Estudo subsidia pedido de Indicação Geográfica do filé alagoano

Estudo beneficia artesãos do Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba

11/10/2013 12h50 - Atualizado em 14/08/2014 às 10h30
Bruno César Cavalcanti destacou os impactos do filé alagoano na renda de artesãos locais

Bruno César Cavalcanti destacou os impactos do filé alagoano na renda de artesãos locais

Myllena Diniz – estudante de Jornalismo

Presente no vestuário, em toalhas, colchas e outros artigos de decoração, o filé alagoano começa a se destacar no cenário da moda nacional. O bordado também faz parte da tradição cultural do Estado e desperta a atenção de cientistas sociais na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisa realizada na instituição auxilia produtores de filé instalados no Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba (CELMM) a solicitarem registro de Indicação Geográfica (IG) do produto.

O jogo de cores, a variedade de pontos num produto e o acabamento perfeito tornam o filé produzido em Alagoas uma das técnicas manuais de maior autenticidade na região. Atualmente, o produto está em processo de reconhecimento como Patrimônio Cultural Imaterial alagoano e demanda estudo aprofundado para a emissão de um selo geográfico.

A solicitação do registro estadual exige provas documentais da relação do produto com a tradição cultural de populações do território alagoano. A IG também demanda comprovações do vínculo do material com a área geográfica específica onde ele é produzido.

Sob essa perspectiva, pesquisadores do Instituto de Ciências Sociais (ICS) desenvolvem estudo etnográfico e documental sobre o filé produzido em comunidades do CELMM. As atividades, iniciadas em 2011, foram coordenadas pelos antropólogos Bruno César Cavalcanti e Rachel Rocha, integrantes do Laboratório da Cidade e do Contemporâneo (LACC).

Ações como essa aumentam as chances de emissão de selo geográfico que aponte, oficialmente, o filé como um produto tipicamente alagoano. De acordo com Bruno César Cavalcanti, a IG é a certificação que vincula a produção de bens a uma localidade específica. A Indicação Geográfica estabelece relação entre um lugar e um produto. Ela é uma espécie de proteção comercial de produtos cujas características são atribuídas à especialidade do local ou da população que o produz”, ressaltou o pesquisador.

Segundo Bruno César, a IG pode ser classificada de acordo com a Denominação de Origem (DO), quando há vínculo entre o produto e condições do meio físico, ou com a Indicação de Procedência (IP), em situações onde há relação entre o produto e a população situada numa dada área. O caso do bordado mais famoso de Alagoas pode ser caracterizado como uma IP.

O filé é um bordado aplicado sob uma renda e tem ligação com outra atividade, a pesca. Ou seja, não tem relação direta com o meio, mas com a população aí estabelecida, com seu modo de vida. Em muitos dos povoados lagunares existem produtores desse material, devido à forte relação com a atividade pesqueira”, destacou Bruno.

Selo de qualidade

Para os estudiosos, muito além de um registro geográfico, a IG também representa um selo de qualidade. “O filé alagoano é muito singular, pelo jogo de cores e diferenciado uso de pontos. Com o crescimento do turismo e o desenvolvimento do comércio, apareceram bordados com a denominação de filé sem a qualidade do produto tradicional. Em geral, essas réplicas vêm de outras localidades, como o Ceará, e apresentam limites na variedade ou na elaboração dos pontos. Em muitos casos, as cores desbotam rapidamente e as peças podem não ter bom acabamento”, salientou Bruno Cavalcanti.

Caso o registro seja criado, consequências normativas serão aplicadas para a produção do material. Dessa forma, os artesãos deverão obedecer às normas exigidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Entre os diversos critérios, a padronização e a manutenção da qualidade da produção devem ser observados. Tais aspectos são verificados em quesitos com tamanho da tela e acabamento final.

De acordo com Bruno Cavalcanti, a ideia é que seja elaborada uma cartilha de normatização, para que os artesãos possam produzir de modo padronizado. “A IG é um dispositivo formal que protege e padroniza o processo de produção. Para isso, é necessário que os produtores mostrem que suas peças possuem características de qualidade”, explicou.

Atuação da Ufal

O pesquisador destacou que a solicitação da IG só pode ser feita pelas associações de produtores do filé. Ainda assim, o engajamento de agentes públicos pode impulsionar o projeto dos pequenos empreendedores locais.

Para que o pedido passe por avaliação, é preciso que seja delimitada a área de interesse. A localidade apontada foi o CELMM, devido à grande quantidade de produtores de filé. A região das lagoas Mundaú e Manguaba também conta com outras características essenciais para a validação do pedido, já que concentra prática de saberes comuns, como trabalho manual e uso de linhas.

As associações também precisam comprovar que a prática é tradicional, por meio de documentação, biografias e outros dados complementares. “Nosso trabalho é justamente voltado para a catalogação das informações, já que a maioria dos produtores tem pouco acesso às pesquisas sobre o material historiográfico, documental. Nós elaboramos uma pesquisa extensiva, que faz parte de uma cooperação técnica com o Sebrae”, enfatizou Bruno.

O estudo de campo inicial foi realizado pelos pesquisadores do LACC e contou com o engajamento de alunos do curso de Ciências Sociais, por meio de disciplina eletiva dedicada ao treino de alunos para atividades etnográficas. O grupo teve a parceria do Laboratório de Geoprocessamento Aplicado do Instituto de Geografia, Desenvolvimento e Meio Ambiente (Igdema), que possibilitou a demarcação da área da IG, com GPS.

Resultados

Questionários aplicados a turistas, comerciantes e produtores de filé situados em locais estratégicos, como Pontal da Barra, Praia do Francês e Barra de São Miguel, auxiliaram os pesquisadores.

O intuito foi a formulação de uma espécie de 'raio x’ do lugar que o filé ocupa na vida dessas comunidades, sob os pontos de vista comercial e cultural. A partir dos dados coletados, fizemos o relatório”, detalhou Bruno César Cavalcanti. O relatório elaborado pelo grupo serviu de subsídio para o futuro pedido de registro da IG.

O docente ressaltou a importância do estudo diante do novo cenário econômico das famílias artesãs. “Esse trabalho comprova a relevância do filé para a economia da área do CELMM e o papel de destaque que ele ocupa na renda familiar de seus produtores. Trata-se de um ofício bastante tradicional, familiar e comunitário, que envolve saberes e técnicas transmitidas por diversas gerações. Além disso, é especialmente importante como meio de inserção das mulheres no mercado de trabalho, fato que é ainda mais significativo quando verificamos que há uma crise na pesca”, avaliou.

Ícone alagoano

O filé está entre os elementos que mais traduzem o território alagoano. Esse tipo de bordado está em diferentes cenários e é característico da “Terra dos Marechais”. A beleza dos pontos e das cores despertou o interesse de grandes nomes da moda nacional pela técnica preservada em Alagoas.

Em agosto deste ano, a marca carioca Cantão apresentou sua coleção primavera/verão baseada no filé local, durante a Semana da Moda Alagoana, a Trend House 2013. Cerca de 40 artesãs do Complexo Mundaú e Manguaba estiveram envolvidas na produção de peças que abrilhantaram vestidos, blusas, bolsas e sandálias da loja.

Hoje, o filé é um ícone territorial, uma identidade visual da nossa terra. Ele possibilita uma retroalimentação de significados. Por isso, a Ufal tem feito ações em parceria com órgãos de governo e instituições de desenvolvimento que possibilitam a valorização desse bem e, com isso, das comunidades produtoras”, enfatizou Bruno César.