Pesquisadores comemoram tombamento da Serra da Barriga como Patrimônio Cultural do Mercosul

Arqueólogos e historiadores da Ufal participaram da equipe que elaborou o dossiê

01/06/2017 12h18 - Atualizado em 08/06/2017 às 11h44
Serra da Barriga. Foto: Iphan

Serra da Barriga. Foto: Iphan

Lenilda Luna - jornalista

A Serra da Barriga, localizada em União dos Palmares, no estado de Alagoas, com todo o seu simbolismo de resistência, já foi objeto de estudos, ao longo de décadas, realizados por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas, principalmente nas investigações de História, Arqueologia e Antropologia, mas também há trabalhos em Nutrição, Geografia e Medicina. O local que abrigou o Quilombo dos Palmares é uma referência reconhecida como Patrimônio Nacional ainda na década de 1980, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). 

A partir de 2015, o Iphan propôs tornar a Serra da Barriga um patrimônio do Mercosul e, para isso, convidou pesquisadores para a formulação de um dossiê apresentando a história, as características atuais e a importância do local como referência geográfica, cultural e histórica. Os pesquisadores da Ufal que colaboraram com a comissão indicada pelo Iphan foram os historiadores Aruã Lima, Clara Suassuna e Zezito Araújo e, o antropólogo Siloé Soares de Amorim. Também compuseram a equipe de colaboradores externos Cláudia Puentes, pela Secretaria de Cultura do Estado de Alagoas, e Élida Miranda, pela Fundação Cultural Palmares.

O Grupo de trabalho para a candidatura para reconhecimento da Serra da Barriga – parte mais acantilada como Patrimônio Cultural do Mercosul do Iphan foi coordenado por Marcelo Brito, assessor de Relações Internacionais, e contou, na equipe local com Greciene Lopes dos Santos Maciel, Joelma Farias Cornejo, Rute Ferreira Barbosa e Sandro Gama de Araújo. "Viemos realizando esse trabalho desde 2016. Foi um processo longo, mas é muito gratificante ter o primeiro bem alagoano a ter uma título internacional. Em novembro teremos a reunião dos países do Mercosul aqui em Maceió", informa Greciene Lopes, técnica para Educação Patrimonial do Iphan e também doutora em Educação e professora do Centro de Educação da Ufal.

O tombamento como Patrimônio Cultural do Mercosul, que será homologado no dia 8 de junho na Reunião de Ministros da Cultura, inclui a Serra da Barriga como a representante brasileira na proposta Cumbes, Quilombos y Palenques del Mercosur - La geografía del cimarronaje, que destaca as formas de resistência contra o escravismo em países da América do Sul. A Serra da Barriga é referenciada "como parte do patrimônio, não só material, mas principalmente imaterial, bens acumulados que, em termos antropológicos, são manifestados pelas camadas populares da região, sobretudo, em termos religiosos e míticos que oferece, ao imaginário popular de diferentes camadas sociais, de modo geral, uma estreita relação com a ancestralidade africana", destaca-se no dossiê.

Para os pesquisadores da Ufal que participaram da elaboração do documento, a notícia de que a candidatura da Serra da Barriga foi aceita na reunião da Comissão de Patrimônio Cultural do Mercosul, ocorrida na Argentina, no final de maio, com a participação de representantes do Iphan, foi bastante comemorada. "Foi um trabalho conjunto muito importante entre o Iphan e os pesquisadores que colaboraram. Acreditamos que a Serra da Barriga terá ainda mais visibilidade e isso faz com que o poder público tenha que se comprometer com sua preservação. É uma demonstração também da importância e eficiência do serviço público para a manutenção da vida e da memória. A Serra da Barriga merece um reconhecimento pela Unesco. Esse é o nosso objetivo", ressalta Aruã Lima, historiador.

O tombamento também pode estimular pesquisas conjuntas sobre a resistência do povo negro na América do Sul. "Essa proposta inclui quilombos da Colômbia, Venezuela, Equador, países onde o povo negro também resistiu à escravidão, assim como na Serra da Barriga. Esse tombamento vai permitir um fluxo de pesquisa entre os países que abrigaram essa história de luta. O dossiê que foi apresentado pelo Iphan teve uma autoria coletiva, com a participação de vários pesquisadores. Esse é um reconhecimento importante para as identidades quilombolas, que extrapolam as fronteiras nacionais", destacou o antropólogo Siloé Amorim.

O Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab) da Ufal, criado em 1981, realiza estudos na Serra da Barriga desde que foi colocada a proposta da implantação do Memorial Zumbi. A atual diretora, professora Lígia dos Santos Ferreira, comemora mais esse reconhecimento ao patrimônio representado pela Serra da Barriga. "Torna-se urgente que esse reconhecimento seja mundial e que uma reparação político-moral seja empreendida por toda a humanidade, a fim de que cada indivíduo se envergonhe desse histórico de privação de liberdade, acompanhada das mais cruéis ações contra as nações africanas com o sequestro, tráfico e comércio de pessoas para escraviza-las", defende Ligia.

Jusciney Carvalho Santana, coordenadora institucional de formação (Comfor), doutora em Educação e colaboradora no Neab, também participou de algumas reuniões do grupo de trabalho. Como educadora, ela ressaltou a necessidade de compartilhar a história desse patrimônio. "Considero fundamental a criação de um espaço de aprendizagem permanente na Serra, para promoção de ações educativas voltadas para a comunidade local e que possam estimular uma rede de colaboração e fortalecimento do diálogo com a rede municipal de escolas. Muitos, infelizmente, ainda desconhecem a história de Alagoas, sendo que esse desconhecimento reforça as desigualdades étnico-raciais no Estado", pondera a educadora.

O vice-reitor da Ufal, professor José Vieira, que também é historiador, comemorou o tombamento. "Temos um sentimento de missão cumprida. A Ufal, assim como outras instituições de Alagoas, como a Uneal, por exemplo, desde o início se dispôs a colaborar com este processo coordenado pelo Iphan.  Essa soma de esforços possibilitou essa conquista, que ressignifica este patrimônio de Alagoas, mas que reflete a luta dos povos negro e ameríndio no mundo. Como historiador, fico emocionado. Mesmo nesse contexto de incertezas constitucionais, a Ufal deve ocupar os espaços e formular políticas públicas que proporcionem melhorias coletivas", concluiu Vieira.