Impacto da pandemia na vida das pessoas é tema de pesquisa no ICHCA

Comunidade universitária, movimentos sindicais, sociais e religiosos são convidados a participar
Por Lenilda Luna - jornalista
05/06/2020 14h25 - Atualizado em 05/06/2020 às 16h12

No início de março, a vida dos brasileiros e brasileiras mudou radicalmente. As notícias de um vírus de rápida propagação e alta letalidade, que parou a Europa, começaram a se tornar realidade no nosso país também. O distanciamento social foi recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como forma de conter a disseminação do covid 19. Os governos estaduais estabeleceram decretos para regulamentar o funcionamento dos serviços essenciais.

Os números de contaminados foram aumentando exponencialmente e passaram a ter rosto, nome, história. Nenhum pesquisador vai passar imune por um período de tanta dramaticidade e que vai requerer muitas avaliações e estudos. Nesse sentido, entre as várias iniciativas surgidas na Ufal, em todas as áreas de conhecimento, destacamos agora o compromisso dos historiadores em registrar e refletir sobre esses acontecimentos.

O projeto Vozes da Pandemia é uma ação dos cursos de graduação e pós-Graduação em História da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), realizado pelo Centro de Pesquisa e Documentação Histórica (CPDHis). “Temos a pretensão de documentar e produzir fontes para pesquisas futuras sobre a pandemia da covid-19 e seus impactos em diversos setores da sociedade alagoana”, explica o professor Anderson Almeida, do curso de História.

Segundo Anderson, o projeto surgiu a partir de conversas de professores e professoras, em articulação com os grupos de Pesquisa e com o apoio do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte (ICHCA). São pesquisadores que buscaram formas alternativas de continuarem os trabalhos coletivos que fazem parte da rotina da vida acadêmica. “A esperança das pessoas que se envolveram no projeto também é romper com esse angustiante isolamento e distanciamento social”, revela o professor.

O grupo espera coletar relatos que contribuam no sentido mapear vários dados que envolvem: renda familiar, gênero, raça/etnia, pertença religiosa, profissão e moradia. “As perguntas principais são bem abertas para o que o autor ou autora do relato expresse de maneira livre sua experiência. A questão geradora é "Como a Pandemia da Covid-19 afetou sua vida e de sua família?", orienta o pesquisador.

Anderson explica também que, como característica de um Projeto de Extensão, inicialmente está voltado para estudantes, professores, técnicos, gestores e terceirizados da Ufal, inclusive aqueles que atuam no Hospital Universitário Professor Alberto Nunes (HU). “Mas ampliamos para os professores da educação básica da cidade de Maceió, movimentos sociais e sindicatos. Há, ainda, uma parceria com o Arquivo da Cúria Metropolitana, de Maceió (ACMM), através de professora Irinéia Santos, visando agregar ao projeto cidadãos e cidadãs de diversas comunidades e pertenças religiosas de Alagoas”, relata o professor.

Apresentação dos relatos

O professor Anderson Almeida explica que o autor ou autora do relato tem a opção de ter ou não seu nome divulgado. “Nesse sentido, apresentamos as opções nome, nome social ou codinome. Em curto prazo (2020-2021), o Projeto prevê como apresentação de resultados a publicação de E-book contendo uma série de relatos separados por segmentos investigados. Em médio e longo prazo, a construção, organização e disponibilização de um Acervo de História Oral visando futuras pesquisas, tanto no nível de graduação, quanto de pós-Graduação nas diversas áreas do conhecimento”, destaca o coordenador.

Apesar de estarmos ainda vivendo a pandemia, ou seja, vivenciando essa realidade, os pesquisadores destacam que já é possível ter uma perspectiva histórica dela. “A história é a disciplina que estuda as sociedades nas três dimensões do tempo, ou seja, as ideias de passado, presente e futuro em cada época. Nesse sentido, já temos um campo chamado de História do Tempo Presente que, de forma muito resumida, pode ser caracterizada como história com pessoas vivas”, explica Anderson.

O pesquisador detalha ainda que esse trabalho envolve testemunhos, entrevistas e diversos suportes memoriais e o cruzamento com outras fontes: jornais, relatórios governamentais e documentos oficiais. “Mais especificamente sobre a Pandemia, inevitavelmente, teremos uma geração (ou várias) marcada por esse acontecimento. Tudo interessa à História. Por exemplo, quem nega a existência ou os impactos da Pandemia na sociedade? Por que nega?”, destaca Anderson.

Ele fala ainda da importância dos conceitos de ‘mentalidades’, ‘imaginário’ e ‘ideologia’. “Qual o sistema de valores que leva ao negacionismo? Temos também a análise histórica do conceito de ‘vítima’, que não pode ser vulgarizado, visto que há pessoas que decidiram conscientemente não cumprir o isolamento. As decisões políticas tomadas por agentes do Estado nesse período. A responsabilização futura dos agentes do Estado e os possíveis crimes cometidos, quer seja por ação ou omissão”, relaciona Anderson Almeida.

O trabalho também enfoca questões como o papel da Ciência e das Universidades e a defesa dessas instituições; os impactos econômicos no capitalismo internacional e os aprendizados no passado, a exemplo das saídas pós Gripe “Espanhola” (1918-1920) e da Crise de 1929. O problema das subnotificações através dos registros de mortes apenas por Síndrome Respiratória ou Pneumonia. “Temos ainda a discussão da ideia de que o vírus é ‘natural’ e democrático, mas os moradores das periferias, pobres e negros são os que estão morrendo em maior número”, alerta o professor.

Para Anderson Almeida, “pensar historicamente essas questões não é achar que a história se repetirá da mesma forma, mas sim, que podemos aprender com acontecimentos do passado e do presente a formular políticas públicas mais inclusivas na superação das desigualdades, que são históricas e não biológicas e naturais. Por fim, já há quem diga que essa Pandemia marca o início do século XXI. Veja que até os marcos temporais são deslocados para além dos calendários, que são artificiais. Compreender, dar legitimidade científica e tornar inteligível esse caos é, também, tarefa da História”, conclui o pesquisador.

Para participar, é só preencher o formulário do link. Há ainda a possibilidade de enviar-nos seu relato para o e-mail: cpdhisufal@gmail.com. Opcionalmente, quem se disponibilizar a prestar entrevista a ser gravada após o término do distanciamento social, o grupo solicita o número telefônico.