimentos para as pessoas que visitam, hoje, Bebedouro, um dos quatro bairros afetados pelo maior desastre ambiental já registrado no Brasil e causado pela exploração irregular de sal-gema. O fato chamou atenção da estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Larissa Lopes, que preparou um ensaio fotojornalístico como seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). 

“O ensaio pensado para este trabalho procura reforçar e transmitir a necessidade de manter esse caso em pauta. Em cada foto, o sentimento parte para a mesma direção de vazio, silêncio e dor. A busca para serem vistos e ouvidos é constante e alguns dos que já não residem mais ali retornam ocasionalmente para ver a situação que seus antigos lares se encontram no momento”, escreveu Larissa, em seu relatório. 

Para o trabalho, intitulado Bebedouro silenciado: Um ensaio fotográfico do bairro maceioense depois do afundamento do solo causado pela mineradora Braskem, Larissa fez o registro de mais de 630 fotos, selecionando 30 delas para a criação de um fotolivro que você pode conferir em anexo no final desta página. Todas as imagens foram feitas a partir de um smartphone em visitas de Larissa ao bairro durante os meses de maio e junho. 

“Escutei de um amigo uma frase que ficou e permaneceu em minha mente durante todo o desenvolvimento do trabalho. E foi ela: O bairro de Bebedouro ajudou a fundar Maceió e não a afundar! Mesmo tendo nascido em Maceió e sendo moradora da cidade, nunca havia visitado Bebedouro e conhecê-lo na atual situação foi de uma profunda tristeza”, complementou a estudante. 

Sobre a defesa 

O trabalho, orientado pela professora Janayna Ávila, foi defendido de maneira remota na manhã da última sexta-feira (8) e contou ainda com as participações do também docente do curso de jornalismo da Ufal, Vitor Braga e de Eduardo Leite, jornalista e pesquisador da área da Fotografia. Ambos fizeram diversos apontamentos e considerações técnicas durante o processo de avaliação do trabalho. 

Para Eduardo, o olhar de Larissa sobre o bairro de Bebedouro, no que se refere ao ocorrido, se faz relevante pelo fato de a maior lembrança ao se falar no assunto ser direcionada, na maioria das vezes, ao bairro do Pinheiro, local onde o tremor de terra ocorreu em março de 2018, dando início a toda esta situação. 

“Esse é um trabalho de grande relevância por se tratar de um bairro que não é só o Pinheiro. Quando a gente fala dessa situação, só se fala mais nele, mas os outros vários bairros afetados não são muito falados. Você trazer esse olhar para Bebedouro é algo de grande relevância. Quando eu passei por Bebedouro, a situação me chocou mais, mesmo sendo o mesmo absurdo [ocorrido nos outros bairros]. E é importante trazer esses lugares à tona”, contou o pesquisador. 

O professor Vitor Braga recordou momentos de sua infância vivida na região do Sanatório, ligeiramente afetada pela tragédia ambiental. “Eu desci muito a ladeira do Calmon andando de bicicleta, ali tinham padarias, mercados, a minha avó foi uma das pessoas que recebeu a indenização da Braskem, minha tia tinha loja de construção lá... Então, foi uma coisa que me tocou voltar aqui e olhar para um local que teve uma presença muito forte na minha vida, na minha infância, enfim, eu poderia contar aqui várias histórias que vivi na região”, refletiu. 

A orientadora Janayna Ávila reiterou as palavras de Vitor ao parabenizar Larissa pela produção em um curto intervalo de tempo. Ela destacou ainda a importância de fazer com que esse trabalho circule para que, assim, possa alcançar ainda mais pessoas – um dos objetivos listados por Larissa, inclusive, em seu relatório: 

“O que eu gostaria de destacar é que a Larissa fez um trabalho, principalmente o ensaio, que foi de extrema importância e contribui para essas narrativas sobre a tragédia. Acho fundamental circular esse trabalho porque vai fazer com que outras pessoas possam ter um olhar sobre um único bairro, que é mais esquecido no contexto dessa história toda. Eu já tinha orientado alguns trabalhos sobre o problema, mas não sobre Bebedouro exclusivamente”, disse a professora. 

Imagem e informação 

Ao resgatar pontos importantes da história de Bebedouro, como um dos primeiros bairros da capital alagoana, que reunia os festejos do início do século 20, citando sua importância para a história do esporte e até do transporte ferroviário, Janayna apontou que o trabalho desenvolvido por Larissa se destacou também por contribuir para que a situação que ocorreu – e continua ocorrendo – em Maceió não seja esquecida.  

“Cada vez mais a gente vê pessoas se interessando em fazer documentos a respeito do que aconteceu. Documentos videográficos, fotográficos, enfim, quanto mais se faz, mais essa documentação vai sendo enriquecida. Essa é uma tragédia que a gente ainda não sente os efeitos dela por que... Estamos muito próximos do acontecimento. É algo que, com certeza, vai afetar a dinâmica da cidade. E é superimportante que isso seja documentado”, refletiu. 

Janayna destacou também que o meio utilizado pela estudante para documentar a situação do bairro, o fotojornalismo, enriqueceu ainda mais a proposta do trabalho. “O fotojornalismo, desde que surgiu uma testemunha ocular da história, a fotografia é um olho pensante e no fotojornalismo ainda mais porque através da fotografia você constrói narrativas jornalísticas em imagens. Isso só enriquece ainda mais o trabalho da Larissa”, explicou. 

O professor Vitor Braga complementou a fala de Ávila ao destacar que o trabalho atingiu a proposta ao mostrar, dentre outras coisas, a sensação de vazio, trazendo um misto de comoção, indignação e interesse em saber mais sobre a situação atual do bairro depois da tragédia provocada pela ação da mineradora. 

“Eu acho que essa sensação do vazio é muito latente no seu trabalho, ele tem uma potência muito forte, você conseguiu cumprir bem. Foi um trabalho feito em um tempo muito curto, mas tem uma qualidade muito boa no texto e também no ensaio em si. O texto está bem escrito, é um texto fluido, a pessoa fica interessada em saber da história. O que você conseguiu desenvolver nesse tempo é uma coisa louvável”, completou Vitor. 

Missão cumprida 

Após considerações feitas pelos avaliadores na banca, o trabalho de Larissa foi devidamente aprovado e trouxe, além da alegria, duas importantes sensações para a estudante: a de alívio e a de missão cumprida.  

“Conseguir concluir essa jornada foi muito gratificante, principalmente pelo tema e pela proposta do trabalho, pois se trata de um assunto necessário e importante. Conseguir essa aprovação foi muito. Foi incrível. Então, eu estou muito feliz com essa conquista”, confessou Larissa Lopes, que já tem uma graduação em relações públicas e agora deixa a Ufal com a segunda graduação, no curso de jornalismo. 

Confira abaixo a primeira versão do fotolivro produzido pela jovem sobre o bairro de Bebedouro.