Crânio de ‘flautista’ de dois mil anos ganha face com apoio da Ufal

Professor do Campus do Sertão faz parte da equipe multidisciplinar responsável pelo projeto; resultado será apresentado no dia 24 de abril

09/03/2018 10h54 - Atualizado em 22/11/2021 às 09h05
Reconstituição 3D do crânio a partir de dados fotográficos. Foto: Museu Unicap

Reconstituição 3D do crânio a partir de dados fotográficos. Foto: Museu Unicap

Ascom Ufal com Museu de Arqueologia/Unicap

Parece história de ficção científica, mas não é. Graças à técnica de Reconstrução Facial Forense um crânio de aproximadamente dois mil anos, pertencente ao acervo científico do Museu de Arqueologia da Universidade Católica de Pernambuco, terá a sua face reconstruída pelas mãos da ciência. O arqueólogo Flávio Moraes, professor do curso de História do Campus do Sertão da Ufal, faz parte da equipe multidisciplinar encarregada da missão.

Além dele, estão envolvidos a bióloga e coordenadora do Museu de Arqueologia da Unicap, Roberta Richard Pinto, o cirurgião plástico Pablo Maricevich, o 3D designer Cicero Moraes, o vice-coordenador da Pós-graduação em Ciências da Religião da Unicap Luiz Carlos Marques e a arqueóloga Daniela Cisneiros Silva Mützenberg.  

Resultado de uma escavação iniciada ainda na década de 80, pela arqueóloga Jeannette Maria Dias de Lima, então coordenadora do Laboratório de Arqueologia da Unicap, o material osteológico humano proveniente do Sítio Furna do Estrago proporcionou a ampliação do conhecimento acerca das condições de saúde de povos que viveram na Pré-história, bem como seus padrões de sepultamento e consequentemente sua relação com o universo cosmológico.

O crânio, objeto deste estudo é de um indivíduo adulto, de aproximadamente 45 anos, do sexo masculino. Ele destacou-se, entre os demais 83 encontrados no sítio arqueológico, por particularidades de seu esqueleto e dos elementos enterrados com o corpo. “Chamou a atenção, em primeiro lugar, uma flauta, confeccionada possivelmente em uma tíbia humana, que o falecido portava entre os braços, por isso o nome ‘o flautista’. De seu ‘enxoval’ funerário constavam ainda, 22 contas de semente, restos de um provável colar, e fibras vegetais envolvendo o crânio, como preparação para o sepultamento. O indivíduo apresenta ainda sinais de uma fratura na bacia (também preservada no sítio), perfeitamente cicatrizada e de abcessos no crânio na região da mandíbula”, relatam os pesquisadores.

Eles completam a análise com detalhes interessantes: “A flauta, tão carinhosamente colocada e a fratura consolidada podem falar muito do nível cultural daquela sociedade: de cuidados intensos durante o longo período de imobilidade, e do gosto musical e de eventuais cerimônias de cunho religioso. Já os abcessos provenientes, provavelmente, de processos infecciosos encontrados em grande número nos demais esqueletos do sítio, mais frequentes nos homens que nas mulheres, sugerem diferenças na composição da dieta da comunidade da Furna do Estrago. Uma dieta mais diversificada de vegetais essencialmente duros e de composição abrasiva e, portanto, não exclusivamente carnívora. Fato também comprovado através da análise das fezes em outros estudos, em que se encontraram diversas fibras vegetais”.

Sobre a missão

A primeira parte do projeto consistiu em digitalizar o crânio (catalogado como FE11) em 3D, utilizando-se a técnica de fotogrametria, grosso modo, um escaneamento 3D feito a partir de fotografias digitais. Uma vez que o crânio é digitalizado, os especialistas poderão modelar sobre ele os músculos principais da face e complementam com o restante dos chamados tecidos moles (gorduras, glândulas, etc.), projetando a espessura da pele com tabelas estatísticas levantadas em uma população próxima à do crânio. Todo o trabalho é feito tomando como base uma vasta bibliografia científica produzida desde o ano de 1895, explicam os membros da equipe.

O resultado do trabalho será apresentado no dia 24 de abril às 19 horas, em um evento aberto à comunidade, promovido pelo Museu de Arqueologia da Universidade Católica de Pernambuco e contará com a presença de todos os especialistas envolvidos no projeto.

“A reconstituição facial de um crânio proveniente de sítio arqueológico pré-histórico, na região Nordeste do Brasil, é um trabalho inovador e, portanto, tem nos proporcionado uma grande satisfação, e desejo de vermos  o resultado e a reação da comunidade em geral. Está sendo um grande prazer trabalhar em conjunto por um objetivo comum, com profissionais de tão elevado nível e de áreas tão diversas”, destacou o professor Flávio Moraes, explicando que a reconstituição facial deste indivíduo possibilitará conhecer a face da população pré-histórica da Furna do Estrago que vem sendo associada ao Homem Nordestino.

Sobre a Técnica de Reconstrução Facial

A Reconstrução Facial Forense (RFF) é uma técnica auxiliar de reconhecimento facial, que utiliza um crânio para aproximar a aparência de um indivíduo em vida. Os métodos de referência  foram desenvolvidos utilizando a técnica de escultura manual, mas hoje em dia parte significativa dos especialistas trocaram a argila pelo mouse, digitalizando todo o processo.

Para se proceder com a RFF optou-se pela fotogrametria para digitalizar o crânio do “Flautista”, uma técnica que utiliza uma série de fotografias (de 30 a 70 tomadas) do crânio tiradas em círculo e enviadas a um programa de computador que converte a sequência de imagens em um objeto tridimensional. Os pesquisadores explicam que na segunda etapa o crânio é alinhado segundo o Plano de Frankfurt, que simula a posição do rosto quando o indivíduo está em pé. Em seguida, são distribuídos ao longo da estrutura uma série de pinos, conhecidos como marcadores de espessura de tecido mole. Esses marcadores são posicionados em pontos conhecidos do crânio e são fruto de um levantamento feito em populações específicas para saber qual a espessura de tecido mole aquela região contém, como pele, músculos, gordura e etc.

A estrutura recebe, então, uma espécie de massa virtual, que é esculpida utilizando como base as projeções feitas na etapa anterior. Assim que a face básica é finalizada ela ganha a pigmentação e os cabelos. A equipe do projeto ressalta que todo o trabalho foi feito com software livre e gratuito, disponível para download.

A experiência do professor Flávio Moraes nessa missão será compartilhada com o Núcleo de Pesquisa e Estudos Arqueológicos e Históricos da Ufal, coordenado por ele. “O Nupeah-Sertão tem buscado estabelecer parcerias com outras instituições e pesquisadores no sentido de desenvolver o conhecimento arqueológico, especialmente no campo de contextos funerários de populações indígenas”, destaca o professor com a satisfação de mais um importante trabalho concluído.