História atemporal: estudos na Ufal rememoram a identidade alagoana

Produções tiveram apoio da Fapeal e material de pesquisa na APA
Por Tárcila Cabral - Ascom Fapeal
10/07/2018 11h49 - Atualizado em 12/07/2018 às 12h57
Pesquisadores contextualizaram parte da história de Alagoas. Foto: Tárcila Cabral

Pesquisadores contextualizaram parte da história de Alagoas. Foto: Tárcila Cabral

A obra A ordem médica sobre o Alagadiço: Higienismo e epidemias na Alagoas Imperial (1850-1882), fruto do mestrado em História de Oseas Batista, na Ufal, tem contextos bem atuais. O trabalho teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) como incentivo a produções que analisam e popularizam contextualidades históricas. 

Embasado por uma imersão na História Brasileira — disciplina ministrada pelo seu orientador Gian Carlo Silva, o seu interesse de pesquisa surgiu por meio da leitura de um texto que provocou conexões de reflexão acerca dos impactos causados em Alagoas pelas epidemias no século 19, das quais a cólera, febre amarela e varíola. 

Oseas ressalta que as questões observadas pelo autor João José Reis, na Bahia, também eram encontradas no Estado, os dilemas das doenças mudam a reforma cemiterial, e as questões médicas alteram os costumes desta sociedade. A partir deste momento, por exemplo, os cadáveres não poderiam mais ser velados em público, pois existia a crença de que eles causariam algum tipo de doença ou epidemia. Neste ensejo, também foram pesquisadas as estratégias adotadas pelas comissões de salubridade pública governamental e provincial da época, e como os indivíduos reagiam a um cenário crítico instaurado. 

Principais Impactos 

Partindo para o cenário do século 19 foram gerados dois impactos principais: o quadro de mortalidade, que é possível ser observado numa retrospectiva ligada a fatores sociais, como a alimentação escassa e a falta de medicamentos. E o efeito mais sério, representando a mudança na conjuntura alagoana neste século, porque através desta política higienista os médicos alteram costumes tentando reformar e medicalizar esta sociedade. 

As experiências impactaram não só a época, como despertam transições para o estabelecimento do comportamento das gerações futuras. O termo “higienismo” foi atribuído no contexto das práticas do século 19, que transformaram instruções médicas em procedimentos importantes ainda utilizadas atualmente. A partir desta tendência, por exemplo, não existiriam mais os grandes cortejos de cadáveres, o que era um costume bem arraigado desde o Brasil Colonial. 

Os novos procedimentos introduzidos também possibilitaram um olhar mais atento à chamada “medicina social’ que surgiu na França no século 18, e chegou em Alagoas no século seguinte. Este segmento trouxe consigo mudanças nos hábitos reproduzidos na saúde provincial, o que foi analisado pelo acadêmico nos documentos do Arquivo Público de Alagoas (APA). 

“Eu consigo observar sinais e indícios deste tipo de pensamento no século 19. É uma técnica de mudar um ambiente natural para um ambiente racionalizado e medicalizado”, explica o estudioso. 

Com a conclusão da pesquisa, Oseas argumentou que o higienismo em Alagoas se inseria num campo de mudanças sociais, e que os indivíduos agiam de acordo com as suas situações e possibilidades tanto na cura destas doenças, quanto nas estratégias de abordagem. 

“O nosso principal papel do grupo Nescem, Núcleo de Escravidão Sociedade Escravidão e Mestiçagem, é escrever uma história de Alagoas e escrever uma história para o nosso tempo”, completa o historiador falando de seu nicho na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). 

Para o mestrando, o fomento da Fapeal na pesquisa é importante porque incentivou diretamente um resgate deste acervo histórico e uma produção, contribuindo para o alagoano compreender melhor sua identidade. 

Graduação na ciência 

O estudo do pesquisador Gian Carlo Silva foi aprovado, em 2016, na chamada de Apoio a Pesquisas nos Programas de Pós-graduação de Humanidades, lançada pela Fapeal. Com o tema História da escravidão e da sociedade em Alagoas: conceitos, instituições, dinâmicas sociais, econômicas e culturais, o projeto inseriu bolsistas de graduação. Uma delas foi Amanda Mafra, que se envolveu nas atividades de pesquisa, e aproveitou a temática no seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). 

Com o título Flores negras: Um estudo sobre escravidão doméstica em Alagoas, a estudante analisou a trajetória histórica das escravas domésticas na segunda metade do século 19.  Neste estudo, Amanda Mafra contou com documentos do APA para vislumbrar facetas do que era o cotidiano das escravas em Alagoas dentro deste recorte temporal. Porém, a construção do texto requereu um aprofundamento mais cuidadoso, por ser um tema que remetia a aspectos muito particulares e de privacidade do contexto social da época, o desafio era analisar o que não foi dito. 

“Eu, em minha pesquisa, dois séculos depois dos acontecimentos, busquei entender o que se passava ali naquele contexto, pois era complexo. No entanto, através das leituras de diversos documentos oficiais, eu consegui construir uma análise do discurso das entrelinhas do que não era dito abertamente”, explica a estudante. 

Ela utilizou como base para sua pesquisa os anúncios de jornais, principalmente, uma carta de alforria e um interrogatório de polícia de uma escrava fugida. 

Os anúncios abordavam a compra, venda ou fuga de escravas para o trabalho doméstico, e examinando-os, Amanda compreendia o que se buscava num modelo de escrava para o serviço da casa. Era possível entender os aspectos deste padrão pelas descrições contidas nos textos de oferta, sendo comumente citado neles, por exemplo, que as mulheres não tinham vícios e nem achaques, que eram de muito boa conduta, de confiança, e tinham boa aparência. 

Estas características eram sempre salientadas para a compra e venda de mulheres, mas por outro lado, os anúncios de fuga traziam aspectos que permitiam entender quais eram os desafios nesta relação de força do cotidiano. Esta segunda análise era exposta por meio das marcas de castigo, ou na quantidade de fugas de uma mesma escrava. 

No interrogatório estudado, a aluna conseguiu entender qual era o contexto em que a fuga ocorreu. A escrava narrava que gostaria de mudar de senhora, então isto já demonstrava um problema específico, e foi assim com todas as análises, segundo Amanda. O contexto real aparecia conforme os documentos eram vistos e estudados de acordo com as perspectivas da época. 

Na finalização da pesquisa, foi demonstrada a visão de que existia um ideal de escrava doméstica no período, mas que se tinha uma resistência a este modelo também. As diferentes formas de empreender a esta luta estavam surgindo, sendo observadas até mesmo quando estas mulheres negras não se encaixavam no perfil estipulado. A introdução deste discurso que reluta contra tais concepções já demonstra o início da narrativa familiar presente nos movimentos negros atuais. Apesar da estética observada ser diferente, já se partilhava do mesmo princípio. 

“E isto é o que dá o sentido da pesquisa, que ela tenha uma questão no presente sendo atemporal, tendo algo que ainda esteja ecoando citando alguma inquietação neste que poderia ser o princípio de um movimento que começou”, conclui Amanda.