Projeto reforça estudos com algas desenvolvidos pelo Laboratório de Ficologia

‘Alga não é lixo, alga é luxo’ é um projeto de extensão da Ufal e tem como foco de atuação escolas públicas de Maceió
Por Diana Monteiro - jornalista
10/04/2019 11h12 - Atualizado em 10/04/2019 às 12h31
Paulo Vieira, pesquisador da Ufal. Foto: Rrenner Boldrino

Paulo Vieira, pesquisador da Ufal. Foto: Rrenner Boldrino

No ecossistema aquático existem mais de cem tipos de algas, cuja importância se destaca por constituir o produtor primário de liberação do oxigênio para atmosfera. No Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS), da Universidade Federal de Alagoas, o Laboratório de Ficologia (Labofic) desenvolve atividades no litoral do Estado com diversas subáreas do estudo das macroalgas e microalgas. Sob a coordenação da professora Élica Amara Cecília Guedes as pesquisas empreendidas visam conservar a grande diversidade de algas, assim como proporcionar conhecimento de suas várias utilidades, como nas indústrias farmacêutica e de cosmético. As algas, segundo especialistas, também têm utilidade como complemento alimentar pela composição nutricional existente, a exemplo de proteínas, vitaminas B12, vitaminas E, C, lípídos, fibras e carboidratos.

“No planeta há mais água do que terra. Portanto, preservar água também é preservar algas ficando evidente a sua função para o equilíbrio do meio ambiente e para a identificação de desequilíbrio ambiental. A exemplo das algas microscópicas que causam o conhecido ‘verdete’ nas lagoas pelo excessivo consumo de oxigênio, levando à mortandade de peixes. Esse fenômeno ocorre não pela presença de algas e sim pela matéria orgânica lançada no citado ambiente aquático”, diz a pesquisadora Élica Guedes.

O dinâmico trabalho do Labofic tem resultado em estudos diversificados. Só no segundo semestre letivo de 2018, em fase de encerramento, foram concluídos quatro Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) na Ufal, com algas macroscópicas. Entre os estudos em andamento, sob a orientação de Élica Guedes, há um que trata das microalgas que vivem em bromélias que ocorrem no Arboretum da Ufal, localizado no Campus A. C. Simões. Também está em andamento um TCC desenvolvido pelo aluno Paulo Henrique Santos Vieira, do curso de Biologia focado em algas microscópicas presentes em dietas de peixes criados em viveiros, provenientes do Baixo São Francisco, região onde estão localizados os estados de Alagoas e Pernambuco.

Alga é luxo

Na abrangência dos estudos foi aprovada recentemente pela Pró-reitoria de Extensão (Proex), a segunda edição do Projeto Alga não é lixo, alga é luxo, que realiza pesquisas com algas arribadas, conhecidas popularmente como “sargaço”, cujo nome científico é sargassum, na realidade um gênero de alga marrom. O projeto, que retorna às atividades entre os meses de abril e maio tem como foco alunos do ensino médio de escolas públicas da capital. A dinâmica de atuação consiste em palestras de fácil entendimento com o objetivo de levar ao público-alvo informações gerais sobre o assunto, assim como realização de jogos e degustação utilizando algas como matéria-prima. A doação à equipe vencedora de um kit com produtos à base de algas contendo cosméticos e produtos alimentícios, também faz parte da dinâmica do projeto.

Élica Guedes explica que as algas arribadass são algas arrancadas facilmente de seu substrato e jogadas na beira da praia pelas ondas, marés e ventos. Quando voltam para o mar, levadas pela maré, retomam a sua função normal no ambiente que é servir de abrigo, refúgio e alimento para os animais. A pesquisadora enfatiza que isso ocorre porque elas não têm diferença de órgãos e tecidos, com funções definidas, absorção, sustentação e fotossíntese. “Elas não têm raiz, nem caule e nem folhas verdadeiras, o corpo é conhecido como um talo com diferenciação em rizóide, calóide e filóide que não exercem funções como nas plantas terrestres. “Elas são fixas aos diferentes  substratos por uma estrutura denominada apressório. As algas arribadas só morrem quando ressecam totalmente”, diz. 

Doutora em biotecnologia de algas, Élica realiza pesquisas nessa área, em Alagoas, desde a década de 90. O primeiro trabalho concluído foi desenvolvido no litoral do município de Japaratinga, a 115 km da capital. Atualmente, os estudos do Laboratório de Ficologia, por meio do projeto de extensão, têm concentrado as atividades na costa de Maceió - de Pajuçara até Jatiúca - onde há a maior incidência de algas arribadas.

Ao destacar a importância também como complemento de adubos e ração, Élica conta que há países na Europa onde os animais comem algas arribadas como se fosse pasto. No mundo oriental existe o hábito diário de se consumir alga. Em um trabalho de conclusão de curso as algas arribadas também foram usadas como adubação no cultivo da planta moringa. No ano passado a pesquisadora fez parte da banca de doutorado do professor Fernando Pinto Coelho, do Campus do Sertão, sobre o potencial de aproveitamento energético da biomassa de macroalgas no estado de Alagoas. O doutorado foi defendido na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e contou com a parceria do Labofic da Ufal. “Ficou comprovado que a biomassa de macroalgas tem potencial para ser aproveitada para geração de biocombustíveis ou energia térmica. Esse aproveitamento poderia reduzir o custo com as operações de limpeza urbana nas áreas costeiras”, destacou o exemplo.

Alga não é lixo

Ainda discorrendo sobre a importância das algas arribadas em seu ecossistema, assim como as inúmeras utilidades, apontadas em estudos realizados, Élica tece críticas à retirada delas das praias da capital com o argumento de serem causadoras de mau cheiro, levando ao desconforto de banhistas e turistas. “Alga tem cheiro de maresias e não provoca odor desagradável. Em praias mais distantes, como Riacho Doce e Paripueira, onde desenvolvemos pesquisas, podemos registrar que elas não exalam mau odor. Este quando ocorre é ocasionado pela existência de ‘línguas escuras’, oriundas de efluentes domésticos e animais mortos que ficam presos às macroalgas” , Diferentemente de Maceió, em Recife, onde há muita incidência de algas arribadas, elas não são retiradas da praia”, frisa.

Recentemente, por decisão do Instituto do meio Ambiente (IMA) de Alagoas foi feita a retirada de algas arribadas em alguns pontos da orla de Maceió pelo poder público municipal e Élica aproveita para opinar: “A Ação do IMA ocorreu sem conhecimento científico com relação às algas arribadas e  o mesmo não poderia dar prazo, no caso de cinco dias, para a retirada. Mesmo não tendo grande impacto ambiental, a retirada de algas arribadas prejudica a sua função, além de ser desnecessária. Porque, enquanto tiver maré baixa elas irão aparecer todos os dias. Na maré alta não se vê algas arribadas na praia uma vez que a citada maré se encarrega de devolvê-las ao mar. As algas arribadas são um evento natural que só ocorre em praia que tem recifes”.

E sobre a ação, a pesquisadora acrescenta: “A retirada das algas, que de vez em quando é feita, só ocorre por ser mais uma reclamação do setor hoteleiro, principalmente para agradar aos turistas e não para outras utilidades. O turista de São Paulo, por exemplo, não vê algas arribadas em praias de seu estado e para eles é como se o evento natural fosse lixo. No Rio de Janeiro, em praias mais distantes, as algas arribadas são arrancadas dos costões, diferentemente das do Nordeste , que ficam presas nos recifes. Seria necessário um trabalho de educação ambiental utilizando, por exemplo, placas ou cartazes na orla, explicando que elas não são lixo, e sim um fenômeno natural. Que o lixo jogado na praia, e que se mistura com as algas, é perigoso e prejudicial ao ambiente e aos banhistas”.

O também pesquisador e presidente do Centro Acadêmico Cabio Caetés, do curso de Biologia da Ufal, Paulo Vieira destaca que a ação inclusive recebeu críticas do citado setor de representação estudantil, gerando nota de repúdio, principalmente pela falta de estudo de impacto ecológico e de acompanhamento técnico. “É necessário um especialista para analisar ou acompanhar, até para a indicação da porcentagem a ser retirada como ocorre em muitos países. O nosso clima influencia muito o aparecimento de algas arribadas, que se reproduzem muito mais no calor. As algas arribadas não são responsáveis pelo mau cheiro, e sim, têm grande importância para o ciclo ecológico dos oceanos, além de possuírem uma extensa fauna marinha associada”, reafirma.

Paulo está em etapa de conclusão do curso e dará continuidade aos estudos com algas microscópicas no mestrado que pretende fazer na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Ele disse que vários estagiários do Laboratório de Ficologia da Ufal já desempenharam atividades no Herbário do Instituto do Meio Ambiente, havendo dessa forma, a existência de uma conexão de atividades nessa área de estudo: “Por essa conexão, nossa coordenadora, assim como o laboratório, sempre se colocam à disposição para qualquer assunto ligado as algas”.

A pesquisadora Élica Guedes aproveita para ratificar: “O Labofic se coloca à disposição para esclarecimentos e desmitificação de que alga é lixo, ao contrário, como bem diz o projeto de extensão em atividade, com comprovação de que as macroalgas têm uma gama de utilidades. Inclusive, para geração de renda”, enfatizou.