Tese de doutorado de estudante egresso da Ufal será publicada pela UFSC

Igor Luiz Rodrigues da Silva entrou no doutorado pelas cotas das políticas sociais afirmativas
Por Lenilda Luna - jornalista
10/03/2023 15h03 - Atualizado em 14/03/2023 às 16h36

Defesas de teses de doutorado são rotina na vida acadêmica, mas nesse caso, há uma história que merece ser contada. Tudo começa quando Igor Luiz Rodrigues da Silva, morador da cidade de Pão-de-Açúcar, sertão de Alagoas, às margens do Rio São Francisco, conquista a aprovação no bacharelado em Ciências Sociais, em 2006.

Igor, que saiu da cidade ribeirinha para cursar Ciências Sociais de 2006 a 2010, na Ufal, depois se tornou o primeiro da sua família a entrar num programa de pós-graduação e levou o Rio São Francisco com ele. Ano passado, exatamente no dia do aniversário do velho Chico, em 4 de outubro, a tese foi aprovada com com excelência acadêmica, pela banca examinadora do programa de pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

No doutorado, Igor entrou pelo programa de cotas. Aqui podemos lembrar que a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) é pioneira na implantação dessas políticas de ações afirmativas. A Ufal foi a primeira do Brasil a ter um Centro de Estudos Afro-Brasileiros (Ceab), criado em 1980, durante a Semana Zumbi, evento realizado na Serra da Barriga. Foi uma das três primeiras universidades a implantar cotas para garantir igualdade de participação no vestibular para estudantes afrodescendentes, de baixa renda, oriundos de escolas públicas.

O tema do estudo tem tudo a ver com a trajetória do pesquisador: Há um rio que vive e navega em meus sonhos, um preto velho me contou: memórias, paisagens e práticas do São Francisco nas ruínas do Antropoceno. “Sabe o que significa escrever um texto através de suas próprias memórias, sua percepção sobre paisagens e práticas do rio São Francisco, sem abrir mão das convicções, das suas narrativas familiares, sobre o cotidiano descrito, visto e participante dele?”, destacou o Igor ao falar desta conquista.

Mas para quem enfrenta os desafios de uma vida marcada por desigualdades sociais, nada é fácil. Igor atrasou a entrega das correções que foram feitas pela banca examinadora, para encaminhar a publicação da tese no repositório científico da Biblioteca Universitária da UFSC. No início de março, o orientador da tese, professor Rafael Victorino Devos, emitiu um parecer para justificar a entrega da versão final da tese de doutorado fora do prazo regimental.

Poderia ser mais um simples ato da rotina acadêmica, mas não no caso de Igor. O parecer foi mais uma reflexão de que a academia deve levar em consideração, ao determinar prazos, as situações específicas de pessoas que por sua condição de vida não tem a oportunidade de uma dedicação integral à pesquisa, precisando conciliar com o trabalho. Além disso, o orientador destacou no parecer a dedicação do pesquisador à representação estudantil para o fortalecimento das políticas afirmativas.

O parecer e a garantia de que a tese será aceita e publicada, foi mais um momento de celebração do egresso da Ufal. “Me emocionou receber esse parecer porque todas as vezes que eu estava contribuindo com o programa de pós-graduação, com a Universidade, eu estava ainda mais distante da minha família, da minha terra e sofria bastante por isso, me achando egoísta por estar distante”, declarou o estudante em suas redes sociais.

E ressaltou ainda, “eu preciso aprender a comemorar as minhas vitórias. Eu preciso entender de uma vez por todas, que eu sou capaz de conquistar muitos sonhos, de escrever e pesquisar sobre o que eu quiser e como eu quiser. Que eu não preciso ficar com vergonha e ou renegar ser chamado de Doutor. Eu batalhei muito para ser chamado assim e já está na hora de aceitar a nova condição”, reflete Igor.

Igor informa que a tese logo mais ficará disponível para leitura na BU e que ele pretende publicá-la em forma de livro. Para além da contribuição do pesquisador para o desenvolvimento da antropologia ribeirinha, com um texto de alta qualificação intelectual, fica também o exemplo de superação e mais um depoimento que reforça o ganho para a sociedade quando as políticas de ações afirmativas são implementadas na pós-graduação das universidades.