Ufal e Sociedade entrevista o professor Emerson Soares

O desastre ambiental com o derramamento de óleo que atingiu o litoral nordestino têm mobilizado os pesquisadores. O professor Emerson Soares fala sobre o assunto e anuncia também a 2ª expedição científica pelo Rio São Francisco que será de 18 a 27 de novembro. Leia e ouça o podcast

21/10/2019 09h15 - Atualizado em 21/10/2019 às 12h47
Emerson Soares, do Centro de Ciências Agrárias

Emerson Soares, do Centro de Ciências Agrárias

Lenilda Luna: Estamos iniciando mais um programa Ufal e Sociedade, e hoje nós estamos recebendo o professor Emerson Soares, que é do Centro de Ciências Agrárias, faz parte do Grupo Ecologia Aquática e Aquicultura, é coordenador do Laboratório de Aquicultura e Análise de Água e vai coordenar uma importante expedição científica no Rio São Francisco. Além de ser vice-coordenador do Comitê Científico de Bacias Hidrográficas do Nordeste. Professor, muita coisa para dar conta nesse campo científico e ecológico também...

Emerson Soares: Com certeza! Mais responsabilidades que a gente tem com os recursos hídricos. Os ambientes aquáticos precisam de monitoramento, precisamos ter dados estatísticos para poder comprovar a situação desses rios e lagos.  Alagoas é assim chamada pelas 30 grandes lagoas que têm na região metropolitana de Maceió, um ambiente que precisa muito de monitoramento, para saber o estado e as condições desses corpos hídricos do estado.

Lenilda Luna: E infelizmente, as ameaças a esses ecossistemas são muitas e é preciso ter dados científicos, para não ficar só na especulação e tomando medidas que muitas vezes tem um caráter mais político do que efetivo para resolver os problemas.

Emerson Soares: Correto. A gente precisa urgentemente de um programa de monitoramento desses recursos hídricos. Haja vista, que quando se procura informações, muitas vezes elas são pulverizadas, aquelas informações a gente não tem em tempo real ou são de colegas que fazem levantamentos de forma esporádica. O que a gente precisa realmente é criar um modelo, não só aqui no estado, mas especialmente em Alagoas, para ter essas informações em tempo real, de forma que a gente possa ter uma resposta conclusiva e rápida, face aos problemas que a gente vem enfrentando de poluentes contaminantes no modo geral e também outros impactos que vem ocasionando a esses sistemas, tão importantes para o estado.

Lenilda Luna: Professor Emerson, o senhor está coordenando uma importante expedição científica que vai passar cerca de 10 dias navegando pelo rio São Francisco. Conta pra gente como é que vai ser essa expedição, quando começa e quem participa.

Emerson Soares: Então, essa é a segunda grande expedição do São Francisco, a primeira foi feita em outubro do ano passado. Nós tivemos a presença de aproximadamente 40 pessoas, embarcamos seis dias nessa expedição e tivemos em torno de 30 pesquisadores participantes. Bom, com os trabalhos que nós fizemos, que foi um diagnóstico inicial, face ao São Francisco, mas são dados de forma não contínua, a gente precisava fazer um diagnóstico para ver a situação do rio. O rio vem enfrentando dois anos de seca, com diminuição da vazão e os problemas se agravaram em torno da intrusão salina, que é o efeito da salinidade do mar em relação ao continente e ao Rio São Francisco, e problemas de saúde também. O rio São Francisco virou uma questão de saúde pública. A gente precisava realizar, coletar dados mais conclusivos. Agora vem a segunda e grande expedição, que vai ser de 10 dias, serão 60 pessoas embarcadas, dos dias 18 a 27 de novembro. A gente pretende, nesse período, fazer um levantamento geral e análises específicas de poluentes, metais pesados, assoreamento, desmatamento, a parte de levantamento de drone, mapeamento, batimetria, qualidade de água, enfim. São 28 áreas de pesquisa, com pesquisadores nacionais e internacionais. Teremos cerca de 11 instituições participantes, desde a Universidade do Porto, Portugal, ao Instituto Espanhol de Oceanografia, há um colega também da Austrália, o Ministério da Ciência e Tecnologia (Mctic), Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco (Codevasf), Universidade Federal de Alagoas, Universidade Federal de Sergipe, Emater, entre outras instituições que estão colaborando nessa grande empreitada de 10 dias, esse grande marco que vai ser para pesquisa no baixo São Francisco. 

Lenilda Luna: Qual é o tipo de embarcação que será usada e qual a estrutura para manter esses pesquisadores durante esses 10 dias, levando-se em conta também que o rio, infelizmente, tem vários trechos já que não são navegáveis. Como é que se monta uma expedição assim dessa, é um desafio né?

Emerson Soares:  É um desafio, nós já estamos há 5 meses organizando. Nós teremos uma embarcação de grande porte, com largura de aproximadamente 6 metros, com quatro pavimentos e 25 metros de comprimento, é a maior embarcação do Baixo São Francisco. Vamos dormir no barco, trabalhar no barco, montar laboratório no barco... Temos a equipe de terra também. Claro, tem os problemas do assoreamento. O calado nessa embarcação é de um metro e meio aproximadamente, em alguns momentos, precisaremos ter muito cuidado, porque  vamos subir até Piranhas, depois descendo de Piranhas até a Foz do São Francisco. Então, temos um grande barco que vai acomodar todo esse grupo de pesquisadores. Nós vamos trabalhar, nos alimentar e coletar esses dados nesse barco. Por outro lado, nós teremos apoio também da equipe de terra e embarcações auxiliares: teremos duas lanchas de apoio, de motores de 40 hp, o que nos dá uma grande força para o deslocamento das equipes em campo, e duas embarcações de menor porte para pescadores que vão nos apoiar. Além disso, teremos a equipe de terra com veículos, que vão transportar drones e Vants, que são aqueles aviões não tripuláveis, para fazer a parte de batimetria, sensoriamento remoto e fotogrametria da área. E aí vamos somar esses esforços ainda com o Barco Robótica, que é o Barco Iracema que tem equipamentos que faz a varredura do fundo do rio.

Lenilda Luna: Com certeza, uma expedição assim vai produzir um vasto material, tanto impresso, como audiovisual para pesquisadores, para a imprensa em geral, para as pessoas perceberem a importância do Rio São Francisco. 

Emerson Soares: Nós teremos, provavelmente, a equipe do Globo Repórter, tem uma equipe da Globo que vai estar conosco 7 dias pelo menos, não os 10, mas pelo menos 7 dias, fazendo coberturas diárias para o Bom Dia Alagoas, para o Globo News em Pauta, também provavelmente para o Globo Repórter, e nós teremos também acompanhamento da TV Educativa, ligada a TV Cultura, nós teremos também jornalistas cobrindo todo o trabalho. Além da equipe nossa, tem uma equipe de filmagem pra fazer o documentário. Fato é que após essa expedição, nós teremos aí 6 meses de análise de dados em laboratório e vamos divulgar um grande relatório, um grande livro também. Esse livro vai ser produzido em parceria com o Comitê da Bacia do Rio São Francisco, Codevasf e a Universidade, que vai ser um livro que vai dar uma grande visibilidade ao trabalho, que vai congregar uma série de informações para disponibilizar aos gestores públicos para ações efetivas no Rio São Francisco. 

Lenilda Luna: E com certeza, a Assessoria de Comunicação da Ufal também vai estar acompanhando rotineiramente todos os momentos dessa grande expedição.

Emerson Soares: Nós agradecemos o apoio da Ascom, sempre presente, sempre nos deu apoio aqui na divulgação do nosso material. Com certeza, vai ser importante a presença da Ascom para cobrir essa grande empreitada, que eu digo mais uma vez e reafirmo, é a maior expedição científica já realizada no São Francisco. Eu posso falar isso sem modéstia, porque tem grandes expedições, mas a nossa congrega 60 pessoas durante 10 dias embarcados, trabalhando de 8h da manhã às 22h da noite, com reuniões no final do trabalho para decidir as ações do outro dia. São mais ou menos 10 municípios que serão visitados do lado de Sergipe e de Alagoas. E serão, a gente calcula, em torno de 600 amostras coletadas durante todo o período. Imagine que nós vamos coletar ictiofauna, que é a parte de peixes, carcinofauna, água, esgoto… Vamos ter exposição de fotografia científica, vamos fazer trabalhos de educação ambiental com as comunidades, plantio de árvores nativas também. Trabalharemos com as escolas dos municípios, em parceria com a Emater, com as comunidades, identificando níveis de agrotóxico. Teremos duas colegas da parte de saúde, a professora Verônica e a Dra. Isabel, que trabalha a parte de psiquiatria e Saúde da Família. Porque na expedição passada, nós detectamos problemas também relacionados com o uso de agrotóxico, que pode ter várias hipóteses sobre agravamento de problemas de saúde mental. E, além disso, a gente vai ter todas as áreas pleiteadas durante essa expedição, da área de ecologia aquática e a área que envolve meio ambiente e educação ambiental.

Lenilda Luna: Importante frisar isso, a questão do meio ambiente é importantíssima, mas também existe o meio social, quer dizer, as pessoas também vão estar em foco nessa expedição.

Emerson Soares: Claro, o São Francisco, eu costumo dizer que ele é um grande aglutinador do nosso Brasil, é um rio de 2,7 mil km, que banha o nosso castigado sertão, que é forte, mas a água move a vida e move também, vamos dizer assim, a economia daquela região. O nosso foco principal, além dos organismos aquáticos, também é a população que sofre os impactos das hidrelétricas, da diminuição de vazão, das secas prolongadas, da poluição, da intrusão salina, que causa problemas de hipertensão, ao consumir água. Consequentemente, a gente tem que tratar o São Francisco não só como corpo hídrico, mas como organismo onde muita gente depende dele e temos que fazer todo o possível para tentar ajudar, proteger e também saber o que está acontecendo com ele. O que mais a gente tem hoje em dia, que a gente nota, é que nós temos muita informação, mas de forma pulverizada, que não é divulgada, muitas vezes publicadas em artigos científicos, e isso não chega a população como um todo. A gente precisa trazer uma linguagem mais simples, técnica, para atingir a população e tentar traçar um perfil para ajudar essas populações e para orientar os gestores públicos a fazerem ações mais efetivas para essas populações que vivem no Baixo São Francisco. 

Lenilda Luna: E sobre esse diálogo, que o senhor disse, durante a expedição vão acontecer reuniões com as comunidades ribeirinhas, com escolas, com ambientalistas, com pessoas que estão acompanhando e tendo muita esperança, inclusive, nos resultados dessa expedição.

Emerson Soares: Sim. Na expedição passada, nós tivemos em torno de 600 pessoas visitando a embarcação. Essas pessoas eram de escolas, a gente via o interesse e a felicidade de estar pela primeira vez vivenciando uma atividade de pesquisa. Essas pessoas, esses alunos, que são os futuros gestores do nosso país, precisam estar em contato com a pesquisa, e saber que a pesquisa é uma das coisas que nós podemos proporcionar para melhorar a qualidade de vida. E então, o ensino, pesquisa e extensão são atividades que tem que estar realmente inseridas, e essas pessoas precisam saber que nós temos condições de mudar a realidade, de transformar vidas com o trabalho, partindo principalmente da premissa ambiental. A educação é tudo, a educação ambiental também, porque quando a gente tem uma boa educação e ambiental, a gente também, vamos dizer assim, diminui os danos, os gastos com a saúde pública mais a frente.

Lenilda Luna: Professor, o senhor falou de algumas questões que é bom a gente aprofundar com os ouvintes, por exemplo, o que é essa intrusão salina? Explica um pouco que fenômeno é esse e as consequências dele.

Emerson Soares: A intrusão salina é a diminuição da vazão do São Francisco. O mar tem as suas marés, suas cheias, tem a capacidade de entrar rio acima e trazer salinidade a essa região. Até há 7, 8 anos, essa intrusão salina estava em torno de 10 km mais ou menos da Foz. Ano passado, já se encontrou há 16 km da foz, ou seja, aumentou 6 km. Isso significa que a cidade de Piaçabuçu, por exemplo, que é uma cidade que tinha água doce, hoje em dia não é mais água doce, é uma água salobra. Essa intrusão salina atrapalha, prejudica o ecossistema, porque ali é um ecossistema que está acostumado com aquele ambiente, de repente uma salinidade aumenta, as espécies que estão ali não sobrevivem. Então, vai prejudicar também o setor econômico, como o plantio de arroz, a rizicultura, entre outras culturas também que tem na região, a agricultura familiar, o plantio, na verdade, fica prejudicado com o aumento da salinidade. Além do consumo também, as espécies de peixes se modificam. Então, essa intrusão salina, a gente tem que acompanhar com bastante cuidado, evitando que ela aumente e trazendo maiores danos para a população.  

Lenilda Luna: E só mais um aprofundamento, com uma questão que o senhor colocou que é bastante preocupante. Os agrotóxicos que foram detectados, provocando problemas de saúde mental, isso leva a quê? Pessoas estão, por exemplo, se suicidando por conta disso... Isso foi detectado de alguma forma? 

Emerson Soares: Veja, existem estudos científicos que trazem a relação do agrotóxico com a pessoa. Se você usa esse produto por uma longa duração, sem Equipamentos de Proteção Individual (EPI), você tem a tendência a ter o contato e acumular isso no seu organismo. Isso traz danos ao organismo, e também ao sistema nervoso, e pode sim contribuir com os problemas mentais, depressivos, entre outras síndromes que atacam ao sistema nervoso e que pode estar presente no organismo da pessoa. Agora, a gente vem detectando que, como é que a gente pode fazer uma correlação, que essas comunidades muitas vezes elas usam agrotóxico  sem nenhum controle, e ali tem muitos produtos, a gente destaca além de nitrogênio, fósforo, potássio e também metais pesados, dentre outros compostos que são contaminantes e muito agressivos ao organismo da pessoa. Então, se ela não usa EPI, ela está suscetível a esses problemas mentais e, claro, tem uma tendência de aumento. Claro, a gente tem outras variáveis, né? Outros parâmetros, a genética, enfim. Mas, a gente tem que atentar para isso, tentar ver a correlação e o quanto esses agrotóxicos estão influenciando na vida da população que lida diariamente com isso. Uma coisa é certa, a gente tem que pensar que, o São Francisco hoje em dia é agredido de todas as formas.

Por exemplo, o agrotóxico a gente encontrou ele na água, no peixe também. Os níveis de metais pesados também aumentaram nesse pescado e também na água. Alguns metais estão com nível tolerável, alguns sobressaíram no pescado. Uma vez que nós consumamos esse produto, que está com uma grande carga de metais e outras substâncias, que muitas vezes vêm do próprio solo, que vem dos agrotóxicos, pesticidas que são lançados no ambiente, que por escoamento superficial caem na água, e esses animais estão em contato direto. Uma vez em contato, você consome, você acaba acumulando esse produto em seu organismo, e não elimina tão fácil, e aí vai gerar alguns outros problemas, carcinogênicos, mutagênicos, problemas também de depressão, ou problemas de saúde, no trato gastrointestinal, algum tipo de doença que pode vir a aparecer no futuro, com a acumulação desse produto no ambiente, e a pessoa sempre em contato consumindo a água ou o próprio peixe. Então a gente tem que mensurar isso aí, e por isso que a gente tem que sempre se perguntar: “o que é que nós estamos fazendo? O que é que o governo… Eu digo governo, porque tem que criar, é fundamental, um modelo de monitoramento, para propor medidas que envolvem saúde pública. O São Francisco tem toda sua gama de vantagens, mas o que nós estamos fazendo com ele é agressivo. 

Como é que a gente tem tão pouca água, embora o São Francisco tenha um grande volume, mas como a gente tem pouca água e a agride tanto os ambientes aquáticos? Qualquer coisa hoje em dia você faz no rio. É muito mais fácil você jogar o lixo no rio, do que você fazer reciclagem, ou você lançar seu esgoto no rio, ao invés de ter a sua fossa, ou ter o seu tratamento de esgoto. Então, as pessoas acham muito fácil, é só jogar pro rio que ali está. E a gente observou que os níveis de coliformes fecais estão altíssimos, em todas as cidades que nós visitamos nós encontramos níveis altíssimos de coliformes fecais, nas tomadas de água para cidade. Então, se aquela cidade não tem um bom tratamento de água, as pessoas estão consumindo coliformes fecais, fezes. As pessoas também estão consumindo outros produtos que vem decorrente da poluição do rio. 

Lenilda Luna: Alerta máximo então, né? Para que a sociedade se atente e cobre medidas porque a situação é muito séria. E falando também nessas questões que causaram impacto, inclusive emocional nas pessoas, uma outra questão que o senhor está acompanhando são essas manchas de óleo que se espalharam pelo litoral nordestino. Nós vimos imagens nas redes sociais que realmente impactaram, porque nossas praias são belíssimas, recebem turistas, e elas têm uma grande diversidade de vida marinha, nossos corais que são muito estudados… Como é que isso tudo pôde acontecer, professor?

Emerson Soares: Primeiramente, a gente tem hipóteses. Existem várias outras equipes trabalhando com isso, para tentar solucionar o problema, ou pelo menos entender de onde veio. Uma hipótese que eu levo muito a sério, mas são hipóteses, é que realmente houve um derramamento, uma transferência de petróleo em uma região, que a gente chama região próxima a corrente Sul Equatorial. O que é isso? Imaginemos que os laudos da Petrobrás, e das Universidades Federais da Bahia e Sergipe, comprovaram que o óleo é venezuelano, pela consistência, pelo carbono 14, aliás, fontes de carbono, por questões de cromatografia, e outras análises que foram feitas, se assemelha muito ao produto venezuelano. Então, o que nós presumimos? É impossível, quase impossível, que seja de um poço da Venezuela, pelas correntes que nós temos da Guiana que são muito fortes, empurrando isso para fora do Brasil. Mas é muito fácil, é mais provável, que navios que vieram da Venezuela, com embargo do governo norte-americano, esses navios transportam esse petróleo e fazem um transbordo para outras embarcações fantasmas, ou embarcações piratas, que não têm sistema de rastreamento. Esse transbordo é feito geralmente na região equatorial, no meio do oceano e aqui próximo ao Brasil, há 500 km, até 1000 km do Brasil. Acontece que nessa região tem uma circulação de correntes, que nós chamamos a corrente Sul Equatorial, que é no sentido anti horário. Então, a corrente vem em sentido anti horário banhar o Brasil, a costa nordeste. Quando ela chega na costa nordeste, ela se divide em duas correntes, a corrente da Guiana, que passa por cima, ali na região da Paraíba, Rio Grande do Norte , Ceará e Maranhão, e a corrente do Brasil, que desce aqui, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. 

Há uma possibilidade que teve algum problema no carregamento desse óleo. Não acredito muito em sabotagem, mas não podemos descartar também, mas nesse transbordo de uma embarcação para outra,  houve um transbordo equivocado, esse óleo vazou, veio trazido pelas correntes, a corrente Sul Equatorial e chegou aqui na corrente do Brasil, da Guiana, e veio a manchar nossas praias, agora com mais força na região de Sergipe e Bahia, mas também mais ao norte agora. A gente viu hoje Japaratinga já tomada pelo óleo. O que nós presumimos então? É possível que tenha sido isso, uma má transferência desse produto, ou um naufrágio mesmo. Como são navios que não têm rastreamento, não houve aviso. Porque o protocolo de contingenciamento de óleo diz que, ao sofrer um desastre, tem que ser avisado o país que corre risco, e nós não fomos avisados. 

Por outro lado, nós temos que perceber que as decisões foram tardias quanto ao contingenciamento, porque isso deveria ter sido feito pelo menos nos primeiros sinais, que foram mais ou menos 35, 40 dias atrás. Já era para esse plano de contingenciamento ter atuado efetivamente, em conjunto com Universidade, Ibama, Marinha do Brasil e outras instituições, para tentar identificar a mancha de óleo através de fotografia, imagem de satélite, para poder começar a agir. Isso foi tarde, e agora nós estamos com um problema que tende a se agravar, tende a prejudicar a comunidade aquática, porque 70% das espécies, próximo disso um pouco menos ou um pouco mais, elas se reproduzem em área costeira, elas vivem na região dos corais, ou em região de mangue, de manguezal. Essa região de manguezal geralmente está próxima a água salobra, que encontra com o rio. Então, essa mancha chegou com grande força na área costeira, contaminou os corais, contaminou também a área costeira ali, e consequentemente vai trazer dano sim à comunidade aquática. As larvas de peixes, o plâncton, que são várias larvas de organismos que ficam na área pelágica do oceano, ao sabor da maré, o fitoplâncton, isoplâncton etc., todos contaminados e morreram. Alguma parte vai morrer, outra parte vai ficar contaminada e vai acumular também, afinal de contas, esse óleo ele possui hidrocarbonetos, a gente cita toluenos, benzenos, etc., que são cancerígenos também, eles são carcinogênicos. Uma vez acumulando nesses organismos, a gente recomenda que a pessoa não se alimente desse produto, pelo poder contaminante que esse óleo tem. E, nós estamos com o desastre agora, informações pulverizadas, muitas vezes. 

Existem frentes de trabalho que estão fazendo bons trabalhos, mas a comunicação ainda está um pouco falha, nós precisamos realmente dar uma resposta a sociedade. A resposta vai vir de vários grupos que estão se unindo, de pesquisadores e também de técnicos, para que a gente consiga dar uma resposta conclusiva a sociedade. Mas, para nós termos essa resposta, precisamos de tempo para avaliar, fazer análises, porque a ciência demora um pouco, mas a gente precisa realmente estreitar mais os laços de comunicação das instituições que estão aí no governo federal e estadual, para poder resolver o problema.

Lenilda Luna: Se a resposta tivesse sido mais eficaz, mais próxima ao ocorrido, teria evitado que essa mancha se espalhasse pela costa? Ela poderia ter sido contida no oceano? 

Emerson Soares: Poderia sim, a gente tem tecnologia pra isso, a Petrobrás tem equipamentos, a própria Marinha, que podem fazer essas contenções no oceano. O problema é que nós não sabemos a origem. Uma vez que, quando há um desastre, esse barco tem um sistema de rastreamento, então pelo rastreamento via GPS, satélite, identificaria o local, e ali automaticamente, já faria as medidas iniciais de tratamento, com detergentes que faria a sua degradação dessa substância e a sucção dessa substância para uma embarcação, depósito, evitando que chegasse às praias. Como não se tinha a origem, e também a resposta tardia do governo em resolver a situação, esse óleo vem sendo trazido até a costa, ele vem passando por processos químicos,  vai endurecendo, enrijecendo. Esse óleo tem uma densidade mais leve que a água, mas essa densidade desse óleo ele afunda um pouquinho, fica numa camada mais abaixo da superfície, e vem sendo transportado pela corrente, que é uma corrente forte, a corrente Sul Equatorial, da Guiana e do Brasil, e ao chegar aqui ele já vem com uma consistência mais resistente, mais pegajosa, e é mais difícil de degradar. Uma vez em contato com o substrato, ele é mais difícil de largar, e com o tempo ele vai enrijecendo, endurecendo, e vai matando os animais que estão ali, tanto em coral, como também no manguezal, como também os animais que estão ali na região do oceano, peixes, tartarugas e crustáceo, principalmente.

 A nossa preocupação em Alagoas é também porque, uma vez que chegou próximo ao Rio São Francisco, a 150 metros, uma área que é um dos maiores bancos de camarão, então ali a economia é muito forte em torno da pesca. A gente se preocupa muito porque, por ser um banco importante de pesca e de economia para o estado, pode trazer maiores problemas para essas pessoas que vivem da atividade. Além do turismo. O estado de Alagoas, a gente sabe muito bem que uma das coisas que ajudou muito a economia foi o turismo. Mas consequentemente com esses problemas que nós estamos tendo, o turismo corre risco, claro, porque as pessoas vão evitar essas praias e o contato com essa substância.

Lenilda Luna: A nossa gastronomia também corre risco, né? 

Emerson Soares: Pois é.

Lenilda Luna: Se nós não podemos oferecer esses frutos do mar e do rio, como é que vai ser?

Emerson Soares: Justamente.

Lenilda Luna: Se essa questão da contaminação se agrava...

Emerson Soares: Hoje eu estava em uma emissora de TV e as pessoas perguntando se podiam comer o peixe. Eu digo o seguinte, não é um alarme, não queremos alarmar também. Depende da região, depende de onde vem o peixe, e depende também muito das características, de como está o pescado. O que eu posso dizer, uma vez esse organismo entra em contato com o produto, não é para ser consumido, porque esses produtos têm efeito acumulador. Nós já temos alguns índices de metais pesados registrados na nossa costa. Alguns peixes já têm níveis de metais pesados já dentro do limite, mas alguns também acima do limite. E a tendência que a gente vai avaliar e não é agora, é a  médio prazo, é se com essa mancha de óleo, nessas espécies que estão aí na região costeira, qual o impacto que elas tiveram e o quanto foi acumulado em seu organismo. A gente tem como mensurar isso através de análises no nosso laboratório. E essa preocupação agora é questão de saúde pública. Minha pergunta é, cadê a vigilância sanitária para nos ajudar, cadê a Universidade também? Nós não podemos tirar o peso das nossas costas, nós temos um papel fundamental, nós temos grandes pesquisadores aqui, principalmente aqui na Ufal, na Química, Biologia, no próprio Ceca e em outros departamentos que podem colaborar com isso. 

Nós temos um grupo que está sendo reunido. Tive contato com a professora Marília Goulart, colegas da Paraíba, de Pernambuco, da Bahia, para poder a gente montar um grupo de discussão, evitando  fake news, que hoje em dia é muito, né? A gente tem que ter muito cuidado com o alarme, o alarme é muito grande. Tem uma foto, uma imagem, daqui a pouco está pipocando nas redes sociais… mas a gente tem que ser paciente, também tem que ser atuante e  tem que ter responsabilidade ao divulgar uma informação, que ela seja embasada em ciência, em dados científicos. Por isso a demora um pouco, da comunidade científica, em soltar essas informações, para evitar o alarme, ou também que a gente não tenha problemas de dizer que está tudo bem aqui, e daqui a pouco a coisa não está tão bem assim. Então, a gente precisa juntar todas as informações para concluir a respeito da situação. 

Lenilda Luna: Nesse sentido, o Ministro do Meio Ambiente não teve essa preocupação, né? Ele foi colocando logo uma hipótese, no dia seguinte, não do acontecido, mas de quando as questões tomaram corpo na imprensa, depois da grande repercussão.

Emerson Soares: Eu tenho uma crítica, com respeito ao Ministério do Meio Ambiente, é que eu acho que foi uma reação tardia. Segundo, a gente tem que reconhecer que o Ibama tem essa dificuldade, como nós temos na Universidade, as instituições têm suas dificuldades, de pessoal, de recursos, no momento que nós estamos vivendo no país. Mas o que é interessante é que a gente tem que ter muito cuidado em divulgar uma informação e acusar, porque gera um problema de diplomacia, né? Um problema que pode chegar a uma questão internacional, porque envolve países. Por isso sempre falo o seguinte, são hipóteses. Porque são hipóteses fortes? O óleo é venezuelano? Tudo indica que sim, tudo indica, pelos laudos que já foram feitos. Não é um óleo brasileiro? Tudo indica que não, porque realmente foi provado. Pode ter vindo dos poços venezuelanos? Não, ele veio no transporte de embarcações, embarcações petroleiras, como a gente chama. Pode ter acontecido um vazamento nesse transbordo em alto-mar? Sim, há uma grande possibilidade disso. Pode ter ocorrido o naufrágio? Também sim, porque essas embarcações fantasmas não têm rastreamento, não têm as condições de salvatagem, ou de segurança ideal para o transporte desse produto. Então, isso é uma hipótese muito forte. Porque se afirma que pode ter sido aqui na região equatorial? Devido a corrente Sul Equatorial, uma corrente forte, em sentido anti horário, divide-se em duas e trouxe esse petróleo por essa via, a corrente das Guianas e a corrente do Brasil.

Porque não chegou no sudeste? Até uma colega jornalista, colega de vocês, perguntou a mim, ontem, se não ia chegar lá. A gente não sabe a extensão do dano, porque não temos ainda mensurada a quantidade de óleo que foi derramado no ambiente. Mas, provavelmente não vai chegar lá, porque nós temos correntes fortes também, das Malvinas e outras correntes que giram em sentido horário e empurram a corrente do Brasil um pouco para o centro do Atlântico Sul. Então, provavelmente, esse óleo não chegará naquela região. Provavelmente. Não estou descartando, mas provavelmente não. Agora, por que se concentra aqui? Justamente pelo modelo de corrente e o vento leste oeste muito forte, que está tendo nessa época e faz com que esse produto chegue a nossa costa mais facilmente. Vai ter problemas para os peixes? Vai. Para os crustáceos? Vai. Para toda a fauna aquática, não sabemos a extensão do dano ainda, mas que vai ter problema, vai. Se atingir o mangue tem um grande problema? Tem, porque ali é um berçário de espécies, de reprodução de espécies, tanto do rio, estuarinas, como também de áreas costeiras. Pode contaminar esses organismos? Pode, há uma grande probabilidade de contaminar, porque esses organismos, como já disse, esse óleo, junto com outras substâncias, tem a tendência de bioacumular no organismo, em contato, ele vai sofrer danos também. Isso vai continuar acontecendo? Não sabemos. Mas, o que está acontecendo agora é que depois que nós divulgamos uma mancha, por satélite, que foi descartada pelos órgãos ambientais, principalmente na Bahia, que saiu no Jornal Nacional, inclusive, a gente já comprovou que está chegando, e com mais força, agora nas praias do litoral norte de Alagoas, e também Bahia e Sergipe. Então, agora, o grande prejudicado nesse momento, além de todos os outros estados que já foram, mas agora Alagoas, em maior proporção, Sergipe e Bahia. E continua chegando. Então, as medidas que estão sendo feitas, são medidas paliativas. É retirado o óleo, claro, mas o dano já foi feito aqui.

Lenilda Luna: Professor, infelizmente o nosso tempo acabou. Mas é claro que a gente vai convidar o senhor outras vezes, porque há um grande interesse da sociedade e da comunidade universitária de acompanhar essas duas questões, a expedição do Rio São Francisco e a contenção, ou o que a ciência puder fazer para nos salvar dos efeitos desse desastre, que foi esse derramamento de óleo no litoral nordestino. Obrigada, professor pelas informações.

Emerson Soares: Eu que agradeço a vocês por estar nesse espaço aqui maravilhoso, e que esse espaço dure muito tempo. 

Lenilda Luna: Obrigada. E o programa Ufal e Sociedade volta na próxima segunda. Nós teremos reprise às 17h, e você pode ouvir também essa entrevista na página da Rádio Ufal

Até a próxima.

Ouça o podcast da entrevista aqui