Repúdio à invasão policial na residência de Carlos Martins

Artigo das professoras Ruth Vasconcelos e Elaine Pimentel, publicado na Gazeta de Alagoas, na quarta-feira, 15 de agosto


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Escrevemos este artigo em nome do Núcleo de Estudos sobre a Violência em Alagoas (NEVIAL), com o objetivo de expressar a nossa indignação diante dos fatos ocorridos com o sociólogo e professor Carlos Martins, membro do NEVIAL.

Na manhã do dia 10 de agosto, enquanto se preparava para ir a um evento acadêmico na UFAL, Carlos, mestrando em sociologia, foi surpreendido, em sua residência, pela presença de membros da Divisão Especial de Investigação e Capturas (DEIC), que, encapuzados, revistaram toda a sua casa, de forma violenta, causando terror e constrangimento por quase uma hora. Do lado de fora, viaturas do BOPE e helicópteros rondavam a residência. Durante toda a ação, Carlos Martins tentava identificar-se e demonstrava não entender o propósito daquela abordagem, não esboçando reação alguma às determinações dos policiais.

Mesmo assim, os investigadores não deram ouvidos às suas palavras, obrigando-o a deitar-se no chão e algemando-o. Somente depois de nada encontrarem é que os policiais afirmaram tratar-se de um equívoco, fruto de erro no rastreamento de um celular, durante uma investigação sobre o roubo ocorrido em agência bancária situada em uma Instituição de Ensino Superior de Maceió. Já na sede do DEIC, recebeu pedidos de desculpas por parte dos policiais. Isso, porém, não é suficiente para apagar ou mesmo minimizar a dor e o trauma causados pelos atos violentos e desnecessários direcionados ao estudioso.

O fato aqui narrado, por si só, é motivo de grande preocupação e indignação por todos nós, alagoanos, e torna-se ainda mais preocupante porque sabemos que não se trata de um episódio isolado. Na verdade, amargamos a lamentável realidade de uma polícia que não se modernizou com o processo de redemocratização do País, mantendo algumas posturas arbitrárias, autoritárias e antidemocráticas que ferem frontalmente os princípios que dão sustentação ao Estado Democrático de Direito e aos valores que perpassam a ideia de direitos humanos. Fica muito difícil, na atual conjuntura, em que estamos nos esforçando para resgatar nossa confiança nas polícias, reunindo, até mesmo, argumentos para defender as iniciativas do Estado na implementação do seu plano Brasil Mais Seguro, ver o próprio Estado a agir com violência, violando brutalmente a dignidade de um cidadão como Carlos Martins, que é reconhecidamente defensor dos direitos humanos e de uma sociedade mais justa e igualitária. Tudo isso é, no mínimo, lamentável, para não dizer revoltante.

Como professoras da UFAL e pesquisdoras do NEVIAL, vimos a público manifestar nossa tristeza diante da estupidez cometida contra esse pesquisador que também compõe o nosso núcleo de estudos. Queremos dizer a todos que estamos indignadas, estarrecidas e, inevitavelmente, desesperançosas com os rumos do nosso Estado.

A polícia, que se constitui num dos pilares do Estado Democráico de Direito, perde, a cada dia, a confiança da sociedade, despertando medos não só imaginários, mas sobretudo reais. Essa não é a polícia que queremos, pois ela não nos ajuda a construir a democracia, mas sim um Estado de exceção, onde ninguém está a salvo de ser vítima da violência institucional.

Equipar policiais e perícia é importante, mas formar policiais que atuem com rigor ético e técnico é fundamental. Onde ética e técnica imperam, as arbitrariedades e os abusos não têm espaço. No caso em questão, se não há precisão no equipamento utilizado, então este não pode ser utilizado como referência para o cumprimento de mandados. Invadir um domicílio dessa forma, violando frontalmente a presunção de inocência insculpida na Constituição Federal, é um ato que deve ser repudiado não apenas pelos cidadãos e pelos estudiosos, mas também por todas as autoridades do nosso Estado, responsáveis maiores por esse tipo de ação. A ansiedade em dar respostas rápidas através da elucidação imediata de crimes de maior repercussão na mídia pode ser extremamente perigosa, se não resta preservado o respeito à população destinatária das investigações policiais.

Enquanto situações como essa vivenciada pelo sociólogo Carlos Martins forem o "normal" da atuação policial no Estado de Alagoas, não teremos segurança pública de verdade, mas medo e terror espalhados entre os cidadãos, que jamais confiarão nas nossas polícias. Esperamos, sinceramente, que esse absurdo não fique impune e que não se repita com outros alagoanos, maculando, da pior forma possível, o real sentido da cidadania. Lembremos o que diz o antropólogo Luis Eduardo Soares: “Enquanto não houver segurança para todos, não haverá segurança para ninguém”. Levemos esse pressuposto a sério, por favor!



[1] Coordenadora e Vice-coordenadora, respectivamente, do Núcleo de Estudos sobre a Violência em Alagoas (NEVIAL).