Conheça o trabalho dos exploradores de caverna de Alagoas

Em entrevista, o pesquisador Jorge Luiz Lopes da Silva falou sobre as cavernas alagoanas e as pesquisas realizadas pelo Grupo Expedições de Pesquisas Espeleológicas

24/09/2014 20h10
_Professor Jorge Luiz em aula prática de Bioespeleologia, na caverna Toca dos Caramujos (Foto - Elaine Pollyanna)

_Professor Jorge Luiz em aula prática de Bioespeleologia, na caverna Toca dos Caramujos (Foto - Elaine Pollyanna)

Pedro Barros - estudante de jornalismo 

Por trás de uma pequena fenda às vezes se esconde uma enorme e exótica paisagem. Explorar essas passagens secretas da natureza é um dos trabalhos do pesquisador e professor de Paleontologia, Jorge Luiz Lopes da Silva, e sua esposa, Ana Paula, também pesquisadora e professora de Geologia. Juntos, eles coordenam o Grupo Expedições de Pesquisas Espeleológicas (GEPE) e o Laboratório de Bioespeleologia do Museu de História Natural (MHN) da Universidade Federal de Alagoas. 

O grupo também conta com a participação de estudantes dos cursos de Ciências Biológicas - licenciatura e bacharelado. Jorge ministra a disciplina eletiva de Bioespeleologia - que trata dos seres que habitam essas cavidades naturais - e, no laboratório, tem como estagiários graduandos e pós-graduandos, ex-alunos da Ufal. 

Em entrevista, o professor falou sobre as cavernas de Alagoas e da Bahia (onde o grupo concentra suas pesquisas), animais e fósseis cavernícolas, curiosidades e muito mais. Ainda está muito longe de ser tudo sobre cavernas, mas é como aquela pequena fenda citada no início: se tiver coragem de entrar, pode descobrir muito mais.

Portal da Ufal - O que é mais importante saber sobre uma caverna?

Jorge Lopes - Na verdade, tudo. Por exemplo: tem pessoas que estudam o processo geológico que leva a formação delas; outros se preocupam com suas formas características, tanto no relevo externo (exocárste) quanto no relevo interno (endocárste). No nosso caso, temos dois focos bem centrados: a bioespeleologia, que é o estudo da vida cavernícola, e a paleoespeleologia, que procura e estuda os fósseis encontrados no interior das cavernas. 

Portal da Ufal - Existe algo de especial nos fósseis encontrados nesses lugares?

Sim, o material que é levado para o interior das cavernas tende a ser melhor preservado que o material que encontramos em outros lugares, principalmente de mamíferos, o mais comum. Existem várias formas dos organismos chegarem lá. Ele pode ter caído em uma caverna em forma de abismo; ter entrado nela e não ter conseguido sair; utilizou-a como refúgio e teve morte natural no seu interior; ou ainda perecendo fora da caverna e seus restos acabam sendo transportados para o interior delas. Como não é um ambiente tão destrutivo do ponto de vista intempérico (sol, chuva, mudança brusca de temperatura, ataques de predadores etc.), podemos encontrar esqueletos inteiros, às vezes articulados. Para pesquisadores da área, vale muito a pena trabalhar com esse material, pois as informações que podem ser retiradas dos fósseis são significativas. 

Portal da Ufal - Quais são os tipos de caverna? E quais delas existem em Alagoas?

Existem vários tipos. As pessoas estão habituadas a conceituar caverna como as encontradas em rochas calcárias, cheia de espeleotemas [como estalactites e estalagmites] e com as entradas tradicionais, onde você entra horizontalmente e pode caminhar para o interior dela; ou ainda aquelas com abismos, onde são necessárias técnicas de escalada para descer.

Portal da Ufal - Quais são as características das cavernas alagoanas?

Aqui em Alagoas, nós não temos cavernas calcárias, elas estão em granito ou rocha metamórfica. Neste caso, não formam os espeleotemas clássicos, infelizmente. Em geral, elas são formadas por desmoronamento ou por ações intempéricas. A rocha vai se fragmentando, os blocos caem, rolam, se acomodam uns sobre os outros e terminam deixando espaços vazios. Quando as rochas têm fraturas, a ação da água pode ajudar a aumentar o tamanho dessas fendas e por isso temos algumas cavernas um pouco mais ampliadas. Raízes de árvores e chuvas também ajudam a dar formas às cavernas.

Portal da Ufal - Onde elas ficam? 

As cavernas de Alagoas ficam mais localizadas na zona da mata (domínio da Mata Atlântica). Temos em Atalaia, Joaquim Gomes e Murici. Uma que se destaca, localizada em Delmiro Gouveia (domínio da Caatinga), chama-se Furna do Morcego: era uma cavidade que já existia naturalmente e foi ampliada pela equipe do empresário que deu nome ao município. Então sua forma hoje se deve mais à ação do homem que à ação natural. Em Murici, temos duas em forma de abismo: Buraco do Cão e Buraco do Neguinho e uma terceira chamada Toca da Raposa, essa de fácil acesso. 

Portal da Ufal - Elas são exploradas economicamente?
Não são. A forma mais correta de exploração das cavernas é através do espeleoturismo. Aqui não há turismo como em outros estados, a exemplo da Bahia, São Paulo e Minas Gerais. Normalmente quem conhece e sabe onde fica leva um amigo: vai lá, entra e vê um pouco, não mais que isso. Os únicos que exploram cavernas em Alagoas somos nós, porém com objetivos científicos.

Portal da Ufal - Como vocês fazem para encontrá-las?

A primeira coisa é buscar informações com os moradores da região - lugares geralmente mais afastados, na zona rural ou perto de matas. Assim descobrimos novas cavernas. Isso aqui em Alagoas. As cavernas calcárias, por outro lado, normalmente são de enormes proporções, são regionais, e o relevo já dá sinais. Quando viajamos para esses lugares, procuramos primeiro saber onde tem rocha calcária de origem sedimentar, que é a melhor. Chegando lá, além de conversar com as pessoas, observamos a paisagem. Cavernas desse tipo normalmente mostram seus traços já do lado de fora através de feições do exocárste (dolinas, lapiás, etc.). 

Portal da Ufal -  Existe algum órgão responsável por registrar as cavernas no Brasil?

Sim. Existe o Cecav [Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas], que pertence ao ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]. Ele é o responsável por realizar o Cadastro Nacional de Cavernas. Hoje, existem oficialmente mais de 10 mil registros. Sendo que isso é muito pouco comparado a quantidade real. Precisamos ainda explorar muito mais. Na verdade, o Cecav recebe as informações, qualquer pessoa pode cadastrar cavernas, no entanto elas precisam ser validadas, o que eles fazem posteriormente dentro das possibilidades de recursos e tempo. 

Portal da Ufal -  Quantas existem em Alagoas?

Aqui temos seis cavernas conhecidas. Tem até relato de mais, só que, às vezes, são tão pequenas que nem consideramos caverna.

Portal da Ufal - Qual o tamanho das cavernas de Alagoas?

Em Alagoas existem cavernas com 20 m, 50 m, 70 m, 120 m de extensão no máximo, somando tudo. Fora daqui existem cavernas com até 103 quilômetros, somando todos os seus condutos, como a Toca da Boa Vista, na Bahia - a maior do Brasil e da América Latina e 14º do mundo. A Mammoth Cave, nos Estados Unidos, é uma das maiores cavernas do mundo, com mais de 500 quilômetros! (Também somando todos os seus condutos. Se formos calcular a área, o tamanho é considerável.)

Temos trabalhado muito pouco nas cavernas daqui, porque são muito pequenas, estreitas e de difícil locomoção, não nos permitindo realizar um trabalho tão intenso quanto nas calcárias baianas. Estas são muito maiores, com tetos de mais de 10 m de altura. Muitas vezes para passar em alguns trechos o espaço é bem estreito, mas quando você vence essas passagens, descobre lugares imensos e de beleza indescritível. 

Existem várias histórias engraçadas que vivemos ou sabemos sobre cavernas. Uma delas é sobre a Toca da Boa Vista. Ela é muito grande e vem sendo explorada há mais de 20 anos. Por isso, as pessoas sempre têm dificuldade em definir onde é o fim dela. Certa vez, alguém pensou que chegou ao último salão e chamou o espaço de "Salão do Fim do Mundo". No entanto, continuando com as explorações, viram que o "fim do mundo" não era ali, era mais longe. Aí nomearam um novo lugar como "Além do Fim do Mundo". E vieram muitos "Além do Além... do Fim do Mundo". Portanto é complicado atribuir fim do mundo a esses espaços. Ele pode ser mais longe do que se pensa. Uma dica: quando for dar nome aos espaços de uma caverna (salões, galerias, corredores, salas etc.), nunca diga que é o fim de alguma coisa, porque de repente não é. E agora, que já está batizado? Você vai ter que mudar o nome que já registrou e já está no mapa. Deve-se ser mais criativo também... 

Portal da Ufal - Que animais vivem nas nossas cavernas?

Como elas são pequenas, não abrigam uma fauna tão diversa ou exclusivamente cavernícola - animais que chamamos de troglóbios. Pelo menos, ainda não encontramos. O que temos aqui são predominantemente: morcegos, aranhas, serpentes, anfíbios, insetos, diplópodes e quilópodes (piolhos-de-cobra, lacraias), escorpiões e pequenos mamíferos - especialmente roedores que usam a caverna para se abrigar. Eles não vivem nela: eles entram e saem, usam-na como abrigo, para se proteger de predadores, para se alimentar ou criar seus filhotes. Insetos e aranhas, por exemplo, podem viver a vida inteira em cavernas, mas animais maiores não é comum.

Aqui em Alagoas, a segunda maior espécie de morcego do Brasil foi encontrada na caverna do Cocal, em Joaquim Gomes. Alguns morcegos hematófagos [que se alimentam exclusivamente de sangue] podem ser encontrados em Alagoas, também nessas cavidades. 

Portal da Ufal - Como são organizadas as expedições?

Nós fazemos de duas a três excursões por ano, principalmente à Bahia. Fazemos excursões de campo para a disciplina de Bioespeleologia ou expedições científicas somente com o grupo do laboratório. Com os alunos da disciplina é muito mais didático, mas a gente põe a mão na massa. É a prática do conteúdo passado em sala de aula: eles vão entender o que é uma caverna, como reconhecê-las, saber como é seu interior, como se conduzir, os cuidados, os riscos, quais os equipamentos e como se deve trabalhar a preservação desse patrimônio.

Portal da Ufal - Quem iniciou as pesquisas sobre cavernas em Alagoas?

Quem começou a exploração espeleológica no nosso estado, embora sem fins científicos, foi Cícero Claudemilson, que foi líder do Centro Espeleológico de Alagoas (CEA). Cavernas eram a paixão dele. Quando faleceu, em 2000, ninguém quis mais se envolver com isso. 

Na época, eu fiz parte do grupo. Já que meu objeto de pesquisa principal são os fósseis e nos ambientes cavernícolas podemos coletar materiais muito interessantes, uni o útil ao agradável. Até que - já que, além das vantagens para pesquisa, a gente termina se apaixonando pelas cavernas -, criamos, em 2008, com a parceria do Museu de História Natural, o Grupo Expedições de Pesquisas Espeleológicas (Gepe). Hoje temos o Laboratório de Bioespeleologia desenvolvendo atividades de pesquisa nas áreas de geologia e biologia cavernícola. Estamos incentivando a formação de novos pesquisadores na área, para darem continuidade aos estudos sobre esses ecossistemas. Queremos levá-los a se apaixonarem por essas cavidades naturais, tão discriminadas e mal compreendidas.