Estudo propõe criação de espaço penal materno-infantil para Alagoas

Pesquisadora defende ressocialização por meio da maternidade num local com arquitetura humanizada

01/04/2016 12h16 - Atualizado em 22/12/2016 às 17h18
Arquiteta Camila Costa é a autora do projeto

Arquiteta Camila Costa é a autora do projeto

Deriky Pereira – estudante de Jornalismo

A maternidade como forma de auxílio no processo de ressocialização. É o que defende o estudo de Camila Costa, recém-formada no curso de Arquitetura da Universidade Federal de Alagoas, que propõe a criação de um espaço penal materno-infantil para o Estado. A pesquisa fala sobre as problemáticas que envolvem o espaço penal quando se refere a maternidade e o uso, para o local, de uma arquitetura humanizada, que visa canalizar a necessidade humana em ambientes enriquecedores, vivos e saudáveis.

Único espaço de detenção feminina em Alagoas, o Presídio Santa Luzia foi tido como objeto de estudo. Nele, foram realizadas visitas para conhecimento do objeto e, decorrente disso, um levantamento foi elaborado para auxiliar a criação do projeto e desenvolver uma proposta arquitetônica. “O uso da arquitetura correta pode minimizar os conflitos encontrados entre a humanização e a segurança. A criação de um espaço saudável e humanizador não se contrapõe aos fatores de segurança que devem ser alcançados se considerarmos segurança como prevenção e não contenção do indivíduo”, diz Camila Costa.

Ela nos explica, ainda, que a carência de lugar apropriado ao público específico motivou a realização de seu Trabalho Final de Graduação (TFG). “O interesse em desenvolver o estudo foi pela falta de algum lugar voltado às mães reeducandas e seus filhos que vêm crescendo no sistema carcerário, já que o atual presídio feminino do Estado foi adaptado em uma antiga casa de albergado masculina, não conseguindo atender nem ao mínimo de exigências que a Lei de Execução Penal prevê. Porém, existe, hoje, previsão para construção de ampliação desta unidade, que passará de 74 para 240 vagas”, complementa a pesquisadora.

Aliança entre humanização e segurança

Segundo dados da pesquisa de Camila Costa, atualmente o Presídio Santa Luzia conta com um médico que atende na penitenciária uma vez por semana e o acompanhamento das mães que cumprem pena é realizado até o filho completar um ano de idade. “Porém, além das precariedades na assistência que deve ser dada a este público em especial, os espaços também são insuficientes para a criação de lugares apropriados para mães reeducandas e seus filhos, algo que, novamente, não atende nem ao mínimo de exigências previstas na Lei de Execução Penal”, revela.

Num modo geral, as instituições penais possuem arquitetura voltada à resolução de aspectos de sobrevivência e segurança, ou seja, preocupações legítimas aos presídios. Mas, existem outros valores importantes para a humanização: a educação, o trabalho e as visitas. “A educação é o que molda o indivíduo para respeitar as regras e viver bem em sociedade. É necessária, já que o detento lá está porque desacatou alguma norma social. O trabalho aprendido pode contribuir para a obtenção de oportunidades quando liberto e as visitas representam contato direto com a família, o lado mais afetuoso”, explica Camila Costa.

E é com base nisso, também, que a pesquisadora decidiu elaborar o estudo intitulado Anteprojeto de Estabelecimento Penal Materno-Infantil: A arquitetura favorecendo a maternidade, orientado pela professora Suzann Cordeiro. Com a pesquisa, levando em conta a complexidade do tema e das discussões que costuma gerar, Camila revela que o trabalho surgiu por tal relevância e, principalmente, pelo argumento de que a separação entre mãe reeducanda e filho é um dos motivos mais difíceis da superação da prisão.

Além de levar em conta o que a Lei de Execução Penal nos pede, as mazelas enfrentadas pela mulher no sistema carcerário acompanhada de seus filhos e a relevância da discussão deste tema, surgiu a proposta de elaboração do anteprojeto de regime fechado onde a problemática se dá pelo desafio em projetar uma arquitetura penitenciária humanizada que favoreça e garanta à criança o direito de estar perto da mãe sem que perceba os sinais de aprisionamento e, ao mesmo tempo, cumpra-se a punição da mãe, podendo assim, aliar humanização com o fator segurança”, explica Camila Costa.

Proposta de local e ambiente

O projeto tem como local proposto o terreno ao lado da atual sede da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), no Tabuleiro dos Martins. Com área de mais de 40.134,97m² tem relevo pouco acidentado, suficiente para a implantação do estabelecimento e abriga, ainda, proposta de praça para ser usufruída pela população circunvizinha. É próximo de duas escolas municipais, de ambulatório e clínica infantil e está a 2,5 km do Hospital Universitário (HU), além de 11 km do Hospital Sanatório. Tem bom alcance de linhas de ônibus, o que facilita na mobilidade e, como se nota, está próximo do complexo atual, ao lado do Campus A.C. Simões, visto que Camila trata a urbanidade do entorno como outro fator humanizador.

O critério de escolha do local teve como objetivo a assistência dos filhos das reeducandas, possibilitando seus estudos fora do estabelecimento penal; já as unidades do SUS próximas ao local, por sua vez, pela necessidade de atendimento pré-natal, estabelecido pelo Código Penal como direito das mães reeducandas e seus recém-nascidos. Além disso, possui fácil acessibilidade aos serviços de água e energia elétrica e relevo pouco acidentado, por questões de custos e operacionalização interna, como circulação e visibilidade”, complementa a pesquisadora.

Vale reforçar que o projeto enfatiza a relação entre a penitenciária e os espaços públicos com a criação de uma praça, prezando pelo verde e por caminhos variados na entrada do edifício. “Isso já diminui o impacto causado pelos muros uma vez que proporciona possibilidade de acomodação e apropriação da população do entorno. Além disso, as torres de controle foram substituídas por câmeras de vigilância. Tudo com o objetivo de diminuir o caráter opressor do edifício”, revela Camila.

Segundo ela, também há espaço para a criação de uma creche, já sugerida pelas Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal. “O documento do ano de 2011 já indica que a Creche deverá estar no setor externo, mesmo que possuindo ligação com o Módulo Materno-Infantil, o que caracteriza uma rotina de entrada e saída da criança no edifício, que passará a maior parte do dia na creche, retornando para suas acomodações no final da tarde para dormir com suas mães”, explica Camila Costa.

Normalização do espaço prisional

A pesquisa também leva em conta que, com a criação deste estabelecimento penal materno-infantil, aconteça uma normalização do espaço prisional por conta do desenvolvimento das crianças acompanhadas de suas mães. Além disso, a pesquisadora revela que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante vida normal e suporte familiar às crianças, ou seja, se a mãe está dentro do sistema prisional, a criança tem o direito de conviver com a figura materna.

Porém, do ponto de vista do direito da criança de conviver com a mãe é importante frisar o surgimento desse convívio sem o comprometimento do desenvolvimento cognitivo e social dela, pelo fato de viver em condições de cárcere. Foi também considerado o fato de que a criança continue tendo essa relação com o lado de fora, por meio da creche, da escola e do médico, não perdendo o foco no direito da criança de ter o acompanhamento da sua mãe, o que também é importante para seu desenvolvimento cognitivo”, ressalta.

Camila ainda nos deixa uma importante consideração. Para ela, as penitenciárias precisam pensar numa relação maior de integração com a comunidade, pois enquanto houver o foco no total isolamento das pessoas, o sistema penitenciário não vai funcionar.

Não é só o preso que fica isolado, mas sua família e, principalmente, seus filhos que ficam, de certa forma, isolados ao terem que se deslocar para áreas de difícil acesso e pouca infraestrutura. Estas pessoas não precisam pagar pelo erro dos seus parentes. Neste sentido, a discussão da humanização passa pelo fato de que todas as pessoas são humanas e de que, como são humanas, elas possuem necessidades humanas e direitos humanos que precisam ser preservados”, conclui a pesquisadora.

Sobre o grupo de pesquisa

O Trabalho Final de Graduação de Camila Costa teve início a partir da sua participação no Núcleo de Estudos e Projetos Especiais (Nupes), coordenado pela professora e orientadora Suzann Cordeiro. O Núcleo realiza pesquisas sobre as diversas interfaces relacionados com planejamento, gestão e conservação do espaço arquitetônico, paisagístico e urbano com características especiais.

Com isso, o Nupes busca compreensão dos métodos de interação entre a concepção e seus aspectos construtivos, processos e sistemas de planejamento e gestão urbano-ambiental e análise do espaço edificado, seguindo três linhas de pesquisa: Edificações e ambiência de espaços de segurança e de saúde; Planejamento, gestão e conservação de edificações e espaços especiais e, ainda, Linguagem, representação e tecnologia em arquitetura e design.

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