Pesquisa na Pedra Talhada investiga patógeno letal em anfíbios

Vídeo sobre esse trabalho foi premiado em 1º lugar no Simpósio de Conservação de Anfíbios Brasileiros
Por Lenilda Luna - jornalista
02/02/2022 09h06 - Atualizado em 02/02/2022 às 13h02

Matheus Eduardo Ramos é estudante de licenciatura em Ciências Biológicas na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Ele atua no Laboratório de Biologia Integrativa, do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS), coordenado pela professora Tamí Mott, doutora em Biologia Integrativa pela Universidade da Califórnia, Berkeley (EUA). “Estou no laboratório desde o início de 2019 e desenvolvo pesquisas tanto investigando morfologia e genética de anfíbios e répteis, quanto em campo, onde estudo principalmente um patógeno que infecta anfíbios”, informa o estudante. 

A pesquisa de campo ocorreu na Reserva Biológica de Pedra Talhada, um importante fragmento de Mata Atlântica, que se localiza entre os municípios de Quebrangulo e Chã Preta, em Alagoas, e Lagoa do Ouro, em Pernambuco. “Nosso objetivo foi investigar um patógeno que tem sido letal para algumas espécies de anfíbios, um fungo chamado Batrachochytrium dendrobatidis, ou apenas Bd. Esse fungo vem causando uma pandemia de uma doença chamada quitridiomicose, que acomete os sapos há décadas”, explica Matheus. 

Matheus relata que os anfíbios possuem características únicas, e a principal delas é a sua pele nua, bastante permeável utilizada para a respiração cutânea. ”O fungo infecta justamente a pele de um anfíbio adulto, para consumir a queratina contida nela, comprometendo diversos processos fisiológicos do indivíduo, podendo causar a morte do anfíbio por parada cardíaca”, destaca o estudante. 

O grupo de pesquisa conta com a participação de membros do laboratório e colaboradores, desde 2019. “Além de mim, temos Aline Melo, Ubiratan Gonçalves, Marcos Dubeux, Isaelly Martins, João Pedro Oliveira, que participaram das expedições à Pedra Talhada, sob orientação da professora Tamí. Contamos ainda com a colaboração do professor Luís Felipe Toledo e sua equipe, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para analisar molecularmente a infecção e prevalência do Bd nos anfíbios da Rebio Pedra Talhada”, relaciona Matheus. 

Trabalho de campo em Pedra Talhada

Matheus Ramos conta que o trabalho de campo é noturno e consiste em procurar ativamente por sapos nos corpos d’água. “Nós coletamos em média cem indivíduos por lago ou açude e tomamos todas as medidas de biossegurança para evitar a disseminação do fungo. Cada animal é capturado e posto em um saco plástico individual. Realizamos um swab com cotonete, como nos testes de Covid-19, na pele de cada sapo e armazenamos essas amostras em tubos de plástico individualmente”, relata o estudante. 

Após esse procedimento, os sapos são devolvidos. “Nós liberamos os indivíduos no mesmo local onde foram coletados. As amostras são enviadas à Unicamp para análise em laboratório, para verificar se o fungo Bd está presente e a quantidade dele, medido em zoósporos, equivalentes em cada amostra, através do método de PCRq. Infelizmente, o fungo já foi identificado em algumas espécies da Rebio Pedra Talhada, mas a boa notícia é que foi em número reduzido de sapos. Dos mais de 600 indivíduos analisados até então, apenas 18 foram detectados com o fungo. Por outro lado, a intensidade do Bd em alguns desses indivíduos foi bastante alta”, informa Matheus. 

Importância de preservar os sapos 

Matheus explica que estudar esse patógeno é de extrema importância para entender como os anfíbios estão convivendo com o fungo. “Saber quais espécies são mais impactadas e entender a dinâmica de infecção do Bd, que varia de localidade para localidade, é muito relevante, pois diversos fatores, como o fungo e a perda de habitat por desmatamento, são alguns dos responsáveis pela drástica redução populacional e extinções massivas de sapos ao redor do mundo inteiro”, alerta ele. 

O estudante destaca que os anfíbios são considerados atualmente o grupo de vertebrados mais ameaçado de extinção. “Essa perda é muito grave, pois esses animais são importantíssimos para a cadeia alimentar, pois eles servem de alimento para diversos predadores, além de eles mesmos serem predadores de diversos grupos, principalmente invertebrados, o que faz deles controladores naturais de insetos que costumam invadir nossas casas”, ressalta Matheus. 

A premiação 

O resumo do trabalho foi submetido ao Anfíbio em Foco (ANFoCO), 3º: Simpósio de Conservação de Anfíbios Brasileiros. O evento foi organizado pelo Grupo de Especialistas em Anfíbios do Brasil (ASG Brasil), vinculado à União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). “O simpósio e a apresentação ocorreram entre 30 de novembro e 2 de dezembro de 2021. As apresentações foram em vídeos curtos de divulgação científica, em formato livre”, relata Matheus. 

O vídeo premiado usou uma linguagem muito popular entre os jovens atualmente. “Tive a ideia de fazer um vídeo, no formato da rede social TikTok, falando sobre a pesquisa de uma forma acessível para que qualquer pessoa pudesse entender. E a surpresa veio justamente no dia da premiação: o meu vídeo foi o mais inovador e classificado em primeiro lugar, como melhor vídeo de divulgação científica”, comemorou o estudante. 

Apesar de ser uma rede social bem conhecida, Matheus não estava familiarizado com ela, foi um desafio. “Foi muito gratificante para mim, pois nunca havia feito um vídeo de divulgação científica para a internet, e nem mesmo utilizado TikTok antes. Não tinha certeza se levava jeito para tal coisa, e quando me anunciaram como vencedor me chamaram até de Tiktoker! Isso me deixou bastante animado para produzir mais material de divulgação científica desse tipo”, disse Matheus. 

O estudante destaca que o papel da divulgação científica é imprescindível e tem que ser em linguagem acessível ao público em geral. “Não basta apenas produzir Ciência, temos que divulgá-la e democratizá-la, principalmente no momento atual em que a ciência se faz tão necessária, e utilizar das mais diversas ferramentas para facilitar essa transposição didática, como por exemplo, o viral Tiktok e o Instagram, que são estratégias que podem ter um grande alcance”, propõe Matheus. 

O vídeo produzido por Matheus Ramos é intitulado Anurofauna em uma Unidade de Conservação no nordeste do Brasil infectada por quitrídio,  tem 2 minutos de duração e pode ser conferido no perfil dele no Instagram. “Sou muito grato à Universidade Federal de Alagoas, aos meus colegas de laboratório e à minha orientadora pela oportunidade de fazer parte de uma pesquisa dessa importância e magnitude, e poder contribuir para a ciência em nosso país”, finaliza o estudante.