Pobreza Menstrual é tema de blog criado por alunos de Ciências Sociais

Projeto foi iniciado na disciplina Práticas de Extensão e traz diálogo sobre tema tabu; blog será continuado pelos estudantes
Por Ascom Ufal com Paulo Canuto - estudante de Jornalismo
04/03/2022 09h50 - Atualizado em 04/03/2022 às 10h55

O tema pobreza menstrual está em alta desde que o projeto de lei PL 4968/2019 previa a criação do Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos nas escolas públicas. O projeto foi vetado em outubro de 2021, pelo presidente Jair Bolsonaro, mas iniciou um intenso debate, que levou os estudantes Rita de Cássia Higino; Brena Lira, Erick Künchenmeister e  Flaviano Segundo, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas (ICS/Ufal), a criarem um blog sobre o tema.

A iniciativa foi um trabalho realizado na disciplina Práticas de Extensão em Ciências Sociais 1. “Participar dessa disciplina de extensão e executar a construção de um blog foi, além dos aspectos práticos da elaboração de um produto de acesso público, uma tarefa de resiliência e persistência. Resiliência porque eu e minha equipe tivemos contato com depoimentos muito sensíveis e uma realidade muito penosa de meninas muito novas à mulheres adultas”, conta Rita Higino, estudante do 5° período de Ciências Sociais.

E acrescenta: “Por isso, persistir com essa temática nos gerou um sentimento de revolta que nos levou a procurar mais informações e movimentações públicas sobre a questão da pobreza menstrual a fim de dar visibilidade sobre a situação indigna que mulheres passam pela ausência de recursos para aquisição de produtos de higiene íntima e que até hoje não tem a cobertura devida pelo Estado Brasileiro”.

A estudante enfatiza que não se encontra o evento do ciclo menstrual sendo abordado e discutido como assunto de saúde pública, pelo menos não de forma massiva e com a importância devida. Daí, é possível o reconhecimento da importância desse tema e participação ativa sobre essa temática. 

A disciplina Práticas de Extensão em Ciências Sociais 1 tem o objetivo de realizar e divulgaras atividades de extensão vinculadas ao Programa de Extensão do ICS. A ideia da disciplina é produzir conhecimento através de ações participativas como pesquisa-ação, buscando acumular informações conversando com diferentes pessoas que pertencem a organizações governamentais e não-governamentais.

A professora Silvia Martins, responsável pela disciplina, explica que a ideia do blog é instrumentalizar estudantes para desenvolverem ações planejadas de extensão voltadas para atividades de elaboração de eventos, dando visibilidade aos conteúdos produzidos pelas organizações dentro de suportes técnicos e estéticos audiovisuais, utilizando o cyberspace. “Daí, uma das equipes escolheu esse tema para criar esse recurso no cyberspace através de um blog, agregando diferentes fontes de dados para dar maior visibilidade a esse tema”, explica a docente.

Reunindo diferentes fontes de dados relacionados à temática da pobreza menstrual e políticas públicas, e com o apoio e divulgação dos próprios alunos, o blog já é acessado em diversos lugares, e o lançamento pode ser visto no canal do ICS no Youtube. “Alguns estudantes da equipe vêm pesquisando e se aprofundando sobre o tema, inclusive levantando dados em outras disciplinas (quando realizam e apresentam trabalhos), e com certeza desenvolverão seus TCCs sobre essa temática e assim continuarão a produzir materiais acadêmicos dentro desse campo”, afirma. 

Como resultados da disciplina, houve a realização de eventos para dar visibilidade para ações e temáticas abordadas pelos alunos “É isso que acontece quando o blog é acessado no cyberspace, há uma divulgação de materiais dentro da temática pesquisada. Por isso, é importante a continuidade no acompanhamento e alimentação do blog, pois os estudantes irão mantê-lo ativo, inclusive registrando essa visibilidade dele (é possível acompanhar quantitativamente os acessos ao blog, os locais dos acessos, etc.)”, conta a professora Silvia Martins.

Sobre o tema

A pobreza menstrual, é uma temática muito sensível, inclusive porque a menstruação é um assunto ainda tido como tabu. No campo da Antropologia da Menstruação, o tema vem sendo desenvolvido a partir da forma como a menstruação (que se relaciona com condição biológica do corpo fêmeo) é vivenciada em diferentes culturas. 

Segundo a professora Silvia, durante sua trajetória profissional, teve contato com índios Cree-Objwe no Canadá, participando de rituais de sweat-lodge, quando foi informada que não poderia sequer pisar em território de realização de rituais indígenas se estivesse menstruada, pois eles têm uma percepção desse evento como algo relacionado à impureza.

Já entre os Kariri-Xocó, índios em Alagoas, ela aprendeu que é possível, através da ingestão de um chá, “fazer o sangue subir” (interromper a menstruação) e assim ser possível a mulher participar de eventos rituais xamanísticos. Entre os Kariri-Xocó há uma concepção de que durante a menstruação a mulher se encontra com “corpo aberto” e assim, mais vulnerável. É por isso que as mulheres xamãs (“rezadeiras”) não podem praticar rituais de cura quando estão menstruadas. 

“Veja como esses exemplos etnográficos apontam para diferentes atitudes com relação à menstruação em diferentes contextos culturais indígenas na América. São dados que demonstram esse caráter cultural, mas o que é abordado quando focalizamos pobreza menstrual é o fato de no nosso cenário ocidental extremamente desigual, aquelas que estão situadas em contexto de pobreza sofrem imensamente por não contar com modos seguros sanitários para vivenciar esse evento durante várias décadas na vida que é cíclico e mensal”, explica a professora. 

Importância do tema para a universidade

A professora Silvia Martins conta que ações como esta é que fazem a universidade. “É exatamente o que realizamos nessa disciplina. Há uma produção de conhecimento articulando diálogos estabelecidos entre estudantes e interlocutores em espaços de saberes relacionados a questões contemporâneas. Esses saberes podem se relacionar com práticas tradicionais, de religiosidades, artísticas, culturais, de grupos étnicos, identitários, urbanos e ambientais, de direitos humanos. Introduzindo estudantes a formas de articulação através do uso de metodologias participativas (pesquisa-ação, pesquisa participativa, pesquisa engajada) visando a construção de conhecimento colaborativo com os interlocutores de movimentos sociais, ONGs, associações etc”, conta.

Luciléia Colombo, coordenadora de extensão do Instituto de Ciências Sociais, diz que busca sempre fomentar a discussão sobre políticas públicas no ICS, “O blog é fruto de uma Ação Curricular de Extensão (ACE) que um dos objetivos era que os alunos desenvolvessem projetos que fossem importantes para eles do ponto de vista social e esse blog tem como um dos objetivos informar as pessoas sobre esse tema da pobreza menstrual e como podemos transformar em reivindicações em politicas públicas, fazendo essa questão chegar nos governos e eles promovam ações para resolver essas questões”, destaca.

A professora conta que a ideia coordenação de extensão do ICS é buscar estabelecer um diálogo com a comunidade local, através da oferta de cursos, projetos e programas de extensão que também interligam pesquisa e extensão com a comunidade alagoana. 

“O blog Pobreza Menstrual e Políticas Públicas, traz uma contribuição importantíssima para o debate sobre os aspectos que estão relacionados ao fenômeno da pobreza menstrual e o impacto que essa realidade tem não somente sobre as mulheres que se encontram nessa situação, mas também explicita que esse é um problema de toda a sociedade e por isso deve ser tratado como uma questão de saúde pública e acima de tudo, deve ser pensada enquanto direto humano”, ressalta o professor Cézar Nonato, pró-reitor de extensão da Ufal.

“O valor do blog se amplifica ainda mais quando observamos que o mesmo é fruto do processo de curricularização da extensão na formação dos estudantes do ICS e enquanto um produto de extensão termina por ser fruto de um processo que agrega: a pesquisa, para aprofundar e qualificar o trato da temática, a escuta das demandas da sociedade, para balizar a relevância da temática e a busca pelo estabelecimento de uma linguagem que visa ao mesmo tempo ser clara, direta e profunda sem cair num discurso academicista que muitas vezes, ao se tornar hermético, torna-se desinteressante para a população. O Blog Pobreza Menstrual e Políticas Públicas é um exemplo concreto da busca que muitos de nós verbalizamos quando falamos da função social da universidade”, destaca o Pró-Reitor.

Para assistir essas produções de eventos cujos realizadores são próprios estudantes do Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais, coordenadas pela professora Silvia Martins, clique no link. E, Para conhecer outras produções, basta acessar o site. O blog continua ativo e continuará sendo alimentado pelos membros da equipe.