Evento discute desafios da comunicação representativa e semiótica

Livro digital do Ciseco foi lançado oficialmente em Alagoas
Por Beatriz Carvalho e Tárcila Cabral
04/12/2018 09h22 - Atualizado em 22/11/2021 às 09h05
Último dia do Ciseco 2018 em Japaratinga. Fotos: Jônatas Oliveira

Último dia do Ciseco 2018 em Japaratinga. Fotos: Jônatas Oliveira

Com o intuito de contemplar temáticas sociais e democráticas o encerramento do Centro Internacional de Semiótica e Comunicação (Ciseco), no último fim de semana, recebeu Laura Guimarães, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A o estudo Intelectuais negras em tempos de intensa midiatização: reflexões sobre representação e representatividade. Sua pesquisa percebe que os homens brancos são relacionados com a razão e cultura, as mulheres com a natureza, a instabilidade e as emoções. O corpo negro aparece na mídia enquanto portador de sexualidade exacerbada ou relacionado ao talento nato, como no caso de músicos e atletas. Há também a representação de ousadia, riso, transgressão e violência.

A fala da pesquisadora critica a publicidade: “As pessoas negras aparecem sem família e sem casa, sem história de pertencimento e lares afetivos e humanos. Mostram o negro como pessoas carentes e necessitadas de programas sociais”, argumenta analisando um conjunto de imagens. Nas peças mais recentes ocorre uma valorização da estética, disputando a representação dessas mulheres. Por outro lado, youtubers com forte discurso contra o racismo nas redes sociais, aparecem silenciadas dentro dessas campanhas.

Corrêa dialoga com a representatividade dos interesses políticos de um grupo por seus membros, o que ajuda a ampliar debates e fortalece a democracia. A representação política brasileira é homogênea e se compreende que o poder deve ser delegado apenas a quem já o tem. Não é possível empoderar alguém, essa ideia assume um papel paternalista e de fachada. Laura aborda a autoetnografia, onde narrativas de suas experiências com o racismo podem produzir saber.

As intelectuais negras de pele escura analisadas pela estudiosa são Djamila Ribeiro, Giovana Xavier e Joice Berth. Elas validam seu poder e aparecem em lugares que geram incômodo dentro de uma sociedade que oprime certas identidades em detrimento de outras. Estão em casa, na universidade, em hotéis, em lançamento dos seus próprios livros, por exemplo. É um processo de valorização, onde definem e constroem suas imagens.

Representando a Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Aruã Lima, apresentou a mesa A primeira vítima da guerra: dos estatutos de verdade e realidade no mundo contemporâneo. O historiador iniciou o debate questionando a própria ideia de “fatos reais”, tão popularizada, mas que pressupõe a existência daqueles que não são reais. Para o pesquisador, diante da supervalorização da linguagem, vemos o estatuto da verdade questionada. Isso se dá por uma eterna dificuldade de não se desvencilhar de certos monopólios de evidência. Ele questiona onde um fato será esclarecido da melhor forma: no relatório policial ou no depoimento de um transeunte?

A ideia da mentira é apresentada como um ato violento, a morte do outro com a língua enquanto arma. Ampliando a própria temática da violência, a exposição abordou as mentiras no contexto da Primavera Árabe. “A noção de guerra mudou muito, há cem anos atrás, no início da primeira guerra mundial, há uma declaração de guerra formal”, diz o historiador. Aruã avalia que o conceito antigo de guerra pressupõe a possibilidade de retorno, incompatível com a definição contemporânea do que ocorre na Síria, por exemplo. Lima pontua que é preciso definir e compreender o nosso mundo e tempo diante desse cenário. Pela manhã, as mesas foram coordenadas por José Luiz Aidar Prado, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Semiose e democracia

Concluindo as temáticas da semana o professor da Universidade de Brasília (UNB), Pedro Russi argumentou acerca das Semióticas cotidianas, a necessidade de outras epistemes ressignificações inferenciais. O acadêmico abordou que a subversão humana se torna pedagógica para a resistência, onde a força deve ter um espaço de autonomia, mas que em tempos de patriarcado esta palavra tem alcançado significados rudimentares.

O pesquisador reforça que, se colocar neste processo de identificação com o propósito de mudança e inquietação é uma tarefa semiótica, sempre em movimento. Deve-se pensar na construção dos objetos como itens que se tornam gestos, de atribuição de valor simbólico.

Contextualizando ainda com o desafio do momento num exercício democrático, Russi explica que é preciso trazer para o âmbito pedagógico um lugar de resistência, onde se torna alguém, se representa. O comunicador faz um convite para se pensar a democracia como um gesto, fora do senso comum, sem aspectos usuais: “O objeto construído no artesanato não é apenas o que é visto, é um saber de uma história oral, de uma geometria, de uma variabilidade de materiais, de tempo, de estudo e técnicas”, frisa o comunicador.

 Na atualidade esta inquietude que enfrenta o complexo propõe reconfigurar a democracia num gesto de liberar a energia, que insiste numa olhada poética, fazendo conexões que não foram pensadas, relacionando assim o não relacionável. Os gestos micropolíticos e subjetivos nos espaços de pesquisa e de aula, participam da reconfiguração e resistência da democracia. O estudioso explica que desconolonizar este espaço não é uma teoria ou categoria que se olha num manual, é um ato de desconfiança que se duvida até de uma própria olhada, este mecanismo é um processo.

 “Nós chegamos neste momento histórico porque nos acomodamos, um colonialismo interno passou a nascer da negação do gesto, com os outros impondo seus saberes, quem pode e quem não pode falar, se expressar ou discutir”, conclui o teórico. Sua visão periférica incorpora uma percepção corporal, que não se embasa nos moldes tradicionais e individuais, mas sim no coletivo.

Lançamento de livro e novos projetos

O livro digital da edição anterior do evento, o e-book Circulação Discursiva e Transformação da Sociedade, foi lançado durante o Ciseco 2018.  A conferência principal nesta ocasião teve exposições de Suzanne Chevigné, do Centre National de la Recherche Scientifique, na França e Gastón Cingolani, da Universidad Nacional de las Artes, na Argentina, tratando da pesquisa Relações entre midiatizações, sociedades democráticas e racionalidade individual: apontamentos sobre textos encontrados no Arquivo de Eliseo Verón. A fala teve foco na importância desse material e nas reflexões presentes nos textos do cientista falecido em 2014, que dá nome ao auditório onde o evento ocorreu.

De acordo com os organizadores, esse conteúdo pode ser reunido e publicado no formato de artigo ou livro, com o tema Sociedade Divergente, também um possível título. Os textos impressos contam com notas de caneta feitas pelo pesquisador, além de páginas inteiras de reflexões manuscritas. Tratam dos indivíduos e seus comportamentos e analisa as divergências provocadas pela comunicação: ela existe no meio e nos participantes enquanto origem e tensão. Percebendo essas questões, também problematiza as estratégias dos meios que não obrigatoriamente se denunciam, agindo intencionalmente para ser ou não consciente ou prevista.

As anotações de Verón apresentam o individualismo em três tipos, o primeiro trata daquele que se enxerga enquanto único e não se identifica em grupos. O segundo possui forte identificação com os seus grupos, que se reconhece diferente de outros. O terceiro, trata dos indivíduos em grupos com o sentimento de não pertencimento em relação à sociedade, como ocorre nos grupos antissistema. Essa questão pode produzir uma característica agressiva, porque produz crises de identidade. A fala aponta para o papel da linguagem enquanto redefinição. Para os pesquisadores, o sistema político questiona cada vez menos as representações identitárias.