Comunidade universitária ouve os depoimentos de alagoanos que resistiram à Ditadura Militar

Um debate cercado de muita emoção sobre as memórias de pessoas que sofreram torturas

02/04/2014 10h05 - Atualizado em 14/08/2014 às 10h27
Auditório lotado e emocionado

Auditório lotado e emocionado

Lenilda Luna - jornalista

Um auditório lotado e repleto de jovens universitários que vieram aprender mais sobre esse período obscuro da história brasileira, ouvindo depoimentos de pessoas que foram presas e torturadas ou de familiares de desaparecidos. O segundo dia de debates sobre os 50 anos da ditadura militar foi cercado de muita emoção, a cada palavra arrancada com dificuldade para falar sobre lembranças que são dolorosas para quem foi vítima da repressão.

A coordenadora do programa Ufal em Defesa da Vida, professora Ruth Vasconcelos, ressaltou esse momento histórico para a universidade. "Não estamos aqui para ouvir pessoas que falam sobre o que leram em documentos, mas para conhecer testemunhas que são memórias vivas dessa história e que falam sobre o que vivenciaram. Isso faz uma diferença fundamental", destacou a professora.

O primeiro a contar sua história foi Valmir Costa, veterinário, hoje com 70 anos, que na época do Golpe Militar era líder estudantil em Pernambuco. Ele narrou sobre os protestos que se seguiram à prisão do então governador, Miguel Arraes. " Disseram que o golpe foi para impedir o avanço de um comunismo perigoso, mas era na verdade uma reação às reformas de base que João Goulart queria implementar no país", esclareceu ele.

Valmir destacou a importância de revelar detalhes dessa história enquanto ainda temos sobreviventes desse período, porque muitos distorções foram colocadas, inclusive na imprensa. "Ainda assim, é importante ver esses fatos sendo revelados e chamando a atenção da sociedade. Essa semana, o golpe militar foi o tema de capa de todas as revistas de circulação nacional, menos a Veja, que nem neste momento consegue disfarçar seu ranço reacionário", criticou o militante.

Valmir foi preso junto com a esposa, Maria das Graças, e levado para o Doi Codi em Recife, onde foi torturado para revelar a localização da cunhada, Selma Bandeira, líder atuante no período e que participou da política alagoana até a década de 80, quando morreu num acidente de carro. "Também foram presos na época Lauro Bandeira e Sônia, os irmãos de Selma, e ainda minha irmã, Vera Lucia Costa, que nunca pegou numa arma", protestou Valmir.

Muita emoção também quando Olga Miranda, filha do jornalista desaparecido, Jayme Miranda, contou sobre a difícil infância que tiveram, mudando de residência sempre, para evitar a prisão do pai. Ela falou sobre as constantes invasões dos policiais ao Hotel Atlântico, na praia da avenida, em busca de provas contra o jornalista. "Mas as únicas armas do meu pai eram as palavras e do dom da oratória", contou Olga.

Em 1975, Jayme Miranda foi sequestrado no Rio de Janeiro e levado para São Paulo. "Nunca soubemos o que de fato aconteceu, mas o depoimento de um policial revelou que ele foi morto, esquartejado e seus restos mortais foram jogados no rio Avaré", disse Olga, arrancando lágrimas da platéia. "Nunca pude velar o meu pai, mas graças ao programa Ufal em Defesa da Vida, pelo menos plantei uma árvore, no bosque da memória, em homenagem a ele", concluiu Olga Miranda, bastante emocionada.

Fernando Costa, médico veterinário, que também foi preso e torturado durante a ditadura, lembrou que muitos dos sequestrados políticos em Alagoas eram estudantes da Ufal. "Na época, o reitor Nabuco Lopes abriu inquéritos universitários para suspender esses estudantes, que não tinham como se defender. É oportuno que o debate aconteça aqui porque a Ufal deve esse resgate à memoria desses estudantes", disse Fernando.

Outro depoimento que emocionou à todos os presentes, foi o da economista Maria Ivone Loureiro, que foi presa em 1971, dias depois do marido e companheiro de lutas, Odjas de Carvalho. "Fui presa em Natal, com Rosa Soares e outros companheiros. Depois fomos trazidos para o Doi Codi em Recife. Fiquei numa cela que depois me disseram ser a mesma onde ficou Odjas. Estava toda suja de sangue dos militantes políticos torturados", narrou Ivone.

Quando finalmente conseguiu confirmar que Odjas foi morto durante as torturas, Ivone, ainda presa no Doi Codi, resolveu protestar. "Pedi para ir ao banheiro e da janela dava para ver o setor do Doi Codi onde os cidadãos iam tirar seus documentos. O local estava lotado e eu gritei o quanto pude que Odjas foi morto e que nós estávamos sendo torturados ali no prédio. O fato se espalhou e gerou protestos de dom Hélder Câmara", contou Maria Ivone.

O tempo foi curto para tantas histórias emocionantes. Falaram ainda o professor universitário José Nascimento França e o sociólogo e padre casado, José Antônio Monteiro. Ambos iniciaram a militância política na Igreja e depois aderiram aos movimentos marxistas. "Acreditávamos na opção preferencial da igreja pelos mais pobres", concluiu Nascimento.