A matemática que ajuda a resolver os problemas do cotidiano e a preservar a natureza

Pesquisador de Ecologia Matemática defende que todo o conhecimento tem que ter compromisso social


- Atualizado em
Professor João Frederico da Costa Azevedo Meyer, pesquisador da Unicamp e integrante da  da Sociedade Lationoamericana de Biomatemática | nothing
Professor João Frederico da Costa Azevedo Meyer, pesquisador da Unicamp e integrante da da Sociedade Lationoamericana de Biomatemática

Lenilda Luna - jornalista

O professor João Frederico da Costa Azevedo Meyer, pesquisador da Unicamp e integrante da Sociedade Latinoamericana de Biomatemática, esteve na Ufal, nessa quinta-feira (18), para participar de mais uma edição do programa Ufal debate grandes temas, onde falou sobre a utilização de modelos computacionais matemáticos em simulações que visam a evitar ou resolver problemas ambientais. O tema foi A ação entre espécies competidoras na presença de poluentes em meios naturais - a Matemática em ação no meio ambiente e nas políticas públicas

O matemático, que conviveu com o educador Paulo Freire, uma referência internacional em Teoria da Educação, defende que as concepções freirianas também podem ser aplicadas no campo da matemática. "Um dos livros publicados por Paulo Freire foi resultado de uma conversa que ele teve comigo e com o professor Eduardo Sebastião de Ferreira. Quando expliquei sobre a modelagem matemática nos problemas cotidianos, ele disse que se tivesse essa visão, teria trabalhado mais com isso", contou Meyer.  

João Frederico Meyer conhece bem a importância do compromisso social da pesquisa científica. Durante a Ditadura Militar, sua família foi perseguida e precisou se exilar. O pai de Meyer ofereceu abrigo ao educador Paulo Freire por um período. "Paulo Freire e meu pai foram amigos pessoais e companheiros de trabalho. A teoria de Paulo Freire é tão rica que tem muitas aplicações que ele nunca imaginou. Mas nós, que trabalhamos com modelagem em Matemática de fenômenos sociais e de fenômenos da natureza, praticamos a teoria de Paulo Freire", afirma o matemático. 

O pesquisador em impacto ambiental e educação matemática destacou alguns pilares da teoria de Paulo Freire e como se aplicam à área de conhecimento onde atua. "A educação dialógica, por exemplo. Na nossa área, só conseguimos resolver um problema de impacto ambiental, quando conversamos com o pessoal da região. É preciso ouvir as pessoas que conhecem a água, que sabem qual o tipo de agrotóxico acaba sendo levado para os rios, que sabem quais são os poluentes, que conhecem a frequência das chuvas, a declividade do terreno. É um conhecimento que se constrói dialogando", explica Meyer. 

O matemático destaca que também na Matemática é preciso partir da leitura do mundo. "Então, ao invés de pegar problemas da matemática abstrata, podemos resolver problemas do cotidiano, como atravessar a rua, por exemplo, que requer um cálculo da velocidade dos carros, para avaliar quando é seguro fazer a travessia. Ou como acertar o pontapé numa bola no 'sem pulo', onde o jogador faz uma estimativa de onde a bola vai estar quando ele der o chute, antes que ela caia no chão. O jogador faz isso instintivamente, mas é um cálculo complexo", exemplifica João Frederico Meyer.  

O pesquisador destaca ainda que essa leitura do mundo é feita de forma crítica e coletiva. "É uma leitura em diálogo, não é feita por um individuo. Aliás, teve um caso ambiental em que nós tínhamos as equações que a ciência diz que eram certas, mas quando fomos ao local conversar com os pescadores, eles disseram que as medidas estavam erradas, porque não tinham levado em consideração os ventos na região. Então perguntei a eles o resultado e eles me disseram. ao invés de usar nossos resultados, colocamos no programa do computador as informações deles, e funcionou", relata o matemático. 

 

Planejamento das ações públicas 

João Frederico Meyer destaca a importância da modelagem matemática para evitar desperdícios e desastres ambientais. "É o grande ensinamento de Paulo Freire é que o nosso conhecimento tem que estar a serviço da sociedade e da natureza. É por isso que esse tipo de matemática é muito ligada à teoria dele. Fazemos modelagem para evitar os efeitos negativos sobre a natureza de uma determinada ação do homem. É claro que não temos a verdade absoluta. São aproximações da verdade que ajudam o poder público e os especialistas a tomarem suas decisões", ressalta o pesquisador. 

Principalmente quando grandes obras são projetadas, como represas, instalação de mineradoras, extração de petróleo no pré-sal ou até a introdução de uma espécie exótica na flora e fauna local, é preciso calcular os impactos da ação humana para decidir se vale a pena o investimento, não só do ponto de vista financeiro, mas sobretudo nos aspectos sócio-ambientais. "Às vezes, na modelagem se percebe que alguns projetos podem trazer prejuízos muito grandes para a natureza e não valem a pena. Muitas catástrofes aconteceram por falta de uma modelagem que calculasse os riscos", alerta João Meyer. 

O pesquisador destaca que a Ciência pressupõe escolhas que partem de compromissos políticos. "Toda ciência é assim. Nas universidades, nos laboratórios, tudo o que desenvolvemos deveria partir de um compromisso social, como diz Paulo Freire. Nós da ecologia matemática dizemos que todo o conhecimento tem que ter um compromisso com a sociedade e com a natureza", concluiu o pesquisador.

 

A motivação dos estudantes 

Na platéia, estudantes de Matemática, Administração e das Engenharias acompanharam a palestra e fizeram vários questionamentos. O palestrante buscou mostrar a eles como é importante a atuação dos especialistas na solução dos problemas ambientais e urbanos. "A situação de transportes públicos em Maceió, por exemplo, é um questão de logística e de engenharia de transportes. A poluição da praia de Ponta Verde afeta o turismo e a economia. Então, todos os problemas com os quais nós trabalhamos em Ecologia Matemática precisam vir da sociedade ou da natureza", explicou o professor. 

Um dos estudantes atentos ao tema foi o Rafael Bruno Feitosa de Lima, do curso de Matemática Bacharelado. Para ele, a relação da matemática nessa leitura de mundo é bem evidente. "Não existe uma Ciência isolada, separada da sociedade. Como um Matemático disse uma vez, não existe área da matemática, por mais abstrata que seja, que não venha um dia a ser utilizada nos fenômenos da vida real. Essa palestra foi muito importante porque permite uma troca de ideias com um pesquisador de outro estado, com uma grande experiência no tema", avaliou o estudante.