Laboratório de Matemática desenvolve soluções em IA com alto grau de impacto

Tecnologia tem sido usada por instituições públicas, como o Tribunal de Justiça de Alagoas, e até por multinacional
Por Eduardo Almeida - jornalista / Fotos: Renner Boldrino
02/02/2024 15h24
Professor Krerley Oliveira

Professor Krerley Oliveira

A inteligência artificial chegou para ficar na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). O Laboratório de Estatística e Ciências de Dados (LED), vinculado ao Instituto de Matemática, vem desenvolvendo soluções com alto grau de impacto baseadas na tecnologia. A IA, como é conhecida, tem sido utilizada por instituições públicas, a exemplo do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), e por empresas privadas, como a multinacional francesa Ceva. 

A proposta do Laboratório é trabalhar com problemas reais, utilizando técnicas de aprendizagem de máquina para apresentar soluções a demandas de empresas e de órgãos públicos. Além do TJ/AL e da Ceva, o LED desenvolve ou já desenvolveu iniciativas com a Secretaria da Fazenda do Piauí, o Ministério Público da Paraíba, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a Organização Mundial da Saúde e a Prefeitura de Florianópolis. 

“O laboratório surgiu em 2018. Desde então, nós desenvolvemos vários projetos, tanto para instituições públicas quanto para a iniciativa privada. Dividimos as atividades em áreas: processamento de linguagem natural; visão computacional, com base em imagens e vídeos; e ciência dos dados. Essas são as três linhas de trabalho do laboratório desde então”, explicou o professor, pesquisador e coordenador do projeto, Krerley Oliveira. 

De acordo com ele, o LED está estruturado em três pilares fundamentais. O primeiro deles é formar pessoas. O segundo é causar impacto social. Por fim, o laboratório também busca financiar atividades específicas da Universidade por meio de parcerias. Atualmente, cerca de 30 pessoas integram a equipe, entre estudantes de ensino médio, de graduação, de pós-graduação e de professores que compõem o Instituto de Matemática. 

Uma das iniciativas desenvolvidas pelo Laboratório foi o “Hércules”, um sistema que tem como base inteligência artificial e que auxilia o Tribunal de Justiça de Alagoas na análise de processos. O convênio entre Ufal e TJ/AL foi assinado no ano de 2019 e, segundo os responsáveis pelo projeto, a tecnologia contribuiu com a análise de mais de 40 mil processos somente no primeiro semestre deste ano de 2023, auxiliando diretamente na celeridade da Justiça. 

“O Hércules é um ‘braço’ do laboratório que visa construir algoritmos de linguagem natural para entender textos judiciais, mais especificamente a semântica do texto judicial e, a partir daí, desenvolver questões que são do interesse do Judiciário e que implicam em uma maior agilidade e eficácia”, explicou o professor Krerley Oliveira. 

A tecnologia utilizada pelo TJ/AL foi desenvolvida em etapas a partir da demanda do Judiciário. O primeiro passo consistiu na “escuta”, ou seja, em compreender o problema que era enfrentado para, então, pensar em soluções. O passo seguinte foi o desenvolvimento de uma inteligência artificial baseada em linguagem natural que pudesse atender à solicitação. O sistema foi entregue no início de 2020 e vem sendo aprimorado desde então. 

No caso específico do TJ/AL, a ferramenta de inteligência artificial desenvolvida pelos pesquisadores da Ufal tem sido utilizada pela 15ª Vara Cível de Maceió, responsável pelos processos de execução fiscal do município, principalmente cobrança de IPTU. A iniciativa levou o TJ/AL à final do "Prêmio Inovação - Judiciário Exponencial" em 2020, ao lado de iniciativas do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. 

“Antes, o município peticionava e o processo ia para a fila de petições intermediárias, e cabia a um servidor analisá-los e movê-los para uma fila específica, como de pedido de execução, de desistência, de bloqueio do Sisbajud. O Hércules faz isso sem precisar de um servidor, o que agiliza muito o serviço”, afirmou o magistrado Sandro Augusto, responsável pela 15ª Vara Civil de Maceió, em entrevista à assessoria do TJ à época da implantação. 

À Saber Ufal, José Batista, diretor de Tecnologia da Informação (Diati) do Tribunal de Justiça de Alagoas, informou que o convênio entre o Judiciário e a Ufal foi suspenso, de forma temporária, no final do primeiro semestre de 2023 e que tratativas estavam sendo realizadas no sentido de retomar a parceria, visto que a ferramenta tem uma capacidade de precisão de mais de 95% na análise dos processos que chegam até a 15ª Vara Cível. 

Outra iniciativa relevante desenvolvida pelo Laboratório aconteceu em parceria com a Prefeitura de Maragogi. Durante o período de pandemia de covi-19, foi desenvolvido um sistema para coleta de dados com base em inteligência artificial. A parceria foi reconhecida pelo Programa Cidades Sustentáveis, uma agenda de sustentabilidade urbana que envolve as dimensões social, ambiental, econômica, política e cultural no planejamento municipal. 

Entre as parcerias com a iniciativa privada, está a multinacional Ceva, que tem sede na França e representação no Brasil. A empresa realiza pesquisa, desenvolvimento, produção e comercialização de produtos farmacêuticos para animais como aves, ruminantes e suínos. 

O coordenador do Laboratório de Estatística e Ciências de Dados da Ufal, Krerley Oliveira, explica que a formalização das parcerias com a Ufal acontece por meio de convênios. “Do ponto de vista formal, é firmado um convênio, que é um contrato entre a Universidade e a empresa. É algo simples de fazer, aprovado pelo Consuni. Antes, é feita uma triagem para se verificar se os interesses da empresa e da Ufal convergem. E essa tramitação é feita via Fundepes [Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa]. Quem contrata a gente está financiando diretamente”, disse. 

Questionado sobre o balanço que faz sobre a atuação do Laboratório, Krerley Oliveira é enfático em ressaltar a evolução não apenas do setor específico que lidera, mas de todo o Instituto de Matemática. “Não posso deixar de pensar que o balanço é positivo. Quando cheguei na Ufal, não havia sequer computador. De 2003 até hoje, nós viramos referência nacional em algumas questões voltadas à inteligência artificial”.  

O professor e pesquisador complementa: “Academicamente, o Instituto está maduro. Pensando que, em 1996, tive que sair de Alagoas para fazer um mestrado, hoje não é mais necessário. Nosso Instituto conta com programa de pós-graduação que oferece mestrado e doutorado. Se você me perguntar se eu estou satisfeito, a resposta é não. Acho que estamos só no começo. Acho que precisamos avançar mais. Ainda há muita deficiência no estado, que carece de energia, esforços e mais recursos”, acrescentou. 

Um dos desafios apontados por Krerley Oliveira é a necessidade de parcerias com o poder público em Alagoas. “Uma coisa que me deixa triste é saber que não conseguimos interlocução com o governo do estado e com a Prefeitura de Maceió. Em 20 anos, nunca houve um convênio. A gente trabalha com o TCE da Paraíba, com o MP da Paraíba, com multinacional francesa, mas não consegue em Alagoas. É um desafio”, concluiu.