Profissionalização precoce segue sem solução

Efeito provoca evasão e traz grandes prejuízos às universidades

08/01/2009 14h43 - Atualizado em 12/08/2014 às 23h52

Se o estudante tiver ingressado no Ensino Fundamental na idade certa e, ao longo de toda a vida escolar, não tiver repetido nenhum ano, terá de escolher uma profissão já por volta dos 17 anos. Mas será que os jovens estão preparados para tomar a decisão que marcará suas carreiras - e suas vidas - pelos próximos anos? Há maturidade para fazer a escolha mais adequada às suas necessidades e afinidades? Mais ainda, é possível definir com precisão quais são, exatamente, suas preferências? Apesar da polêmica que o assunto ainda gera na academia, há quem acredite que a resposta para todas essas questões seja negativa.

No ano de 2006, de acordo com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), as IES (Instituições de Ensino Superior) particulares registraram evasão de 25,1%, o equivalente a 669 mil estudantes. Para as instituições públicas o índice se manteve na casa dos 12,4%, o que representa o abandono de 123 mil alunos. E isso já causa prejuízos que se aproximam da casa dos R$ 6 bilhões, segundo estimativas do Instituto Lobo para o Desenvolvimento da Educação, da Ciência e Tecnologia.

Os fatores socioeconômicos, porém, não são os únicos a contribuir para o aumento da evasão. A profissionalização precoce também leva muitos estudantes a abandonarem o curso. "O sistema exige que os estudantes tomem esta decisão sem que eles estajam preparados, o que acaba por se voltar contra eles mesmos", afirma o reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia), Naomar de Almeida Filho. Indício de que há muita insegurança em relação à opção profissional é o índice de evasão no primeiro ano de curso. Os estudos apontam que a taxa chega a ser até três vezes maior nessa fase do que nos demais períodos da graduação.

Na opinião de Almeida Filho, a estrutura curricular das universidades também contribui para a decisão precoce sobre a carreira. "Diferente dos modelos europeu e americano, os brasileiros ingressam no Ensino Superior para uma 'especialização', o que reduz o escopo de formação de um profissional completo, ou seja, que não mescla conhecimentos técnicos com os chamados humanísticos", explica. O reitor destaca ainda que a raiz da universidade propõe uma formação geral. "Porém, isto vem se perdendo com o tempo", enfatiza.

De um lado, a formação que parece ter pressa para colocar profissionais no mercado de trabalho, do outro, aquela que pretende formar não apenas reprodutores do conhecimento, mas profissionais com condições de processar e produzir informações. Caminhos diferentes que, segundo o presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), Amaro Lins, têm gerado uma série de equívocos no sistema. "Embora o mercado de trabalho brasileiro tenha sofrido com o apagão de carreiras e a ausência de mão-de-obra qualificada, a globalização dos negócios exige que os profissionais tenham visão de mundo mais extensa", enfatiza.

A analista do IBTA Carreira, Priscila Azevedo, partilha da mesma opinião de Lins. "O que as empresas buscam são profissionais com aplicabilidade. Ou seja, com competências técnicas e comportamentais", descreve ela. Segundo Priscila, a característica é cobrada, inclusive, dos profissionais tecnológicos. Apesar das crescentes exigências do mercado de trabalho, o gerente de relacionamento da Gelre - Consultoria de Recursos Humanos -, Pedro Scigliano, afirma que há carência de formandos com essas características. "A preocupação demasiada com a formação técnica faz com que os estudantes esqueçam de desenvolver habilidades pessoais", observa ele. Tal preocupação, para Lins, também faz parte da missão das universidades. "Habilidades que, apesar de pessoais, integram a formação profissional de qualquer indivíduo. Se a obrigação da instituição é formar profissionais completos, não tem como deixar de lado essa questão", declara ele.

Alternativas

Como alternativa à profissionalização precoce, o sistema dos Estados Unidos adotou o Community College. A iniciativa permite que os alunos se matriculem no Ensino Superior sem a necessidade de definir antecipadamente qual curso pretender concluir. "É uma oportunidade para que os jovens possam se adaptar ao ambiente universitário e, ainda, adquirir maturidade na escolha profissional", acredita Almeida Filho. Com o Tratado de Bolonha, a Europa mostra que também implantará metodologia de ensino similar.

Para o presidente da Andifes, no entanto, a importação do modelo europeu ou estadunidense não é garantia de sucesso para a resolução do problema de profissionalização precoce do Brasil. "É preciso considerar que os ambientes são diferentes, desde a situação econômica e perfil sócio-econômico dos estudantes, até o projeto de desenvolvimento do País. Diferenças que também refletirão no resultado do programa", afirma Lins, que considera prematura a substituição do sistema tradicional brasileiro.

A ressalva é encampada pela pró-reitora de graduação da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica de Rio Grande do Sul), Solange Medina Ketzer, que acredita que o modelo de ciclo básico no Ensino Superior é coerente às necessidades brasileiras. "Alternativa similar [à européia ou norte-americana] foi adotada na década de 80, mas não teve longevidade porque os estudantes evadiam principalmente por não enxergarem relação do aprendizado com o mercado de trabalho", explica. Outro ponto levantado por Solange diz respeito à mudança do perfil do universitário, o que, igualmente, inviabilizaria o sistema. "As classes C e D chegaram ao Ensino Superior e precisam ingressar mais rápido no mercado". Isso não significa, porém, ignorar a formação humanística. "O ideal é mesclar os conhecimentos humanos e técnicos durante o curso", diz ela. A pró-reitora sugere como alternativa mais viável à profissionalização precoce e à evasão a mobilidade acadêmica interna. "Se, ao longo do curso, o estudante perceber que não quer seguir o caminho escolhido, é possível migrar para outra área, de maneira que possa aproveitar os créditos cursados", explica Solange.

Graduação em ciclos

Há, no entanto, alguns modelos brasileiros que adaptaram as experiências internacionais à situação brasileira. Este é o caso da UFABC (Universidade Federal do ABC), instituição composta pelos centros de Ciências Naturais e Humanas, de Matemática, Computação e Cognição e de Ciências Sociais Aplicadas. "Os candidatos, no entanto, se matriculam na universidade e não em um dos institutos", ressalta o reitor pro tempore da universidade, Adalberto Fazzio.

Uma vez admitido, o estudante precisa completar um mínimo de 190 créditos, divididos em disciplinas obrigatórias (40%), disciplinas de opção limitada (30%), e disciplinas de opção livre (30%) para obter o diploma de Bacharel em Ciência e Tecnologia. Só depois dessa formação, é possível prosseguir os estudos rumo à Graduação em Engenharia, Ciências da Natureza, Matemática ou Ciência da Computação. "Durante o período inicial, o aluno terá experiência em todos os conhecimentos da ciência dura, o que permite uma formação mais ampla, além de mais tempo para escolher o que realmente quer", diz Fazzio.

A UFBA, apesar de não ter abandonado o processo tradicional, também criou sistema acadêmico diferenciado para induzir a formação generalizada e ainda permitir que o estudante pense mais sobre o seu destino profissional. No chamado Bacharelado Interdisciplinar, os pré-universitários têm a oportunidade de ingressar na universidade ao escolher apenas a área de formação e não o curso. Há opções para Artes, Humanidades, Ciência e Tecnologia ou Saúde. "O primeiro ano é composto pela formação geral do estudante e pela orientação acadêmica", resume Almeida Filho. Para o reitor da UFBA há matérias - tais como a Língua Portuguesa, a Antropologia, a Filosofia e a Ética - que deveriam ser obrigatórias em todas as áreas e cursos tanto pela formação quanto pelas imposições do mercado de trabalho. "A busca é por profissionais mais maleáveis e flexíveis na sua formação", acrescenta ele.

A recepção dos brasileiros em relação à novidade, na opinião de Almeida Filho, é positiva e comprovada no próprio vestibular da UFBA. "O quinto curso mais procurado na universidade foi o do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, com concorrência de 10,5 candidatos por vaga no processo seletivo. A competição no Bacharelado em Ciência e Tecnologia foi de sete candidatos por vaga", cita o reitor.

As inovações no sistema de ensino têm, inclusive, obtido o aval indireto do MEC (Ministério da Educação). O Reuni (Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) aparece como possível oportunidade para a implantação do conceito de formação geral no Brasil. "Grande parte da verba que a UFBA recebeu do programa está direcionada ao projeto de bacharelado interdisciplinar. E, se o governo liberou a verba, significa que há apoio", afirma Almeida Filho.

Apesar da abertura do MEC, Fazzio não acredita que o Brasil venha substituir o modelo tradicional pelo processo adotado por UFABC e UFBA. "A curto prazo, essa hipótese é inviável pela própria estrutura da universidade, mas o fato do tema fazer parte dos principais debates acadêmicos já é um passo para mudanças mais significativas", acredita ele.

Larissa Leiros Baroni, disponível em www.universia.com.br