Professor do Campus Arapiraca da Ufal desenvolve pesquisa na Antártica

Alysson Duarte coletou amostras ambientais entre novembro e dezembro do ano passado
Por Lenilda Luna - jornalista
20/01/2023 10h31 - Atualizado em 23/01/2023 às 13h51
Alysson Duarte, com o profesor Paulo Camara (UnB) e o subchefe da EACF Velazques

Alysson Duarte, com o profesor Paulo Camara (UnB) e o subchefe da EACF Velazques

Muitas ações da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) têm alcance nacional e internacional, com pesquisadores participando de grupos de pesquisa e intercâmbios em várias partes do mundo. Um bom exemplo disso é Alysson Wagner Fernandes Duarte, biólogo e professor do Campus Arapiraca. Por conta de seu estudo sobre micro-organismos na Antártica, já participou de três expedições. A terceira foi recentemente, em um período de dois meses no continente gelado. 

Durante novembro e dezembro de 2022, o pesquisador coletou amostras ambientais de solos, liquens e vegetação, para o isolamento de micro-organismos. “Esse material é utilizado para avaliação do potencial de aplicação biotecnológica na área da saúde humana e no setor agrícola”, explicou Alysson, docente e orientador de mestrado pelos Programas de Pós-graduação em Ciências Médicas, da Faculdade de Medicina, e Agricultura e Meio Ambiente, do Campus Arapiraca. 

O professor integrou a Expedição de 2022/2023, chamada de Operantar XLI. “O que fazemos durante a expedição é essencialmente coletar amostras ambientais, trazê-las congeladas ao Brasil e fazer o processamento das amostras na Ufal. Nessa pesquisa que desenvolvemos aqui no Campus Arapiraca interagimos com pesquisadores de diferentes universidades do Brasil, como a UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], Unicamp [Universidade de Campinas], UnB [Universidade de Brasília], Unila [Universidade Federal da Integração Latino-Americana], Unipampa [Universidade Federal do Pampa], USP, UFS [Universidade Federal de Sergipe], além das parcerias com os pesquisadores da Ufal”, relatou o docente. 

O início

Alysson é egresso da Ufal, na graduação e no mestrado. “Fiz Ciências Biológicas (2007), orientado pela Ana Cristina de Lima Normande, da Fanut [Faculdade de Nutrição], e depois mestrado no programa de Pós-Graduação em Nutrição, orientado por Ana Maria Queijeiro López, do IQB [Instituto e Química e Biotecnologia]. Pesquisava microbiologia de produtos apícolas, principalmente mel de abelhas nativas e africanizadas. Ao final do mestrado estava analisando onde faria doutorado e fui a um Congresso de Ciência de Alimentos na Unicamp. Visitei alguns laboratórios e, dentre eles, o da pesquisadora Lara Durães Sette, que estava iniciando as pesquisas com a Antártica e me apresentou essa possibilidade”, narrou o professor.

Ele participou da seleção do doutorado em 2010, pelo Programa de Pós-graduação em Biotecnologia da USP. “Comecei os trabalhos com a Antártica, orientado pela professora Lara e, desde então, continuo pesquisando micro-organismos daquele continente. Em 2013 fui pela primeira vez à Antártica, ainda durante o doutorado. Em 2016 ingressei na Ufal, Campus Arapiraca, como docente do curso de Medicina. Como docente, já fui em duas expedições, em 2017 e agora essa última, no final de 2022”, pontuou Alysson.

Programa Antártico Brasileiro 

A Antártica é a região mais fria da Terra. O continente é descrito no site do Programa Antártico Brasileiro como “o continente dos superlativos: o mais alto, o mais ventoso, o mais frio, o mais seco e o mais inóspito”. O Programa tem 41 anos e é coordenado pela Marinha do Brasil, Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e CNPq, com participação de várias universidades brasileiras. “A Ufal é uma colaboradora do projeto MycoAntar, que estuda a micologia Antártica, coordenado pelo pesquisador Luiz Henrique Rosa, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)”, completou o Alysson. 

Essa parceria, que o professor Alysson estabeleceu ainda durante o doutorado,  já está rendendo mais frutos na formação científica dos pesquisadores da Ufal. “A minha primeira aluna de Iniciação Científica (Pibic), aqui no Campus Arapiraca, Mayanne Karla da Silva, está finalizando o mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Microbiologia pela UFMG. Sou coorientador do trabalho dela. Ela acabou indo para Belo Horizonte e continuamos os trabalhos em parceria”, relatou o docente. 

Rotina de trabalho 

Alysson narrou um pouco do roteiro e rotina de trabalho no Continente. “A ida à Antártica começa com a saída de avião da Força Aérea (KC390) do Rio de Janeiro até Pelotas (RS), onde pegamos as roupas específicas que iríamos usar na Antártica. De Pelotas, pegamos um novo voo no mesmo avião da FAB até a cidade de Punta Arenas, Chile e de lá partimos para a Antártica de navio. A Marinha do Brasil possui dois navios polares que dão apoio à pesquisa científica, os navios Ary Rongel e Almirante Maximiano”, contou ele. 

Depois de embarcados, ainda é preciso esperar as melhores condições para atravessar o estreito de Drake, situado entre a extremidade sul da América do Sul e a Antártica. “A chamada janela do Drake é a melhor previsão das condições de navegação para seguirmos viagem, porque nessa expedição atravessamos uma das regiões mais críticas de navegação do mundo, numa região de encontro dos oceanos Pacífico e Atlântico. Haja dramin para seguir viagem embarcado (risos)”, narrou Alysson sobre a aventura da viagem. 

A viagem de ida não foi fácil. “Pegamos um Drake mais difícil, o navio batia um pouco e precisava ficar mais recolhido. Se as condições de tempo são boas, a travessia de navio dura entre 4 a 5 dias.

Depois disso, chegamos à Antártica, abaixo do paralelo de 60ºS. Fiquei na Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), fazendo as coletas na ilha Rei George”, detalhou Alysson.

A nova Estação Antártica Brasileira, inaugurada em 2020, é a 3ª maior estação científica do mundo na Antártica e possui uma infraestrutura de referência. “A estação tem uma capacidade de geração de energia renovável e uma estrutura de excelência. Fiquei feliz em ter visto essa nova estação. Quando estive lá, em 2017, a equipe chinesa estava construindo a estação. Vê-la pronta, do jeito como ficou, é muito animador!”, comemorou o pesquisador. 

A importância científica para a Ufal 

Alysson Duarte destaca os resultados desse esforço para o desenvolvimento da pesquisa na Ufal. “Como dizemos, a Antártica é um laboratório natural devido às condições ambientais extremas. Tem características limitantes para a sobrevivência de todas as formas de vida, com as menores temperaturas da Terra, além de extremos de radiação ultravioleta UV-A, UV-B, ciclos de congelamento e degelo e estresse hídrico. Então, microorganismos que sobrevivem naquele continente precisam se adaptar a estas condições adversas e podem assim produzir compostos com novas propriedades e aplicações”, ressaltou o pesquisador. 

A pesquisa da microbiologia Antártica faz um estudo similar com a Caatinga de Alagoas. “Apesar de distantes, são ambientes com características similares como o estresse hídrico, a Antártica sendo um deserto frio e a Caatinga um deserto quente. Os dois últimos editais de pesquisa que aprovamos, no CNPq e Fapeal, foram com essa perspectiva, a de aproximar esses ambientes distantes através da avaliação do potencial biotecnológico dos microrganismos isolados deles”, explicou Alysson. 

O estudo se volta para a produção de enzimas por leveduras de líquens da Antártica. “Temos trabalhado com produção de enzimas, pigmentos, aplicação agrícola e atividade contra Leishmania,  em parceria com as professoras Magna Moreira e Aline C. de Queiroz, dos campi da Ufal em Maceió e Arapiraca, respectivamente. As principais linhas de frente do que temos pesquisado nos micro-organismos da Antártica são: prospecção de enzimas, produção e avaliação de pigmentos microbianos e aplicação agrícola”, informou Alysson.

As pesquisas envolvem alunos de doutorado, mestrado e iniciação científica dos programas Pibic e Pibiti. “Destaco também que as possibilidades de pesquisa na Antártica são variadas e os micro-organismos representam novas fontes de recursos biológicos para diferentes usos pelo ser humano, seja no campo da saúde, seja no setor agrícola. Por fim, estudar a Antártica é importante para alertamos para a preservação do ambiente, visando conscientizar a população da riqueza biológica que existe naquele continente”, finalizou o professor. 

Resumo das pesquisas 

Prospecção de enzimas. Um estudo publicado em 2022, na edição especial de tema Antártico nos Anais da Academia Brasileira de Ciências. “Reportamos diferentes espécies de leveduras com versatilidade na produção de proteases, amilases, pectinases. Essas enzimas podem ser utilizadas na indústria de alimentos, produção de fármacos, combustíveis, dentre outros. As proteases, por exemplo, buscamos enzimas que tenham atividade fibrinolítica e que possam ser aplicadas na saúde humana, como no tratamento de trombose. Além disso, temos pesquisado a produção de L-asparaginase por fungos da Antártica e a principal aplicação dessa enzima é a aplicação no tratamento da Leucemia Linfoblástica Aguda”  – Clique aqui

Na produção e avaliação de pigmentos microbianos, a perspectiva é que como um dos fatores de estresse no polo Sul é o excesso de luz UV, alguns microrganismos produzem pigmentos como uma resposta adaptativa a esta condição, além da resposta ao frio daquele ambiente. “Publicamos, em 2021, um artigo em uma conceituada revista na área Biotecnologia, a Critical Review in Biotechnology onde reportamos os pigmentos bacterianos por isolados da Antártica e destacamos isolados vermelhos resistentes a altas doses de UV-C. Isto é importante porque podemos produzir e extrair esses pigmentos, por exemplo, e utilizar para aplicações cosméticas.

O setor de cosmético tem buscado substituir os corantes sintéticos por corantes naturais, os pigmentos microbianos podem ser uma alternativa à redução dos compostos sintéticos. E também estamos estudando se estes pigmentos têm atividade antimicrobiana, antioxidante ou contra a Leishmania. Este último em colaboração com as professoras Magna e Aline, que são referência na busca de fármacos com atividade leishmanicida” - Clique aqui

Visando uma aplicação agrícola. “Temos analisado se fungos e bactérias da Antártica podem ser utilizados como bio-inoculantes solubilizadores de fosfato inorgânico. O fósforo solúvel é uma das necessidades do setor agrícola, mas não basta apenas o produtor adicionar o adubo químico (fósforo) aos solos, porque a maior parte dele ficará inacessível às plantas. Os micro-organismos solubilizadores de fosfato é que fazem a solubilização deste elemento químico para a raiz da planta e vimos que tanto as bactérias quanto as leveduras da Antártica apresentam uma boa atividade de solubilização de fosfato.

Estes estudos foram desenvolvidos em parceria com o pesquisador Adeildo Júnior de Oliveira, do Campus Arapiraca”  – Clique aqui e aqui para conhecer mais sobre as pesquisas. 

Projetos em andamento: 

  1. Edital Universal CNPq (433388/2018-8): Antártica e Caatinga: Diversidade Microbiana

e Bioprospecção de Enzimas e Pigmentos (coordenador)

  1. Edital Fapeal 02/2022: Aplicação Agrícola e na Saúde Humana de Fungos Isolados do semiárido Alagoano e do Continente Antártico (coordenador)
  2. Edital CNPq (442258/2018-6): Micologia Antártica II: Catálogo de fungos da Antártica para estudos de sistemática, dispersão e conexões com a América do Sul e bioprospecção de substâncias para uso na medicina, indústria e agricultura”, coordenado pelo professor Luiz Henrique Rosa, da UFMG. 

Conheça mais sobre o Programa Antártico Brasileiro