Ocupação desordenada de bairros maceioenses é foco de estudo da Faculdade de Direito

Jacintinho e Fernão Velho são exemplos de efetivação limitada do Plano Diretor da cidade


- Atualizado em
Professora Marchioni, Alceu e Suelen apontam que Plano Diretor não condiz com a realidade dos investimentos em Maceió | nothing
Professora Marchioni, Alceu e Suelen apontam que Plano Diretor não condiz com a realidade dos investimentos em Maceió

Jhonathan Pino - jornalista

A falta de planejamento nas políticas públicas é o primeiro passo para a não efetivação das normas jurídicas. Sem o atendimento destas torna-se difícil a efetivação dos direitos básicos dos cidadãos, como o acesso à moradia digna. Esse tema é objeto de pesquisa de alunos da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Alagoas, que sob a orientação da professora Alessandra Marchioni, constataram as limitações na execução do Plano Diretor da capital alagoana.

Alceu Fernandes e Suelen Sthefane Tenório estudaram dois importantes bairros de Maceió - Fernão Velho e Jacintinho. A partir de observações socioeconômicas, ambientais e urbanísticas, eles perceberam problemas em comum nos dois locais: ocupação desordenada, falta de acesso a serviços básicos como saúde, educação e transporte.

Os moradores dos dois bairros são parte dos 114.659 de 95 aglomerados em Maceió, que deveriam estar sob proteção do Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001). No entanto, percebeu-se que o Plano Diretor do Município, instrumento capaz de estabelecer as diretrizes gerais da política urbana de Maceió, é incapaz de satisfazer as demandas dessas populações. “Temos a impressão de que o Plano Diretor foi elaborado para o simples preenchimento da lei. Feito de forma generalista e deslocada da realidade, sem definição de metas específicas e precisas”, relata Alceu.

Além dessas constatações, os alunos também descrevem a quase total indeterminação orçamentária para cumprimento das demandas urbanísticas e a imprevisibilidade para término de processos de regularização fundiária, incluindo entrega das obras contratadas. Um exemplo disso é que, passados quase oito anos de vigência do Plano Diretor, as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) ainda não aparecem claramente identificadas no “mapa de zoneamento” da cidade.

As Zeis são as áreas, públicas ou privadas, destinadas a segmentos da população em situação de vulnerabilidade social, prioritárias no atendimento a programas de habitação social indicadas pelo Poder Público Municipal. Elas têm como objetivo garantir a constituição de assentamentos urbanos sustentáveis, com respeito ao saneamento ambiental e garantia à infraestrutura urbana, aos transportes e demais serviços públicos.

“A proposta de instituição dessas zonas apresenta-se como solução para promoção do acesso digno aos espaços habitáveis pela população carente. Porém, no município de Maceió, nenhuma das indicações de Zeis realizadas pelo Plano Diretor foi implementada plenamente”, enfatiza Suelen.

Segundo a legislação, será dada prioridade à instituição das Zeis nos locais já habitados pelas populações e serão reassentadas as moradias que se localizem em grotas ou encostas, por exemplo. “A incompatibilidade entre teoria e prática jurídicas tem acentuado uma lógica de exclusão social global existente. Nessa relação precária está a incapacidade de articulação das populações carentes que, sem querer, acabam por integrar o “jogo” desse mercado informal de terras”, completa a aluna.

Especulação imobiliária

Conforme relatório de pesquisa, a indefinição das áreas vazias para o remanejamento de populações em situação de risco pode ser explicada também pelos lobbies do mercado imobiliário, que disputam os espaços urbanos melhor situados, sob o ponto de vista urbanístico.

O interesse do mercado imobiliário acaba por influenciar as prioridades de ação da administração pública e enquanto algumas áreas da cidade concentram toda a forma de investimento, outras são esquecidas pelo poder público. Essa situação contrastante pode ser verificada nos bairros do Jaraguá e Jacarecica, em relação aos outros bairros como Fernão Velho. “Na avaliação quanto à distribuição de áreas destinadas a regularizar a situação das populações carentes, o poder público acaba por optar pela realocação em áreas “franja” da cidade, o que mantém a população pobre afastada dos recortes “nobres” da cidade, que passam a ser ocupados por outros grupos sociais, geralmente associados ao setor turístico”, defende Alceu.

A pesquisa também fez notar que o maior enquadramento legal nas diversas tipologias de zoneamento urbano não significam necessariamente garantia de investimentos públicos. No caso do bairro do Fernão Velho, ele é citado em 90% do Plano Diretor, preenchendo requisitos das mais diversas naturezas, como zonas especiais de preservação cultural e ambiental, porém não recebe investimentos desde 2005, ano da formulação do documento.

Na contramão, bairros como Cruz das Almas e Jacarecica, praticamente não enquadrados nos zoneamentos do Plano Diretor, têm recebido intensos investimentos. “O zoneamento urbano localizado no PD, ao passar dos anos, tende a servir interesses exclusivamente econômicos, representados pela expansão das zonas de interesses turísticos localizadas no litoral norte da capital. Pode-se afirmar que o Plano Diretor não tem servido à função que se propõe, de dar prioridade à regulação e à ocupação do solo para a maioria da população”, conclui Alceu.

Espaços de exclusão social

Contemporâneo ao nascimento da moderna Maceió, o bairro do Fernão Velho comporta uma população de 5.200 habitantes, predominantemente miserável. Parte deles vivem em assentamentos precários, localizados nos povoados da Goiabeira e do ABC. Essas comunidades localizam-se em áreas de risco, às margens da Lagoa Mundaú e ao lado da Área de Proteção Ambiental (APA) do Catolé.

A taxa de exclusão socioeconômica dessa população é em torno de 67% , agravada pelas condições de vulnerabilidade próximas à Lagoa. “A beira da Lagoa é marcada por autoconstruções ilegais em terreno de marinha lagunar, ou seja, áreas que dificilmente serão legalizados. Essas populações ainda se encontram em situação de exclusão agravada, porque ocupam barracos improvisados, desprovidos de qualquer infraestrutura de saneamento, ou abastecimento de água potável, o que se reflete na saúde crítica dessa população”, detalha Alceu.

O estudante ainda relatou que a “falta de água e de energia elétrica leva a população a fazer os chamados “gatos” nos postes de iluminação pública”. Por outro lado, “os moradores embrenham-se nas matas, recorrendo às nascentes do rio Catolé, responsável pelo abastecimento de água de parte da cidade, para buscar água”.

No bairro do Jacintinho, vivem 86.514 pessoas, 84% delas em situação de exclusão social. O bairro teve início na década de 60, com a ocupação desordenada de grotas e encostas com grande declividade. Apesar de sua proximidade com as áreas “nobres” da cidade, os problemas de acesso às moradias, acúmulo de lixo e violência são comuns no Vale do Reginaldo e nas Grotas do Moreira, da Bananeira e do Rafael.

Outro fator apontado por eles é o descrédito da população quanto à implementação dos direitos propostos pelo Plano Diretor. Conforme Alceu, a maior parte dos moradores não participa das discussões sobre o Plano Diretor porque não veem perspectivas de mudanças.