Professor ganha prêmio por projeto sobre o baião

Elder Maia conquistou prêmio da Funarte em homenagem ao centenário de Luiz Gonzaga

21/05/2012 11h35 - Atualizado em 14/08/2014 às 10h35
Professor Elder Maia ganhou Prêmio Funarte Centenário de Luiz Gonzaga

Professor Elder Maia ganhou Prêmio Funarte Centenário de Luiz Gonzaga

Manuella Soares - jornalista

É comum o Rei do Baião, sanfoneiro, cantor e compositor Luiz Gonzaga inspirar compositores, músicos, intérpretes, poetas e artistas de um modo geral, mas foi um pesquisador da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que ficou entre os premiados da Fundação Nacional de Artes (Funarte). O edital selecionou os melhores projetos em homenagem ao centenário de Luiz Gonzaga (1912-2012).

O professor do Instituto de Ciências Sociais (ICS), Elder Patrick Maia Alves, submeteu o projeto intitulado “A sociologia de um gênero: o baião” à rigorosa seleção, composta por quase 600 trabalhos, entre os quais assinavam músicos, produtores culturais,  cineastas e teatrólogos. “Eu estava ansioso, porque é um reconhecimento para mim mesmo, é um atestado de que o trabalho é sério e que estou fazendo algo rigoroso, empenhado. Então é uma satisfação pessoal muito grande, é um alento ser reconhecido por uma instituição tão séria como a Funarte”, comentou.

Além dos critérios de avaliação, como qualidade artística e relevância no panorama local, cada projeto, necessariamente, deverá sair do papel para se tornar uma atividade prática. A pesquisa sobre o baião, realizada pelo professor Elder, será convertida em um livro de interesse sociológico sobre o ritmo popular. “O maior desafio foi demonstrar a densidade do projeto. Eu tinha que apresentar um projeto que mostrasse que eu teria domínio e condições de realizar, porque afinal de contas é uma aposta. Então, enviei o  texto mais completo que pude ”, disse.

O prêmio

O único concorrente do Estado de Alagoas a vencer o Prêmio Funarte Centenário de Luiz Gonzaga – 2012 foi o professor Elder Maia, agraciado com a quantia de R$ 35 mil. O resultado divulgado neste mês, comunicou a relação dos 20 ganhadores das três categorias de premiação, R$100 mil, R$50 mil e R$ 35 mil.

Para Maia, submeter um trabalho ao Prêmio Funarte Centenário de Luiz Gonzaga foi uma experiência diferente e desafiadora, porque o edital não era - diferente de outros editais, nos quais está acostumado a concorrer, inclusive os da própria Funarte - estritamente dedicado à realização de uma pesquisa científica, e sim mais ampliado, dirigido ao fomento, ao incentivo e à criação de atividades e produtos artístico-culturais ligados a Luiz Gonzaga e ao baião, em que os contemplados devem apresentar a concretização do projeto até dezembro de 2012, mês de aniversário do pernambucano.

A comissão avaliou os 589 projetos inscritos e selecionou aqueles que obedeciam aos critérios de qualidade artística; relevância no panorama cultural local, regional e/ou nacional; qualificação da pessoa física ou jurídica e dos profissionais envolvidos; viabilidade prática; capacidade de divulgação das obras, atividades ou produtos e/ou difusão dos conteúdos propostos. A intenção era premiar as ações dedicadas não só à obra do músico e compositor pernambucano, mas também ao seu universo cultural e artístico, e aos gêneros musicais que o consagraram, como baião, xote e xaxado, entre outros.

Proposta do livro

O título já está escolhido, será o mesmo do projeto ganhador do edital da Funarte: “A sociologia de um gênero: o baião”.  O esboço dos três capítulos foi enviado para a seleção, extraindo o núcleo de cada um numa cronologia que pesquisa desde as melodias e ritmos, os instrumentos musicais, os símbolos para a formação da memória lúdica do baião, até a o processo de nacionalização dos conteúdos musicais entre as décadas de 20 e 50 do século passado.

“O livro não vai trazer grandes contribuições melódicas e musicais, porque já existe muita coisa sobre isso e é de conhecimento de todos. Como a linguagem é mais árida, mais técnica mesmo, o objetivo é fazer uma reflexão sociológica sobre o baião”, destacou o professor Elder.

Uma grande oportunidade surgiu na vida do pesquisador para se aprofundar no tema e enriquecer o conteúdo do livro. Entre agosto e setembro, ele vai morar no Rio de Janeiro para realizar seu pós-doutorado, numa parceria do PPGS/ICS/Ufal com o Programa de Antropologia e Sociologia da UFRJ (PPGSA) e do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), resultado da aprovação do Procad/Casadinho, em dezembro de 2011, junto ao CNPq.

O tema da pesquisa (já em curso desde a sua pesquisa de doutoramento) é “A economia criativa no Brasil”,  que envolve também a formação de gêneros musicais, como o baião, inscritos na ampliação e diferenciação do mercado cultural brasileiro. “Acredito que esse ponto contou muito para a aprovação do meu projeto na Funarte, já que eu estarei residindo na cidade que abriga um grande número de acervos documentais e instituições, dentre elas o arquivo da Rádio Nacional, a Biblioteca Nacional, o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS).

Interesse pelo tema

O professor se interessa pelo assunto Luiz Gonzaga/baião desde 2003, quando apresentou a dissertação de mestrado na Universidade de Brasília, intitulada “A configuração moderna do Sertão”, premiada pelo Departamento de Sociologia (SOL-UnB) como a melhor dissertação de 2004. Mas Elder Maia sentiu a necessidade de estudar mais especificamente sobre o baião e tocou a ideia adiante no doutorado.

Na tese de doutorado “A economia simbólica da cultura popular sertanejo-nordestina” (2009), também pela Universidade de Brasília (UnB), queria entender o mercado de bens simbólico-culturais a partir do qual se formavam práticas específicas de consumo na cultura popular sertanejo-nordestina. Então, necessariamente, passou pelos festejos juninos e pelo baião.

A tese virou livro publicado pela Editora da Ufal, em 2011, e recebeu dois prêmios nacionais, um de políticas culturais (Prêmio de Pesquisa em Cultura e Políticas Publicas de Cultura, promovido pelo Ministério da Cultura, em 2010) o outro, de pesquisa em arte e economia da arte no Brasil (promovido pela Fundação Bienal de Arte de São Paulo, também em 2010).

O objetivo da tese foi fazer uma reflexão sociológica que descortinasse, entre outros aspectos, os processos políticos, estéticos e econômicos que concorrem para a formação de um mercado de bens simbólicos assentado no valor de “tradição” e “autenticidade”, que grupos, instituições, governos, corporações e consumidores atribuem ao baião e a toda narrativa de significado da cultura popular sertanejo-nordestina, que abriga expressões como a literatura de cordel, os objetos da arte figurativa, a culinária, o artesanato, as danças, a mitologia do catolicismo rural sertanejo, além de personagens-símbolos, condutores de um incessante fluxo simbólico, como Antônio Conselheiro, Padre Cícero e Lampião.

No entanto, a influência do Rei do Baião na vida do pesquisador ocorre desde a infância, na Bahia, em Senhor do Bonfim, onde nasceu, e na Filadélfia, onde cresceu e passou a adolescência. Ali, no torrão natal, ouvia as melodias do baião ecoar pelas rádios locais e durante os ciclos de festejos juninos.

Um dos maiores arrecadadores de direitos autorais durante as festas juninas até hoje e, fenômeno midiático pré-televisão, o baião de Luiz Gonzaga (e também de seus principais parceiros, como Humberto Teixeira e Zé Dantas) é um objeto de estudo difícil de conduzir. “Para realizar um trabalho científico, é preciso se distanciar do que existe de paixão, pegar o que tem de puro encantamento e fascinação e deixar de fora”, lembra.

“O baião me deixa mais nordestino, o prêmio me deixa mais sertanejo e reforçam o compromisso e o meu senso de pesquisador. Os dois aspectos estão socialmente ligados, mas também podem e devem ser separados”, continua o professor falando sobre as sensibilidades que o gênero desperta, ao mesmo tempo em que se confrontam, se harmonizam. “A mim sensibiliza de duas maneiras: uma estética, poética, lírica e musical; a outra, de forma científica, acadêmica, rigorosa, que motiva a tornar o baião objeto de uma investigação sociológica”.

O Baião

A famosa letra faz a devida apresentação: “Eu vou mostrar a vocês como se dança o baião, e quem quiser aprender, é favor prestar atenção...”. O compasso mais lento convida a dançar junto, evoca e simboliza os sons rurais. Para Elder, “é como se sintetizasse uma musicalidade nordestina. O baião foi importante para o processo de nacionalização dos conteúdos musicais no intervalo das décadas de 20 e 50 do século passado, quando passou a existir a possibilidade de transmissão e difusão em larga escala da música, com o surgimento das rádios e das gravadoras. O baião é rural, mas só se define no espaço urbano”.

“É parte da estrutura de sensibilidade do mundo rural que se realiza e se plasma nas condições sócio-urbanas. Diz respeito à atualização das reminiscências das memórias lúdico-orais [cantos, danças, sons...], que encontram no espaço urbano-metropolitano as condições de possibilidade. Além disso, o baião é a chave para a compreensão do processo de autonomização de significado do Sertão nordestino e de toda sua representação sócio-simbólica na longa duração, pois, mediante suas canções o sertão nordestino passou, paulatinamente, também a ser identificado como espaço do lúdico, da diversão, da criatividade artístico-estética e, portanto, um dos representantes diletos e mais legítimos do que estava sendo urdido e definido, na primeira metade do século 20, como brasilidade ou identidade nacional brasileira”, completou.

Professor premiado

Elder Patrick Maia Alves tem graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (2002), mestrado em Sociologia pela Universidade de Brasília (2004) e doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília (2009). Desde 2008, é professor do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), setor de sociologia, e professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS-Ufal).

É membro do grupo de pesquisa Cultura, memória e desenvolvimento (UnB, Uesb, UFBA, UFRB, PUC e Ufal), pertence a linha de pesquisa Cultura, Patrimônio e Memória do PPGS, e também líder do Laboratório de Investigação sociológica (SocioLab), além representante do ICS/ Ufal junto à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal).