Artigo sobre experiência na Ufal conquista 1º lugar em evento nacional

Premiação foi na Categoria Melhor Artigo Científico e concorreu com 71 trabalhos inscritos na disputa nacional
Por Diana Monteiro - Jornalista
29/12/2022 11h26 - Atualizado em 06/01/2023 às 13h22

O artigo Indisciplina Epistemológica: viradas metodológicas para o campo da Arquitetura e Urbanismo recebeu premiação máxima dentre os 71 trabalhos inscritos na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (Anparq), com divulgação do resultado, no Encontro Nacional deste ano.

O trabalho concorreu na etapa final com 16 artigos e foi premiado nacionalmente na categoria de Melhor Artigo Científico.

 O artigo é fruto da experiência metodológica na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), da disciplina Introdução ao Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo, que passou a ser ofertada a partir de 2019, com o Novo Projeto Pedagógico (PPC) da graduação da instituição alagoana. A disciplina é ministrada pela professora Diana Helene Ramos, do corpo docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), unidade acadêmica do Campus A.C. Simões.

Além de destacar a Ufal no cenário nacional, a premiação reforça o compromisso da instituição alagoana com a formação acadêmica qualificada em diferentes níveis. “O artigo consiste numa crítica às formas hegemônicas de produção de conhecimento na Arquitetura e no Urbanismo e, sobretudo, a falta de consideração aos temas relacionados às problemáticas de gênero e raciais e a epistemologia feminista. Daí a importância de receber um prêmio no seio da academia fazendo uma crítica a ela mesma”, disse a pesquisadora Diana Helene, doutora em território e gênero, com estudos aprofundados em dois pós-doutorados.

O artigo tem também a autoria da professora Rossana Brandão Tavares, da Universidade Federal Fluminense (UFF), doutora em Urbanismo, que tem diversos trabalhos sobre feminismo em parceria com a pesquisadora da Ufal. Segundo Helene, o mais expressivo deles sobre o tema é um blog, criado por elas, em 2013, ainda em atividade. As duas se conheceram  durante o doutorado sanduíche que fizeram  na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na École des Hautes Étudies em Scienses Sociales (EHESS) de Paris.

Sobre a parceria para elaboração do trabalho premiado, Diana Helene enfatiza: “O artigo parte da nossa experiência de trabalho, minha e da minha colega Rossana Tavares, da UFF, na academia a partir de uma crítica às formas conservadoras de ensino e pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Nele, também conto minha experiência didática na disciplina Introdução ao Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo, fruto do inovador e novo PPC da FAU da Universidade Federal de Alagoas”.

E aproveita para reforçar: “A premiação representa as possibilidades de experimentação de novas formas de ensino de prática de sala de aula dadas pelo novo projeto pedagógico. Possibilitaram criar um espaço criativo e experimental de novas formas de construir métodos de ensino em sala de aula, como por exemplo, as ‘comunidades de aprendizagem’ que criamos em sala de aula [nos termos de bell hooks, 2020]”.

O artigo premiado está publicado n Revista Interdisciplinar Outros Mundos: novas subjetividades, novos métodos (volume 7, número 2, 2021) da Anparq e pode ser conferido neste site.

Sobre o evento realizado pela Anparq, que premiou o trabalho como Melhor Artigo Científico, acesse aqui.

Relevância e desafios

A também autora Rossana Tavares destaca a relevância da premiação afirmando que é o reconhecimento de um trabalho que tem sido realizado por ela e pela sua colega que envolve uma disputa de sentido e estrutural no campo da arquitetura e urbanismo. “São muitas camadas que se entrelaçam, pois nos sentimos prestigiadas, inicialmente, pelo artigo ter sido aceito para publicação na Revista Indisciplinar e, agora, com este prêmio. Isso porque o debate epistemológico sendo realizado a partir dos estudos feministas e da experiência de duas pesquisadoras que se revelam explicitamente feministas na academia não é algo fácil de ser prestigiado e reconhecido por grande parte dos nossos pares, infelizmente”, destacou. 

Rossana aproveita para acrescentar: “Ainda é encarado como uma perspectiva específica, uma ‘coisa de mulher’ como de menor relevância. Nós defendemos essa abordagem num lugar importante de proposição estrutural de caminhos teóricos e metodológicos, por essa razão vimos a necessidade de escrever um artigo sobre como a teoria feminista e nossas experiências contribuem para repensarmos nosso campo epistemológico, ainda eurocentrado, patriarcal e racista”.

Ressignificação

A importância da premiação para a UFF, onde leciona, também é destacada por Rosana porque permite dar visibilidade ao trabalho que vem realizando nas disciplinas obrigatórias e optativas, também nas parcerias com outros professores.  “São brechas que vamos encontrando para resignificarmos cadeiras como de Métodos de Pesquisa que, num primeiro momento, se propõe a ser bastante instrumental, a fim de favorecer o conhecimento e o exercício de ferramentas de investigação. Levantar questões sobre o método e a metodologia, e a necessária indisciplina que evocamos no artigo, para desconstruirmos perspectivas cartesianas e tradicionais de pesquisa, demanda reflexão, consideração da realidade e experiência dos estudantes, docentes, do conhecimento existente e o por vir”, reforçou.

E acrescenta: “Para essa indisciplina, é preciso bastante disciplina e vontade de transformar não só o modo de produção do conhecimento, mas a nossa realidade. Essa premiação mostra que faz sentido esse trabalho. A nossa proposta é que precisamos, cada vez mais, dar visibilidade a esse trabalho para o compartilhamento de experiências e instigar outras tantas sobre tudo no modo como temos não só pensado, mas praticado nossos currículos nos cursos de Arquitetura e Urbanismo”.

Disse que deu a ideia à colega de enviar o artigo para concorrer à premiação, mas com a pretensão de que fosse lido. “Surpreendeu-nos muito a premiação e estamos agradecidas e com o sentimento de ‘missão cumprida’. Mas os desafios e compromissos com a produção do conhecimento crítico e situado como professoras e pesquisadoras se mantêm”, relatou.

Experiência exitosa e premiada

A metodologia foi trabalhada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufal,  experienciando a implementação do novo PPC, cuja disciplina estava sendo montada pela primeira vez, para o 2º período, com o objetivo de introduzir o projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo. A professora Diana relata que a disciplina tinha como base uma área estudada no período anterior, em uma disciplina de extensão universitária voltada para uma introdução preliminar sobre temas complexos em relação ao território, chamada Identidade, Cultura e Desenvolvimento, com abordagem interseccional em sua ementa de curso. 

Sobre a dinâmica da atividade, a professora Diana enfatiza que, a partir do resgate dessa primeira compreensão do território, realizada pelos estudantes numa escala de PUR [uma análise ampliada dos compartimentos de paisagem do território estudado]. Nesta nova fase, eles deveriam delimitar coletivamente, no local, uma área prioritária de intervenção, com 20 hectares. Nessa poligonal, os alunos deveriam realizar um plano simplificado de intervenções: um “mapa de ações”. 

A partir dessas ideias, os estudantes tinham que executar de duas a três experiências projetuais, contidas no mapa de ações: a realização de um PU (Projeto Urbanístico) de espaço livre público de um PA (Projeto Arquitetônico); de um espaço edificado lindeiro [espaço vizinho, colado um ao outro] a este último; e de uma arquitetura efêmera a ser instalada no espaço livre projetado. 

Projetos 

A professora Diana destaca que, em uma das experiências, os estudantes criaram projetos para seis compartimentos de paisagem diferentes ao longo da linha de trem (VLT) da região metropolitana de Maceió, passando por três cidades diferentes, atravessando paisagens bastante diversas, desde o denso centro da cidade, áreas de mercado popular, bairros operários e áreas rurais. 

“Devido à pluralidade territorial, diversos projetos surgiram: habitacionais, institucionais, comerciais, fabris, de produção, transporte, lazer e turismo. As possibilidades de experimentação e de aprendizado múltiplo se somaram e se tornaram a demonstração das diversas possibilidades de atuação do nosso campo e as relações intrínsecas desses equipamentos entre si e com o território que estão ancorados”, revelou a docente da Ufal. 

Ela acrescenta que a experiência proporcionou a criação de diversas estruturas inovadoras, como Habitação de Interesse Social (HIS) para pescadores em palafitas, passarelas ecológicas, mercados pesqueiros flutuantes, cooperativas sociais de trabalho, hortas ecológicas, banheiros públicos sem separação por gênero, estações de bicicleta de bambu, entre outras. 

“Surgiram tanto propostas de programa de necessidades em Arquitetura e Urbanismo não usuais, como a valorização e experimentação de projetos com o uso de variadas técnicas construtivas contra hegemônicas e decoloniais, como terra, bambu, materiais advindos da reciclagem de refugos da pesca, dentre outras”, destacou Diana sobre o êxito obtido na disciplina que ministra e que proporciona avanços nos respectivos campos de aprendizado e de atuação profissional”, comemorou a pesquisadora sobre a exitosa experiência que resultou em um artigo científico, premiado nacionalmente.