Ufal e Sociedade entrevista a professora Jéssica Lima

A professora Jéssica Helena de Lima, do Centro de Tecnologia (Ctec)  da Ufal, fala sobre novas dinâmicas para o ensino de Engenharia Civil e como pensar as cidades para as pessoas

14/10/2019 11h09
Professora Jéssica Lima (Ctec)

Professora Jéssica Lima (Ctec)


Lenilda Luna: nessa edição do programa Ufal e Sociedade, nós estamos com a professora Jéssica Helena de Lima que é professora do Centro de Tecnologia (Ctec)  da Ufal e vamos falar de várias ações que são realizadas no Ctec e que tem a ver com questões sociais mais amplas, que vão além dos muros da Ufal. Professora Jéssica, bem-vinda ao programa Ufal e Sociedade. 

Jessica Lima: obrigada, Lenilda.

Lenilda Luna: Vamos começar pelo jogo didático que você criou. É um jogo para ensinar a pavimentação de uma forma mais interativa com os alunos. Explique um pouco como é que surgiu a ideia desse jogo e como é que ele funciona nas aulas de Engenharia Civil.

Jessica Lima: certo. É, esse jogo surgiu, na verdade, de uma iniciativa que foi promovido pelo curso TDMA, que foi um curso promovido pelo Proford da UFAL,o curso de Tecnologias Digitais e Metodologias Ativas que é o que significa a sigla TDMA. Eu fiz em julho do ano passado o curso e a partir de então, eu comecei a desenvolver o jogo, o jogo hoje se encontra na terceira versão mas a partir da primeira versão eu já ia aplicando com os alunos e fui aprimorando aos poucos. O jogo é uma parceria com o laboratório LED de Design que é coordenado pela professora Danielly Amate e ele é um jogo educacional que serve para ensinar os alunos a dimensionar pavimentos asfálticos pelo método do DNIT. Ele é um jogo de tabuleiro, não é um jogo digital, muitas vezes as pessoas perguntam se o jogo é  digital. É possível que ele se torne um dia digital, no momento, ele é um jogo de tabuleiro e é dividido em três etapas. Na primeira etapa, os alunos precisam entender a questão do tráfego e calcular o número n que é o número de passagem de dois eixos padrão no período de projeto. Na segunda etapa, eles precisam responder a um quiz e a resposta correta do quiz dá o direito dele selecionar uma jazida e essas jazidas, eles não sabem para que elas servem, eles precisam determinar para que servem, o jogo ensina ele a determinar a como utilizar essa jazida e essa jazida pode ser usada para o pavimento, porque o pavimento tem várias camadas, a gente vê só o revestimento que é a camada superficial, mas tem para baixo, uma série de camadas, ele é formado, pode ser formado, por exemplo, pelo reforço do subleito, sub-base e base e cada uma dessas camadas tem uma especificação de material e aí, eles, ao encontrar essa jazida, eles precisam determinar para que esse material vai servir em cada uma dessas camadas. Eles só podem passar para terceira etapa depois que ele tem, pelo menos, uma carta de cada jazida e aí, na terceira etapa do jogo, eles vão de fato dimensionar o pavimento, o jogo vai direcionar eles para o dimensionamento e eles precisam resolver as inequações que estão lá no jogo explicando como e aí, eles vão usar as informações do número n e das jazidas para poder determinar os fatores dessa equação e dimensionar. No final, eles vão ter a espessura de cada camada e eles precisam também ver a espessura dessa camada e comparar com o número n, que é o volume de tráfego do eixo padrão, para ver a largura da faixa de acordo com a classe de projeto e também a extensão do trecho, que no começo do jogo, eles puxam cards de extensão do trecho da cidade que também vai determinar alguns elementos e aí, com esse volume, nós vamos multiplicar a espessura, pela largura, pela extensão e eles vão ter o volume, aí, eles precisam comparar e ver se as jazidas que eles têm é suficiente ou não, caso não seja, eles precisam voltar, conseguir mais jazidas e aí, uma vez que eles têm valor insuficiente, está terminado e eles precisam entregar o relatório do projeto explicando como foi cada etapa do jogo.

Lenilda Luna: com o jogo, os estudantes formam grupos, interagem, discutem, debatem, eles vão dimensionando, tentando criar uma situação prática que é um desafio concreto que é preciso enfrentar para pavimentar uma estrada. E assim, o objetivo é que o aprendizado seja mais dinâmico e divertido...

Jessica Lima: sim e também lúdico né, porque o jogo, ele é bastante colorido, ele traz, tem uma interface bem lúdica, então, apesar de ser difícil, assim, eles às vezes reclamam, professora, achei que o jogo era mais fácil mas assim, ele não é um jogo fácil mas ele é divertido e eu apliquei questionários avaliativos depois com os alunos com a escala likert para determinar o nível de aprendizagem, se eles achavam que tinham apreendido mais do que com o método tradicional, se eles achavam que eles tinham se engajado mais e, mais ou menos 86%, se eu não me engano, se não me falha a memória, afirmam que aprendeu mais com esse método que com o método tradicional, que gostou mais de utilizar. Eu tô publicando um artigo que traz mais detalhes dessa coisa da análise comparativa do jogo com a metodologia tradicional.

Lenilda Luna: porque é um jogo didático específico para uma disciplina de um curso de Engenharia Civil, não é um jogo que, por exemplo, eu possa jogar sem ter nenhuma noção de dimensionamento, de utilização de materiais, de que tipo de materiais são usados no pavimento de uma estrada. Não é um jogo amplo, ele tem um objetivo específico.

Jessica Lima: é, exato, é um jogo que idealmente precisa estar sendo assistido por um professor que esteja ali, é uma metodologia ativa para ser utilizada em sala de aula, então, o professor ele tá assistindo, os alunos jogam mas o professor está sempre ali enquanto eles jogam tirando alguma dúvida, caso eles tenham algum problema.

Lenilda Luna: Eu estava pensando, aqui em tom de brincadeira, que a gente só descobre quantas camadas tem um pavimento asfáltico quando tem um buraco na estrada, aí o motorista descobre qual é a profundidade, quais os materiais usados (risos).

Jessica Lima: é, dependendo do tamanho do buraco, você vai conseguir ver todas as camadas (risos).

Lenilda Luna: E esse jogo, ele acabou sendo avaliado nacionalmente, utilizado por outras universidades e também recebeu um prêmio né. Conta um pouco pra gente.

Jessica Lima: isso, na verdade, não é utilizado ainda não,  a gente tá vendo como produzir, a gente tem um problema de falta de financiamento já que tudo foi financiado por mim e pela professora Dani. Tem também o problema da gráfica, a gente está tentando conseguir uma gráfica que aceite produzir porque como é um projeto muito inovador, diferente do que as gráficas geralmente produzem, nenhuma gráfica até agora que a gente conversou, aceitou colaborar. Mas, a ideia é sim produzir, levar para outras universidades, tem outros professores do Brasil todo que já entraram em contato porque eu tenho um projeto no Instagram que é o @atransportista onde eu divulgo informações sobre mobilidade e transporte e onde eu também venho divulgando o projeto do jogo e através desse instagram, vários professores entraram em contato comigo dizendo que se um dia eu fosse comercializar, eles teriam interesse, na verdade, que eles têm interesse, eu que tô tentando ver como organizar para produzir porque a produção que a gente fez foi muito artesanal, a gente que imprimiu e colou e não dá para ser assim se for para fazer mais unidades, fora que ficou muito caro. E sobre o prêmio, sim, ele foi premiado no Congresso Brasileiro de Engenharia, de Ensino de Engenharia, perdão, o Cobem, no mês de setembro e ele recebeu o primeiro prêmio na feira científica, eu fiquei bem contente com o resultado e não esperava, eu me inscrevi na feira científica porque eu tinha interesse em ir pro Cobenge, uma vez que eu tava trabalhando com metodologias ativas depois que eu fiz o curso na Ufal também e do contato com os alunos, eles sempre ficavam demandando a questão das metodologias ativas e aí, eu resolvi ir pra esse congresso que é um congresso que reúne as pessoas da engenharia, professores da engenharia que tem interesse de fato em trazer uma sala de aula mais divertida, mais lúdica, mais participativa para os  alunos e aí, acabei ganhando o primeiro prêmio e fiquei muito feliz. 

Lenilda Luna: parabéns, professora. Eu já vi o jogo e embora não seja um jogo que eu tenha conhecimento para jogar, vi que é mesmo um recurso didático interessante para quem é da área. Fica a chamada para parceria porque é um jogo, agora premiado nacionalmente em primeiro lugar no congresso da área. As gráficas, empresas que trabalham com recursos didáticos, podem patrocinar para que esse jogo seja distribuído nacionalmente. Já tem interesse certo, já tem a demanda, é só produzir o recurso.

Jessica Lima: # ajuda a gente pessoal.

Lenilda Luna: E como é mesmo o instagram para as pessoas terem conhecimento?

Jessica Lima: @atransportista, lá tem várias informações sobre o jogo, tem uma matéria que já saiu no site da Ufal, tem o link lá, tem uma matéria que já saiu também num jornal daqui, a TV Mar e tem vídeos sobre o jogo também, tem um destaque nos stories sobre o jogo.

Lenilda Luna:Parcerias aí para o jogo. Como é mesmo o nome do jogo?

Jessica Lima: Dimensione. Que é o jogo para ensinar a dimensionar pavimentos asfálticos pelo método DNIT. 

Lenilda Luna: então, vamos para as parcerias, para que o dimensione possa ser usado em sala de aula pelo Brasil inteiro. Vamos falar de outras questões, você está participando de uma ação sobre desafios urbanos que é um projeto internacional. Pode contar um pouco?

Jessica Lima: Para falar a verdade, eu ainda sei pouco sobre esse projeto. Foi um convite que surgiu através da ONU habitat e do Swedish Institute que é um Instituto Sueco. Eles entraram em contato na segunda-feira convidando para ir a Medellin, para participar de um projeto que se chama Urban Challenge, onde vão ser discutidos, parece-me, que são cinco problemas urbanos em cidades latino-americanas. Então, é uma iniciativa do Governo da Suécia que pediu auxílio da ONU habitat e vai trabalhar com pesquisadores e pessoas engajadas em mobilidade urbana do Brasil, México e da Colômbia e aí, foram selecionadas algumas pessoas, menos de 10 pessoas no Brasil, pelo que eles falaram, não tem ainda muitos números exatos, mas eu fiquei muito feliz com a seleção e nós vamos a Medellín no final de novembro para participar desse evento onde a gente vai tratar os casos, buscar soluções, é por isso que é urban challenge, porque vamos buscar soluções para esses problemas em cinco cidades mas, não vai ser só esse esse encontro em Medellin, vai ser um projeto, a gente vai virar fellow, a gente vai virar companheiro do Swedish Institute e da ONU habitat e vamos trabalhar durante 3 anos nesses projetos, então, após 3 anos também vai ter uma nova reunião pelo que já foi informado, pra que a gente veja os resultados do que foi feito. 

Lenilda Luna: pela sua experiência, entre as maiores cidades desses países, quais seriam os grandes desafios de mobilidade urbana?

Jessica Lima: olha, tem muitos. Mas o principal pelos que estão participando, é uma questão muito importante da mobilidade para pessoas de baixa renda. Medellín é muito famosa pelo tratamento urbano que foi dado na questão das favelas de lá e das quebradas , como eles chamam os bairros e assim, como aqui em Maceió, também já vieram vários especialistas colombianos participar, no ano passado veio o Alejandro Echeverri, se eu não me engano, é esse o nome dele, em junho, participar de um evento também promovido pela ONU habitat, então, principalmente essa questão da periferia e das mobilidades de pessoas de baixa renda, seria o principal ponto em comum que é bastante diferente do que é encontrado na Europa, na Suécia. E também tem esse interesse de entender melhor como funciona a questão fundiária no Brasil, a gente tem uma taxa de informalidade muito grande, a periferia como um todo tem a dificuldade de transporte. Em Maceió, por exemplo, uma cidade que é muito espraiada, como se chama as cidades espalhadas territorialmente, então, você tem processo de deslocamento pendular casa-trabalho muito longo, muitas vezes, então você tem um distanciamento das pessoas de baixa renda que obrigam elas a terem deslocamentos pendulares todos os dias, muito elevados, com tempo de deslocamento muito elevado e isso de certa forma é geral na América Latina. 

Lenilda Luna: e a gente aqui, por exemplo, depende muito de ônibus, quem não tem carro particular, é o ônibus. Não tem metrô, não tem um BRT, agora que tem um VLT, mas só em uma linha que é para quem vai do Centro para Rio Largo passando por Bebedouro. Temos esse desafio de desenvolver mais o transporte coletivo e menos essa quantidade enorme de carros particulares com uma ou duas pessoas em avenidas congestionadas.

Jessica Lima: então, é porque, na verdade, existe uma relação muito próxima do transporte com o uso do solo porque, na verdade, é como uma coisa mais ou menos “o que vem primeiro: o ovo ou a galinha” né? Porque o fato de Maceió ser tão espraiada faz com que o deslocamento motorizado seja necessário e aí, por isso, as pessoas ficam dependentes do ônibus e carro, se ela fosse mais densa, as pessoas poderiam de repente, optar por outros tipos de deslocamento ativos, por exemplo, usar a bicicleta ou transporte a pé, até o fato dela ser espalhada, torna as pessoas dependentes do ônibus, ao mesmo tempo, o fato dela ser espalhada torna muitas vezes inviável o uso de metrô, porque é muito caro você operar metrô, BRT nem tanto mas metrô é muito caro, então, a gente precisa estudar bem para ver se também existe a possibilidade de acordo com a demanda, porque não é só uma questão de “ah, vou colocar o metrô aqui”, para você ter um sistema de metrô que funciona devidamente, ele precisa ter uma demanda adequada também, em Maceió não é ainda uma cidade com esse porte, ainda mais que é muito espalhada.

Lenilda Luna: e precisa de muita consultoria também dos engenheiros para essa questão de investimentos públicos porque, por exemplo, a Via Expressa, ela deveria ter uma ciclovia, essa ciclovia a gente vê que foi comida pelo mato né, ela não existe e as pessoas se deslocam diariamente de bicicleta, principalmente os trabalhadores da construção civil correndo risco na beira do asfalto e é risco também para o motorista porque ele vai desviar da bicicleta, aí pode acabar colidindo com o carro, com a moto, que agora, você dirige entre uma fileira de bicicleta, uma fileira de moto e outro carro, é um desafio realmente.

Jessica Lima: é, de fato, é um desafio e o que você colocou de fato tem toda razão porque principalmente, o deslocamento por bicicleta hoje é feito por pessoas do mais baixo estrato de renda e aí, são problemas porque essas pessoas têm muito pouco poder político. Geralmente, quando você começa a ver alguma mudança nesse sentido é justamente quando a classe média se apropria da luta e diz “não, a gente agora vai lutar também, vai mostrar que por aqui passam pessoas.” Existe um trabalho muito bonito no Brasil do ativismo da bicicleta né, tem rendido vários livros sobre a bicicleta no Brasil, tem muitas associações que fazem esse trabalho de contagem porque também muitas vezes, tradicionalmente, na engenharia de tráfego, as bicicletas são sumariamente ignorados porque as pessoas acham que elas tão fazendo o planejamento tráfego única e exclusivamente para os carros, acontece que existe uma frase que eu acho o máximo que é o seguinte: você construir vias esperando resolver o problema de congestionamento é a mesma coisa que você afrouxar o cinto para combater a obesidade porque não adianta de nada. Construir via induz a demanda por automóvel, então, você tá construindo, alargando a via, construindo o viaduto, que é o que estão fazendo direto aqui em Maceió e na verdade, o que você tá fazendo é aumentando e induzindo a demanda e ao mesmo tempo, existem vários estudos que mostram que a destruição dessas infraestruturas viárias nas cidades trazem uma redução da demanda e ela acaba melhorando o tráfego, é difícil falar porque a gente tem pouco tempo mas quem quiser mais informação sobre isso, vai lá no instagram @atransportistica que tenho trazido esses dados e tentando mostrar para as pessoas que outra mobilidade é possível e que a alargar via e construir viaduto é uma solução impossível, tem vias de 24 faixas no Estados Unidos que é o país que mais incentivou esse desenvolvimento carrocentrico 100% congestionadas, então, não adianta. Mesmo que a gente tivesse o dinheiro que os Estados Unidos tem para investir em infraestrutura Viária, ainda assim, a gente não ia conseguir suprir com infraestrutura viária a demanda que os automóveis criam.

Lenilda Luna: é, mesmo quem não conhece Nova York, nos filmes famosos, aparecem cenas no congestionamento dessa cidade e aqui, a gente também vive isso. Por exemplo, tem vários estudantes da Ufal que moram no Benedito Bentes que é bem perto daqui, mas para vir ônibus de lá para cá, não tem ônibus direto, o ônibus faz um trajeto enorme. Daria para vir de bicicleta tranquilamente, mas não tem ciclovia. Alguns estudantes que vem, correm o risco que os trabalhadores da construção civil correm diariamente, de serem atingidos por um carro no acostamento de uma pista que nem acostamento né. Tem uma faixa da pista e não tem acostamento mesmo, na verdade, na Via Expressa. Então tudo isso tem que ser pensado, são muitas coisas...

Jessica Lima: exatamente, na verdade, na Via Expressa não tem nem acostamento nem calçada, ela foi uma via que me impactou muito quando eu cheguei porque eu vim fazer o concurso e eu fiquei hospedada na Via Expressa, eu fiquei horrorizada, eu disse: meu Deus, como é essa via? Mas, de fato. E é interessante porque a via que eu tinha falado fica em Los Angeles mas em Nova York, apesar dos congestionamentos, ela tem tido, teve um prefeito que se interessou muito e teve a secretária de Transportes que foi a Janette Sadik-Khan e tem um ted talk dela excelente, inclusive, e que ela foi muito boa, muito ativa nessa coisa do urbanismo tático e foi ela quem fechou a Broadway, a Broadway recentemente foi fechada para automóveis, ali era um congestionamento infernal e ela fechou a via e hoje ela é 100% de deslocamento de pedestres, com isso, ela melhorou 44% do tempo de deslocamento na região de Manhattan, você veja, ela não abriu uma via para melhorar, ela fechou uma via  e assim, foi melhorado o trânsito, são essas coisas, por exemplo, querer abrir o Vera Arruda achando que isso vai solucionar do trânsito, não vai, porque você levar o trânsito para vir aos locais, não vai melhorar, necessariamente, entendeu? Você não pode simplesmente induzir porque você acha que abrindo caminho, ele vai melhorar. As pessoas tradicionalmente, na área de transporte, usavam os métodos que já existiam na mecânica dos fluidos, só que as pessoas, elas não são moléculas de água, elas são bem diferentes, elas pensam diferente, elas têm estímulos muito diferentes, então, você precisa ter em mente isso também para fazer pesquisa em planejamento de transportes e trânsito porque de fato, não acontece como acontece necessariamente nos cursos de água que é o que tradicionalmente usavam. Hoje já sabe que não mas ainda tem gente no Brasil, muita gente usando esses modelos como se eles fossem categoricamente verdade e não são. 

Lenilda Luna: nós sabemos que você vai levar ideias inovadoras para esse projeto de Medellín e com essa concepção: que é importante pensar a cidade para as pessoas e não para os carros...

Jessica Lima: sim, porque quem precisa chegar nos lugares são as pessoas. Eu sempre falo isso, o objetivo das pessoas de usar o meio de transporte não é pelo meio de transporte, você não ta indo de carro porque você quer andar de carro, você tá indo de carro porque geralmente no Brasil, que a maior parte das cidades são planejadas para carros, elas tão indo de carro porque ele oferece vantagens em relação aos outros meios. Eu tava até conversando com outra professora daqui, a professora Diana Helene, que tá dando uma palestra agora aqui ao lado e ela falando que ela acabou de chegar em Maceió e ela não tem carteira de motorista,ela tem 40 anos, nunca dirigiu e agora ela tá sentindo a necessidade de ter uma carteira de motorista porque o deslocamento para chegar a Ufal é muito difícil e a urbanização da cidade, no geral, melhora na parte de baixo, então, são quase 20 km que você precisar se transpor todos os dias e ela sente a necessidade, com a filha, ainda mais, de ter um carro aqui, coisa que ela nunca sentiu antes, ela já morou no Rio, morou em São Paulo, em várias cidades, ela nunca sentiu. Ao mesmo tempo, ela me falou que a mãe dela sempre foi muito carrocrata, que a gente chama, sempre usou muito o carro pra tudo e hoje, em São Paulo, ela tá usando muito mais o ônibus e justificando por isso, porque ela diz: eu saio de ônibus e chego em 10 minutos, eu vou de carro, vou levar 40, então, no geral, na minha concepção, é isso, é o tempo de deslocamento, principalmente, porque toda cidade do mundo, se a gente for ver, como você falou, que usa sistema de metrô, Tóquio, Paris, Nova York, no horário de pico é cheio. Em Tóquio, eles tem pessoas que são contratadas para empurrar as pessoas para dentro do vagão, então, é muito cheio, muito desconfortável mas é muito mais rápido e muito mais barato, então, as pessoas preferem tá por 10 minutos num lugar confinado do que ficar 40, 50 minutos no carro, tendo que pagar cinco vezes mais, enfim, tem uma série de políticas, tem essa de você priorizar o transporte público nos deslocamentos de forma que seja mais rápido, tem a questão de você pensar as rotas, como você falou, para que os estudantes, para que as pessoas sejam contempladas nos seus desejos né e aí, isso também tem uma série de problemas no planejamento tradicional de transporte que ele invisibiliza muitos grupos de pessoas, porque ele condiciona o planejamento principalmente a estudo e trabalho formais e a gente sabe que o Brasil tem uma taxa de 40% de trabalho informal, e muitas vezes, quem faz deslocamento casa-trabalho são, principalmente, os homens, então também invisibiliza os deslocamentos das mulheres que estão concatenados, a gente chama encadeados, a mulher sai de casa, vai no supermercado, vai levar o filho, vai para o trabalho, volta, então, a centralidade da mulher é em casa e ela se ocupa dos trabalhos de deslocamento de saúde, de compras, da família, do modo geral e os homens não, os homens tem o trabalho e faz os deslocamentos pendulares e o planejamento tradicional foca nesse deslocamento pendular, então, de certa forma, ele invisibiliza a mulher e bom, aí tem uma série de outras soluções que podem ser feitas com políticas de estacionamento, que também aqui em Maceió, não é falado, não tem a zona azul, por exemplo, então, o Estado perde de ganhar muito dinheiro com arrecadação do estacionamento e ele gasta absurdamente com estacionamento gratuito para os carros, então, tem um estudo de Eduardo Vasconcelos, no livro dele sobre transportes que ele mostra que por ano, no Brasil, são desperdiçados nove bilhões de reais simplesmente com o recapeamento de vias que são desnecessariamente largas para estacionamento porque as vias elas precisam ter 10 m mais ou menos de largura e elas acabam tendo 20 para que as pessoas possam estacionar mesmo em vias de caráter local e aí, com isso, você com esse a mais por ano no Brasil, chega a 9 bilhões. Então, você veja, o país que tá querendo reduzir os custos, os gastos, etc, no cenário completo de austeridade mas ninguém pensa nisso, ninguém fala nisso, ninguém, mesmo no meio de transporte, são raras as pessoas que chegam a refletir sobre essa questão de você ter um espaço tão grande dedicado né, aos automóveis, que é um grande subsídio, não deixa de ser um subsídio, você tá gastando. O que você mais vê por Maceió é via asfaltada, via nova asfaltada e as calçadas, mesmo na zona nobre da cidade, você tem uma infinidade de calçadas inexistentes, você tem uma infinidade de calçadas que são sumariamente desrespeitadas pelos comerciantes, por gente estacionando em cima da rua e o pedestre tem que passar pela via que também,  realmente é um perigo, você falou da questão do perigo à vida, de fato, hoje, no Brasil, 40 mil pessoas por ano morrem de acidente de transportes, isso dá 90 e tantas pessoas por dia. Quando cai um avião, as pessoas falam: meu Deus, caiu um avião, mas, por dia morrem um grande percentual de pessoas que haveria no avião, então, é isso, entendeu? Que tipo de política você tá priorizando? Isso tem uma infinidade de custos, tem a questão do custo respiratório também, as pessoas andam de carro, aí você tem uma emissão muito alta, as pessoas ficam doentes de problemas respiratórios, têm quase a mesma quantidade de pessoas que morrem de acidente de carro, transporte, aliás, mais, 50 e tantas mil, no instagram tem o dado certinho, morreram de problemas respiratórios ligados a poluição causada pelos transportes, em 2017, mais de 50 mil pessoas. 

Lenilda Luna: professora, eu já vi que dariam horas de programa aqui pra conversar mas a gente já está no nosso limite de tempo, então, eu quero só que você fale rapidinho sobre esse convite para participar de uma atividade sobre inovação e empreendedorismo focando as mulheres e que vai acontecer no Museu do Amanhã no Rio de Janeiro. 

Jessica Lima: isso, foi uma chamada nacional que aconteceu do Museu do Amanhã em parceria com o British Council e aí, eles abriram chamada e lançaram a seleção, eu me candidatei e fui selecionada, fui eu e eu sei que foram mais duas outras pesquisadoras alagoanas selecionadas que já participaram na primeira turma em agosto. Foram contempladas 72 mulheres e vamos passar uma semana lá no Rio tendo treinamentos sobre inovação, empreendedorismo e pesquisas relacionadas a gênero que também é algo que é necessário ser fortalecido dentro das engenharias e das ciências exatas porque muitas vezes, as mulheres que estudam e trabalham nestas áreas ainda se sentem, ainda são muito invisibilizadas e ainda sofrem uma carga considerável de machismo estrutural, enfim, então, é muito importante fortalecer, criar grupos de pesquisa, criar conversar com as meninas dos cursos de Engenharia, de Matemática, das Ciências Exatas como um todo para tornar menos menos difícil a passagem delas pela Universidade, para empoderar e potencializar o que ela tem para oferecer. 

Lenilda Luna: então, professora já fica combinado que quando a senhora voltar lá do Rio de Janeiro e de Medellín, vem aqui para o programa Ufal e Sociedade porque temos muitos outros assuntos para conversar. Parabéns mesmo pelo trabalho, por esses convites, pelo prêmio do jogo. Vamos também noticiar futuramente, com certeza, a parceria para que ele possa ser produzido e comercializado e distribuído para as outras universidades. Obrigada por sua participação aqui no programa. 

Jessica Lima: eu que agradeço, Lenilda. É sempre um prazer participar aqui junto com a Ascom e divulgar, é muito importante a gente divulgar o que está sendo feito porque torna visível as ações, então, muita obrigada por essa oportunidade. 

Lenilda Luna: Essa entrevista vai ser reprisada às 17h. Você também pode também ouví-la e baixá-la no podcast da Ufal, no link radio.ufal.br 

Até a próxima.