Artigo aborda superexposição da covid-19 nos meios de comunicação

Professor de Jornalismo assina publicação que também aponta crise política durante pandemia
Por Thâmara Gonzaga – jornalista
10/07/2020 14h10 - Atualizado em 13/07/2020 às 08h59

A cobertura jornalística sobre a covid-19 e o atravessamento da crise política no Governo Federal deflagrada durante a pandemia no noticiário, é tema de um artigo de autoria do professor Marcelo Robalinho, do curso de Jornalismo da Ufal. Tendo como referência as publicações do jornal Folha de São Paulo, em suas versões impressa e digital, o docente analisa como a imprensa vem tratando o assunto.

Na publicação, o docente afirma que houve uma “superexposição” do tema novo coronavírus nos veículos de comunicação. Em entrevista à Assessoria de Comunicação da Ufal, ele diz que isso não deve ser visto de forma negativa, mas como um serviço da imprensa à sociedade. “Esse papel tem sido destacado inclusive pela OMS [Organização Mundial de Saúde] e vários governos e cientistas dentro e fora do país. A imprensa está 'junto' buscando entender e publicizar os fatos, até porque ela mesmo está sendo afetada pela pandemia e tomou para si certo protagonismo no processo de divulgação como o principal mediador entre o que acontece e o público, algo que foi sendo afetado com a crise vivenciada no Jornalismo”, afirma.

O pesquisador ressalta que nesse momento de pandemia, com pessoas buscando informações sobre a doença, o jornalismo profissional assumiu uma função de destaque. E isso ocorre, lembra ele, diante de um momento difícil pelo qual passa a profissão, marcado por um processo de desconstrução da relevância social do trabalho do jornalista e dos veículos de comunicação como mediadores dos fatos.

Robalinho justifica que, com todo o noticiário sendo focado na covid-19, os jornalistas e editores foram incitados a tratar de questões relacionadas a essa doença, à saúde pública, ciência e questões correlatas de economia e política associadas à crise sanitária, numa espécie de “capacitação” forjada nas práticas de redação. Ele defende que, de modo geral, a cobertura tem chamado atenção pela relevância e importância na divulgação sobre a covid-19, com os meios de comunicação mostrando-se atentos à pandemia e auxiliando de forma importante no dever de informar.

“Vejo com otimismo este momento não só para a ciência, que vem buscando também ocupar protagonismo no debate e na construção de conhecimento sobre a doença, como também para o jornalismo. É justamente na crise que se tem a chance de criar alternativas criativas e, ao mesmo tempo, propor uma leitura crítica, caso do jornalismo independente, porque há uma necessidade premente de respostas que deem conta do problema vivido, ainda mais sendo a pandemia de uma doença até pouco tempo desconhecida”, acredita.

Para o público em geral, em relação à superexposição do tema covid-19, a avaliação do pesquisador segue a diretriz da OMS, ou seja, de se evitar a busca constante por informações. “Nunca se falou tanto de uma doença na mídia. Atualmente, a Organização Mundial de Saúde já orienta as pessoas a elegerem momentos específicos do dia para se informar sobre o assunto, não ficando todo o dia acessando os meios de comunicação para ler notícias. Essa recomendação tem a ver com o contexto das fake news, outro problema sério que estamos vivendo na pandemia”, afirma.

Crise política em meio à pandemia

Em seu artigo, o professor de Jornalismo também analisa que, durante o período em que o novo coronavírus avançava pelo país de forma ainda mais grave, a crise política tomava o lugar de destaque nas publicações jornalísticas.

“É uma situação atípica e bem particular do Brasil. Que eu saiba nenhum outro país do mundo vivenciou uma crise política, muito menos dessa dimensão em meio à pandemia, justamente num momento em que os governos deveriam estar unidos no combate à crise sanitária, com a União devendo ter protagonismo neste processo. O que vimos foi justamente o contrário”, afirma.

Robalinho argumenta que diversas disputas foram travadas na cena midiática e o governo federal acabou perdendo o momento de trazer a responsabilidade para si e transmitir segurança à população.

Experiência em cobertura jornalística sobre saúde

Trabalhando em pesquisas sobre cobertura de doenças desde 2006, Marcelo Robalinho tem o Jornalismo e a epidemiologia como duas áreas de interesse em seus estudos desde o mestrado.

Com experiência na área da comunicação e saúde, além de trabalhos anteriores sobre o papel da mídia na cobertura de outras doenças (tais como a dengue, a febre amarela, a gripe A-H1N1, o HIV/aids, o câncer e a depressão), o autor define que a proposta de seu recente artigo era fazer uma análise da conjuntura sobre a atuação da imprensa diante do novo coronavírus.

“Tenho interesse pelas noções de doenças construídas pelo campo jornalístico e a mídia de maneira geral, considerando que não existe uma noção única a tratar de doença, e sim noções, já que cada moléstia tem características bem peculiares”, esclarece.

Para avaliar a superexposição do assunto covid-19 nos jornais, o pesquisador fez uso de um instrumento de monitoramento de cobertura da mídia que denominou de "diagrama midialógico”. “Criado no mestrado, quando analisei a cobertura da imprensa sobre a dengue, esse instrumento ajuda a analisar a evolução da cobertura jornalística em paralelo à evolução dos registros epidemiológicos. Para isso, relacionei o quantitativo de publicações com o acumulado de casos confirmados”, explica.

Ele conta que escolheu a Folha de São Paulo para sua análise por ser o jornal brasileiro de maior circulação na atualidade e um dos mais importantes no país. “Por isso, seria um bom 'termômetro' para entender o comportamento da imprensa”, diz o autor. Ele cita que foram 13.404 textos jornalísticos tratando da covid-19 na Folha como assunto principal ou secundário nos primeiros cinco meses de 2020 (de janeiro a maio).

“Um volume imenso a ser tratado. Embora não tenha analisado 'oficialmente' outros veículos, verifiquei a cobertura em outros jornais, como o Le Monde [França], o Jornal do Comercio [Pernambuco] e a própria TV Globo e percebi algo parecido, ou seja, uma produção bem extensa a respeito”, aponta.

Onde encontrar o artigo

Com o título Saúde e política na crise da covid-19: apontamentos sobre a pandemia na imprensa brasileira, o artigo do docente da Ufal foi publicado na sessão Notas de Conjuntura, da Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde (Reciis). Para conferir, acesse o link.

A publicação é editada pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), ligado à Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro (Fiocruz). O professor da Ufal foi convidado pelos editores para escrever um paper analisando o contexto da atual pandemia.