Museu Théo Brandão abre exposição de esculturas em madeira

Peças são do artista sergipano, falecido há quatro anos, Zé do Chalé

03/12/2012 10h38 - Atualizado em 14/08/2014 às 10h36
Zé do Chalé - Foto de Celso Brandão

Zé do Chalé - Foto de Celso Brandão

Jacqueline Batista

Sonho e realidade, ancestral e urbano, pássaros, estrelas, índios, elementos de religiosidade. Faces que permeiam o trabalho do artista sergipano, falecido em 2008, aos 105 anos, José Cândido dos Santos, o Zé do Chalé. A partir da próxima quarta-feira, 5 de dezembro, às 19 h, parte de sua obra poderá ser vista, gratuitamente, na exposição “Troféus – Geografia simbólica de Zé do Chalé”. As cinquenta peças, que ficarão expostas no Museu Théo Brandão até o dia 9 de março, fazem parte da coleção particular do fotógrafo Celso Brandão e da Galeria Karandash. A mostra também vai apresentar algumas peças de Zé do Chalé Filho, artista que deu continuidade ao trabalho do pai.

Descendentes de índios Xocós da Ilha de São Pedro, às margens do Rio São Francisco, Zé do Chalé ganhou esse apelido por causa de seu trabalho como construtor.  Em 2006, ao ser entrevistado pelo pesquisador Etienne Samain, da Universidade de Campinas (Unicamp), o artista explicou o motivo do apelido. "Porque eu só fazia chalé de madeira ou de palha, cobria de telha ou de barro e então me apelidaram de Zé do Chalé”, disse.

Foi somente aos 89 anos, quando se aposentou como carpinteiro, é que Zé do Chalé começou o trabalho artístico, a confecção de esculturas. Maçaranduba, cedro, eucalipto, umburana de cheiro, pinho, mulungu, jaqueira.  A madeira encontrada na região em que ele morava era a matéria-prima de seu trabalho.

Uma característica acentuada das esculturas são as formas cilíndricas com interior vazado, que o artista denominava de ‘troféus’. A religiosidade é outro aspecto marcante em sua obra. Peças que contêm diversos elementos do sagrado, como cruzes, coroas de espinho, cálices, sagrado coração e formas que lembram igrejas. Em seu artigo “Zé do Chalé e a triunfal obra de um artista Xocó”, o professor e antropólogo Ulisses Neves Rafael, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), analisa essa característica do trabalho do artista. “Muitas dessas ‘catedrais’ foram concebidas a partir de sonhos, o que talvez justifique a associação possível com o gótico”, escreveu.

De acordo com o antropólogo, o profano também encontra espaço na obra de Zé do Chalé, através de esculturas antropomorfas, que o artista chamou de carranca. Diferente das encontradas às margens do Rio São Francisco, as carrancas do artista são bonecos caracterizados pela deformidade. “Lembram algumas miniaturas totêmicas de sociedades míticas. Essas e outras imagens guardam muitas referências do universo cultural de onde procede o artesão. As reminiscências do passado podem ser notadas pela presença de figuras da natureza, tais como pássaros e ramos de árvores, que coroam os objetos que ele chamou de troféus”, escreveu.

Vivência urbana e a memória ancestral mesclam-se na obra do artista. “A arte de Zé do Chalé indica um entrosamento do mesmo com a natureza. Sua obra, talhada fundamentalmente em peças únicas de madeira, traduz seu entendimento pela vida. Assim, vida e obra se entrelaçam. Sua existência entre águas ribeirinhas, cultivada através de encantamentos religiosos cristãos e indígenas, vê-se inscrita em seu trabalho”, considerou o professor da Ufal, Siloé Amorim, que assina a curadoria da mostra ao lado de José Carlos Silva, Julio Cézar Chaves e Thaísa Sampaio Sarmento.

Para o psicólogo suíço Carl Jung, a obra de arte carrega em si a linguagem simbólica do inconsciente. Se essa característica existe nas obras em geral, parece que é ainda mais marcante na arte popular, terreno fértil para a linguagem ancestral.  Imagens do inconsciente que se revelam em produções autodidatas, objetos de arte que não resultam de um estudo sistemático, como é o caso da obra de Zé do Chalé. Na entrevista realizada por Etienne, o artista disse: “Eu faço essas peças diferentes umas das outras, não é porque meu povo faz isto, mas é porque Deus quiser assim. Vem na minha cabeça e eu dou um nome de taça ou troféu. A minha inspiração vem do cérebro. É Deus que me dá este dom para eu fazer estas coisas”, concluiu.