Dissertação expõe o combate e a estigmatização do fumo no Brasil

Pesquisa no ICS apontou como a política antitabagismo pode gerar vítimas de preconceito

13/04/2015 20h07
Jorge Barbosa disse que não adesão dos médicos à realização de entrevistas dificultou andamento da pesquisa de campo

Jorge Barbosa disse que não adesão dos médicos à realização de entrevistas dificultou andamento da pesquisa de campo

Jhonathan Pino – jornalista 

A política antitabagismo no Brasil já é referência para Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), o número de fumantes, entre os anos 1989 e 2008, caiu pela metade. No entanto, ao mesmo tempo em que diminui o número de adeptos aos cigarros, esse sucesso se reflete na marginalização de parcela da população que ainda continua fumante. É o que apontou a dissertação "Biopolítica e antitabagismo: a estatização da luta contra o hábito de fumar no Brasil e as relações fumantes - não fumantes em Maceió ", defendida no dia 30 de março, no Programa de Pós-graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), pelo discente Jorge Barbosa. 

Desde a graduação em Ciências Sociais, Jorge vem investigando quais são os efeitos sociais da aplicação de políticas estatais antifumo sobre as estruturas de personalidade de fumantes ativos, além de sua influência sobre a mudança nas relações entre fumantes e não fumantes dentro do espaço público. No mestrado, utilizou como fonte de dados de campo, grupos pertencentes ao Programa Nacional de Controle do Tabagismo, na cidade de Maceió, para obter relatos de voluntários entrevistados, que dividiam-se entre tabagistas e profissionais de saúde. Ele notou que além das instituições oficiais, como os centros e equipamentos de saúde especializados no tema, há algum tempo a política antitabagista vem se difundido com a ajuda de veículos de comunicação e de instituições religiosas. 

Segundo o pesquisador, essa luta contra o fumo vem de séculos atrás. A Igreja Católica, por exemplo, chegou a excomungar seus fiéis por serem usuários do tabaco, presente na religiosidade de culturas indígenas. Além disso, “no início do século 20 grupos de imprensa advindos dos Estados Unidos, publicavam sistematicamente trabalhos de médicos, que ligavam informações científicas ao apelo religioso, na tentativa de convencer seus leitores a cessar o uso do tabaco”, relata Jorge, sobre as primeiras editoras a publicarem pesquisas científicas antifumo para o grande público. 

As atuações dessas instituições de certa forma contribuíram como contraposição à difusão do cigarro. Apesar da tentativa do mercado em tentar ligar o ato de fumar as questões de status e inclusive disseminá-lo no mundo feminino, o cigarro sempre apresentou uma imagem controversa diante da sociedade. “Se perguntarmos a nossos pais ou avós se os pais deles os estimulavam a fumar, veremos, de maneira mais frequente, uma resposta negativa. Ou seja, de alguma forma já existiam discursos antifumo socialmente disseminados, porém de maneira mais branda do que vemos na atualidade”, lembra o pesquisador. 

Marginalização dos fumantes 

Com a atuação da OMS e atuação de vários governos, preocupados com os custos das enfermidades causadas pelo fumo, nas últimas décadas teve início a disseminação das informações acerca dos malefícios do tabagismo, tanto entre os profissionais de saúde, quanto da imprensa, que passou a ser estimulada a aderir à causa. Segundo Jorge, toda essa campanha contra o fumo trouxe mudanças às relações entre fumantes e não fumantes, especialmente no espaço público, fazendo com que o tabagismo passasse a ser socialmente menos aceito, em consequência, também o tabagista passou a sê-lo.

Ao estabelecerem novos padrões de normalidade, as instituições sociais acabaram por colocar sob maus olhos aqueles que insistem na prática tabagista. “O cultivo da boa saúde se tornou um padrão moral e desta forma, serve como ferramenta de classificação e julgamento social, onde os transgressores ou divergentes passam a ser considerados páreas sociais”, destaca o pesquisador. 

Conforme a investigação, ao consumir produtos da indústria tabagista, o fumante rompe com determinadas moralidades, a exemplo da ética do cuidado com a saúde, e acaba assumindo uma prática que é moralmente depreciativa, por isso torna-se estigmatizado, moralmente inferior aos grupos de não fumantes, o que vem a ocasionar em sanções e ataques de diferentes tipos. 

Como constatações de sanções desse processo de estigmatização estão a não contratação de fumantes por algumas empresas, sob a alegação de que aumentaria seus gastos com planos de saúde oferecidos aos funcionários, ou mesmo a rotulação que lhes são dados, de maneiras depreciativas, como mal cheirosos, mal-educados, ou pouco higiênicos. “Suas relações com indivíduos não fumantes são diretamente afetadas por conta da noção socialmente sedimentada de que estar perto de um fumante fazendo uso de algum derivado do tabaco é estar arriscando a própria saúde”, detalha Jorge. 

Jorge explica que essas sanções muitas vezes não são conscientes. “Quando falo em ‘considerado moralmente inferior por outros indivíduos ou grupos" e em "sofrer sanções e ataques de diferentes tipos’, quero apenas expressar a concepção socialmente disseminada de que o tabagista é alguém que reproduz uma prática individual e socialmente danosa e que, por isso, necessita de auxílio para parar e que, caso não ‘se conscientize’ e procure este auxílio por conta própria, sofrerá coerções para que o faça. As coerções podem ser identificadas nas leis de aumento de preços dos maços de cigarros, por exemplo, bem como na proibição do fumo nos mais diversos locais públicos, a exemplo de pontos de ônibus cobertos apenas por um teto e marquises”, diz o sociólogo. 

Para fazer a pesquisa, o autor contou com a orientação do professor Fernando de Jesus Rodrigues, e a disponibilidade de um hospital público da cidade, filiado ao Programa Nacional de Controle do Tabagismo, do governo federal. Ali, Jorge fez entrevistas com voluntários, entre profissionais de saúde e participantes dos grupos de apoio e por um ano pôde acompanhar grupos de apoio aos fumantes. Foi assim que colheu os relatos de fumantes, sobre as abordagens que sofriam, como xingamentos ou outros tipos de situações de constrangimento, exclusão e atritos sofridos por eles em locais públicos. 

No entanto, Jorge deixa claro que ao realizar a pesquisa não quis apontar que as políticas antifumo deveriam deixar de existir ou serem abrandadas. Também não nega os malefícios do cigarro à saúde de fumantes ativos e passivos, e nem as ações da indústria do fumo visando angariar o maior número de consumidores possível. “Estou apenas demonstrando um de seus "efeitos colaterais" sociais, digamos assim. Não estou empreendendo um estudo de avaliação de políticas públicas, muito menos pretendo expor pontos de vista contra ou a favor a algum ideal. Como cientista social a serviço da academia, meu trabalho é estudar processos sociais, compreendê-los e expô-los à comunidade científica e leiga. Propor saídas a eles é trabalho de outros profissionais ou de cientistas sociais contratados especificamente para tal”, afirma o autor.