O embrião de um projeto

Assim como é arriscado descrever um fato longe do seu contexto, o mesmo vale para a tendência em dividir a história em cronologias estanques. Falar dos 50 anos da Ufal exige a escolha de uma lente de leitura que seja capaz de enxergar os acontecimentos não como uma sequência de fatos isolados, mas como fases tomadas de continuidades e rupturas de uma história ainda em curso.

03/01/2011 09h54 - Atualizado em 13/08/2014 às 11h08

 

Simone Cavalcante - jornalista e Élcio Verçosa - doutor em Educação

  

Como nasceu e se consolidou o projeto da universidade? Quem foi seu mentor e quais foram seus atores? Que motivos impulsionaram sua criação? E quais os objetivos que garantiram sua permanência? Em busca de respostas a essas indagações, é preciso recuar os ponteiros do tempo, chegando à década de 1930, marco inicial da primeira iniciativa formalmente concebida e bem sucedida de ensino superior no Estado: a fundação da Faculdade de Direito de Alagoas. Criada em 1931 e oficializada dois anos depois, ela surgiu da ideia do funcionário Agostinho Benedito de Oliveira e contou com o empenho de alguns professores, todos pertencentes ao Liceu Alagoano.

 

Enquanto funcionou na Praça Montepio, no Centro de Maceió, a faculdade manteve, no seu corpo docente, catedráticos, membros fundadores, professores fixos e temporários; e conferiu grau a turmas de bacharéis de Alagoas e de outros Estados, que ingressavam na vida pública administrativa ou atuavam como profissionais liberais. Três episódios marcam a história da faculdade: a diplomação de duas mulheres, Alda Pinheiro e Antonieta Duarte, em 1934, ano de promulgação da constituição brasileira que garantia o voto feminino, a federalização da Faculdade ainda nos anos de 1940 e a visita do presidente Juscelino Kubitschek durante as comemorações das bodas de prata da instituição. 

 

A Faculdade de Direito de Alagoas passou quase duas décadas sendo a única iniciativa de educação superior até surgir nos anos de 1950 uma safra de novas instituições legalmente reconhecidas: Medicina (1951), proposta pelo médico Abelardo Duarte; Filosofia (1952), idealizada pelo padre Teófanes Augusto de Barros, vinha responder à demanda de professores nas escolas de ensino secundário; Ciências Econômicas (1954), criada pelo Sindicato dos Empregados no Comércio do Estado de Alagoas; Engenharia (1955), formada por um grupo de profissionais da área; e Odontologia (1957), uma fusão entre as faculdades de Maceió e de Alagoas, esta última fruto do idealismo do professor Alberto Mário Mafra.

 

Em 1960, os dirigentes da Faculdade de Medicina aliados a alguns políticos, sob a liderança do médico A. C. Simões, um dos pioneiros das Instituições de Ensino Superior (IES), empreendem em Brasília uma marcha pela federalização desta instituição. Contudo, ao tomar conhecimento de que era possível aprovar um projeto de universidade em vez de reconhecer-se de forma isolada, Dr. Simões convenceu todos a mudarem de estratégia e passou a liderar o movimento favorável à criação da Ufal. No salão nobre da faculdade, em 11 de agosto de 1960, dia do estudante, os diretores das seis escolas superiores do Estado e algumas autoridades políticas assinam um memorial solicitando ao presidente JK, o atendimento dessa reivindicação. O memorial foi levado para a capital federal por Adalberto Câmara, presidente do Diretório Central dos Estudantes.

 

O processo de surgimento da universidade talvez seja o único episódio na história local que contou com a adesão unânime de toda a bancada alagoana em Brasília, independente de partido, segundo noticiou, na época, o Jornal de Alagoas e afirma Dr. Simões em suas memórias. O projeto passou pelos trâmites na Câmara e no Senado em caráter de urgência e no apagar das luzes do governo JK, tendo o apoio imprescindível dos políticos Medeiros Neto, Freitas Cavalcanti, Abrãao Moura e Ruy Palmeira, presentes em todas as etapas do processo. A aprovação da proposta envolveu, assim, vários segmentos da classe política e da sociedade civil alagoanas.

 

A associação das seis faculdades em torno de um projeto em comum atendia ao modelo em vigor no Brasil que segmentava o saber em três grandes áreas (exatas, humanas e saúde), tendo a filosofia como a pedra angular. Como afirmou o reitor Manoel Ramalho, em depoimento à Folha Semanal da Ufal, em 1991, “a idéia de universidade foi concebida a partir de instituições de pesquisa e de ensino filosófico e teológico da antiguidade Greco-romana, impulsionadas por necessidades de reforçar seus prestígios e racionalizar a utilização de seus recursos”. Mesmo diante da febre da modernização, o ensino superior em Alagoas, como em todo o país, continua espelhado ainda hoje em alguns preceitos do modelo napoleônico de universidade adotado, por muitos séculos, na França: a divisão do conhecimento em faculdades isoladas e o culto ao ritual da colação de grau e da certificação pelo diploma como chaves para o ingresso no mercado de trabalho.  

 

Essa primeira fase que vai desde a origem e a regulamentação das faculdades de Medicina, Direito, Filosofia, Ciências Econômicas, Odontologia e Engenharia até o processo de aglomeração num projeto único seria uma espécie de proto-história, o marco inicial de construção da Universidade Federal de Alagoas. Quase todas as universidades públicas brasileiras criadas nesse período tomaram o mesmo percurso, encontrando na associação de faculdades já existentes um caminho viável para a democratização do acesso a práticas e saberes até então reservados a uma parcela mínima da população.