Cientistas identificam fatores de doenças crônicas em pacientes com HIV

Levantamento inédito mapeou 400 pessoas e contou com participação de pesquisadores da Ufal e da Uncisal
Por Eduardo Almeida - jornalista
12/01/2024 16h13 - Atualizado em 12/01/2024 às 16h17
Equipe de pesquisadores que atua no projeto de extensão desenvolvido nos ambulatórios do HU e do Hospital Helvio Auto

Equipe de pesquisadores que atua no projeto de extensão desenvolvido nos ambulatórios do HU e do Hospital Helvio Auto

Alagoas é destaque quando o assunto é ciência. Um levantamento inédito, realizado em parceria por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal), identificou os fatores que favorecem o aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis em pacientes com o vírus HIV. A pesquisa mapeou 400 pessoas, em dois ambulatórios de Maceió.

O estudo teve início no ano de 2020, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas (Fapeal), por meio do Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS). Nem mesmo o período de isolamento social imposto pela pandemia de covid-19 afetou a coleta dos dados, que aconteceu nos ambulatórios do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes, ligado à Ufal, e do Hospital Escola Doutor Helvio Auto, vinculado à Uncisal.

A pesquisa contou com a liderança da professora Luciana Melo e com a participação de mais dois professores da Ufal, vinculados ao curso de Educação Física; com a participação de uma médica infectologista ligada à Uncisal; e de cinco estudantes: três integrantes de programas de iniciação científica, dois participantes voluntários e mais três integrantes de programas de pós-graduação, na modalidade mestrado, ligados à Ufal.

“Durante a minha vida acadêmica, eu sempre me dediquei às doenças crônicas não transmissíveis, mais especificamente à síndrome metabólica, que é a coexistência de várias doenças do metabolismo, como, por exemplo, diabetes, hipertensão arterial, dislipidemia, colesterol alto e HDL baixo. Geralmente a pessoa que tem uma alteração, apresenta várias outras associadas”, explicou a professora e líder da pesquisa.

Luciana Melo complementa: “Depois que eu concluí a minha formação acadêmica e que comecei efetivamente como professora e pesquisadora, passei a trabalhar com outros grupos. O primeiro foi o grupo de idosos. Logo após, atuei no Hospital Escola Doutor Helvio Auto, quando tive contato mais próximo com pessoas vivendo com HIV. Comecei a observar, no contexto dos pacientes hospitalizados, que a gente tinha uma mudança de perfil”.

De acordo com a pesquisadora, o dia a dia na unidade hospitalar fez com que ela percebesse que, diferentemente do que acontecia nos anos de 1980 e 1990, os pacientes com HIV não apresentavam mais o típico perfil emagrecido das décadas passadas. Porém, segundo ela, eram comuns casos de acidente vascular cerebral, por exemplo, considerado uma complicação de doenças crônicas como a hipertensão arterial.

“Como a minha área era a síndrome metabólica, eu comecei a estudar e vi que havia uma relação existente entre o vírus, a infecção pelo vírus HIV e o desenvolvimento dessas doenças crônicas não transmissíveis”, destacou a pesquisadora.

Após se debruçar sobre o tema com base em métodos científicos, a pesquisa conclui que há, pelo menos, três fatores que contribuem para que as pessoas que vivem com HIV tenham mais chances de ter síndrome metabólica em comparação com a população geral. O primeiro fato é o próprio vírus, que gera um estado de inflamação crônica na pessoa que vive com HIV e atua como link entre o HIV e as doenças crônicas não transmissíveis.

O segundo ponto é a terapia antirretroviral, que, apesar da evolução registrada ao longo dos últimos anos, produz efeitos adversos que predispõe a pessoa a apresentar essas doenças crônicas não transmissíveis, como excesso de gordura abdominal e problemas cardíacos. Por fim, o terceiro ponto diz respeito aos fatores ambientais.

“A gente tem agora a primeira geração de pessoas que estão envelhecendo com HIV, porque até a década de 90 havia uma mortalidade muito grande. Praticamente todo mundo que era diagnosticado com HIV evoluía para a Aids e morria em um curto espaço de tempo. Depois que a terapia foi aprimorada, as pessoas passaram a ter longevidade. Esse aumento da expectativa de vida está associado à exposição aos agravos”, revelou Luciana Melo.

Além de identificar fatores que favorecem o aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis, o estudo concluiu que a prática nos ambulatórios também contribui com o agravamento da síndrome metabólica nos pacientes com HIV. Um dos exemplos apontados é o rastreamento de doenças cardiovasculares, preconizado pelo Ministério da Saúde. Ficou constatado que, no dia a dia, os serviços não realizam esse tipo de intervenção.

Para tentar minimizar essa situação, os pesquisadores decidiram criar um projeto de extensão, que vai levar educação em saúde e contribuir com fluxos de atendimento nos dois ambulatórios que participaram da pesquisa. A ideia é corrigir eventuais falhas detectadas ao longo do estudo e contribuir com a melhor qualidade de vida da população com HIV.

“O projeto resultou na proposição de um fluxo de atendimento nos ambulatórios em que a gente coletou dados. A gente vai produzir artigos científicos, que serão a devolutiva acadêmica, mas, desde o início, esse projeto tinha uma perspectiva de devolutiva para as pessoas que foram avaliadas. Essa devolutiva vem por meio de uma estratégia de educação em saúde, para orientar os pacientes sobre os cuidados que eles devem ter, a partir da implementação do projeto de saúde nos ambulatórios”, contou Luciana Melo.

Além da devolutiva para pacientes, o projeto de pesquisa tem contribuído com a formação de estudantes. A universitária Natália Santos, do curso de Farmácia da Ufal, conta que participar do projeto de pesquisa fez com que ela enxergasse novas possibilidades em sua área de atuação, como seguir a vida acadêmica após a conclusão do curso.

“O projeto me deu a possibilidade de aplicar o que aprendi em sala e melhorar a vida das pessoas. Um dos dados da pesquisa que me chamou a atenção é que tem um número considerável de voluntários que fazia a terapia, mas, mesmo assim, estava com a carga viral ativa. Isso evidencia pontos de falta de adesão da terapia medicamentosa. E essa é uma área que o farmacêutico deve atuar”, disse a estudante Natália Santos.

Para Beatriz Marques, estudante de Fisioterapia da Uncisal, o projeto pode impactar diretamente sua área de atuação. “Acredito que a Fisioterapia precisa ser mais reconhecida nesse meio de reabilitação. Nos centros em que colhemos os dados, o fisioterapeuta não tem contribuído de forma direta. Mas, a partir dessa pesquisa, que é coordenada por uma fisioterapeuta, percebemos que esses parâmetros devem ser considerados na reabilitação. E, se necessário, esses pacientes precisam ser encaminhados para reabilitação”, concluiu.

Dados estratificados

Os dados estratificados da pesquisa revelam que as mulheres e os idosos com HIV apresentam maior suscetibilidade à síndrome metabólica. O levantamento mostra ainda que, independentemente do gênero e da idade, os pacientes com HIV apresentam prevalência de HDL baixo. Para o levantamento, foram entrevistadas aproximadamente 400 pessoas.

Os resultados parciais foram apresentados no Congresso de Geriatria e Gerontologia, no que diz respeito à população idosa; no Seminário Internacional de Atividade Física; e no Congresso Internacional de Fisioterapia Cardiovascular.