Projeto experimental de estudante desvenda rotina de mulheres presas em Alagoas

Livro-reportagem de Tayane Barreto foi aprovado com nota máxima em seu TCC e recebeu recomendação para ser publicado


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Tayane Barreto apresentou o TCC eplo curso de Jornalismo da Ufal

Tayane Barreto apresentou o TCC eplo curso de Jornalismo da Ufal

Deriky Pereira – jornalista colaborador

Apresentar um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) pode ser considerado o momento máximo de um estudante durante sua graduação. E quando o tema é, por si só, polêmico, causa ainda mais interesse. É o caso do livro-reportagem da estudante de Jornalismo, Tayane Barreto, que apresentou seu projeto experimental no último mês de agosto e com bastante êxito: além de obter a nota máxima, recebeu, de todos os membros da banca, a recomendação para que o material fosse publicado.

Orientado pelo professor Antonio Freitas e coorientado pela jornalista Carla Serqueira, Além do Crime desvenda a realidade de vida das mulheres atrás das grades, a rotina do presídio Santa Luzia, único estabelecimento feminino de Alagoas, e ainda tem a participação de funcionários do Sistema Penitenciário. Durante os meses de novembro de 2014 e janeiro de 2015, a estudante realizou entrevistas com 11 reeducandas e uma ex-detenta liberta após duas semanas de prisão, além de uma mãe visitante, dois agentes penitenciários e dois gerentes do presídio, uma psicóloga, um clínico-geral e uma assistente social.

Em 14 capítulos, o livro apresenta, nos três primeiros, breve situação do presídio Santa Luzia e suas regras. Depois, o material revela os motivos pelos quais as detentas foram encarceradas e, nos dez capítulos que se seguem, todo o cotidiano das mulheres é retratado. “Por fim, um breve olhar interno de dois agentes penitenciários, sobre como é trabalhar naquele local, permitirá justificar e amenizar alguns aspectos negativos apontados pelas entrevistadas. Também são mostradas algumas curiosidades sobre o presídio e três cartas que eu recebi de duas reeducandas”, complementa a estudante.

Ela reforça, porém, que todo o processo de apuração se deu no prédio antigo do Santa Luzia e, por conta disso, toda a narrativa do livro foi feita no passado. “Ao lado desse, um novo presídio, com mais de 200 vagas, estava sendo construído desde 2013. Em outubro de 2015, as presas foram transferidas para a nova unidade e a primeira foi desativada. Assim, para situar o leitor naquele período e local e indicar a modificação na realidade atual, com o propósito de que haja novas sondagens sobre o tema, todo o texto está no passado. No entanto, deixo claro que muitos dramas podem ser sentidos independentemente de tempo e lugar”, diz Tayane.

Temática forte despertou curiosidade

De acordo com a estudante, a vida por trás das grades é um mistério descoberto apenas por quem vive tal realidade. Mas sua curiosidade e a escassez de enfoque local sobre o tema a levaram à elaboração de um livro-reportagem com aprofundamento sob várias perspectivas. “Por mais que se tente adentrar esse mundo como observador, jamais se terá a experiência de um convivente. Contudo, esse é um mundo onde ninguém deveria querer entrar. Então, se eu não podia, e também não queria, sentir isso na pele, nada melhor que ter os olhos, ouvidos e experiências de quem já vivia nele”, explicou Tayane.

A ideia para o tema apareceu no mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, quando sempre surgem campanhas e pautas jornalísticas variadas sobre o gênero. Depois de receber uma mensagem com algumas propostas de pauta, uma delas em especial lhe chamou atenção: o cotidiano de mulheres encarceradas no presídio Santa Luzia, que antes tinha 74 vagas e estava superlotado com mais de 200 presas.

A proposta inicial da estudante era fazer uma grande-reportagem impressa, mediante um mergulho nos fatos e em seu contexto, que identificasse e dimensionasse as dificuldades físicas e psicológicas enfrentadas por essas mulheres. Entretanto, os dados apurados renderam mais conteúdo que o esperado ao ponto de o trabalho ter evoluído para um livro-reportagem.

“Diante disso, meu projeto experimental é essencialmente baseado nas entrevistas feitas às reeducandas, complementado com outros questionamentos aos funcionários, e nas observações e impressões pessoais. No fim, foram três meses de apuração, 16 visitas ao Complexo Penitenciário, 20 pessoas entrevistadas, mais de 100 páginas de anotações e aproximadamente 450 fotos, das quais 43 eu utilizei no meu trabalho”, explica.

Mais de 50% das detentas foram presas por tráfico

A pesquisa de Tayane revela, ainda, uma informação alarmante. Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), por meio do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) revelam que entre 2000 e 2014 o número de mulheres presas aumentou em 567%, enquanto a quantidade de homens, no mesmo período, cresceu em 220%. O perfil nacional mostra também que cerca de 68% das presas possuem vinculação penal por envolvimento com o tráfico de drogas local.

“Em geral, as mulheres do cárcere são jovens, têm filhos, responsáveis pelo sustento familiar, possuem baixa escolaridade, de classe social desfavorecida economicamente e exerciam atividades de trabalho informal em período anterior ao aprisionamento. Em Alagoas o retrato é similar e, aproximadamente, 55% delas foram presas por tráfico, de acordo com a Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social”, diz um trecho da pesquisa.

Separação de mães e filhos

Um dos capítulos mais fortes do livro-reportagem revela como se dava o convívio das gestantes e lactantes no sistema prisional, as dificuldades da maternidade atrás das grades e o processo de separação entre as mães e seus bebês, que acontece sempre no dia em que a criança completa seis meses de vida.

Em um trecho do livro-reportagem, ela cita o drama de uma reeducanda: “Quanto à separação, Tina revelou angustiada: ‘Eu até já tive um surto, chorei muito. Quando completa o quinto mês do bebê é que pesa mais. Sei que é inevitável. Chegando o dia ele vai e pronto’”.

Missão cumprida com sucesso

Tayane diz ainda que cumpriu sua missão com mais sucesso do que imaginava. “Esse experimento me proporcionou aprendizados que eu jamais teria caso eu optasse pelo desenvolvimento de uma monografia. A inserção num mundo completamente desconhecido por mim, a compreensão de outras realidades de vida, o desabafo de pessoas com histórias tão diferentes, tudo isso fez com que eu ficasse ainda mais admirada pelo jornalismo literário”, salientou.

Tanto que, quando a jornada de apuração se aproximava do fim, ela confessa: “já sentia saudades”. Especialmente, porque, em meio a alguns contratempos, a experiência foi muito enriquecedora. “Quando acabou, tudo ainda se assemelhava a um filme, uma aventura, com vários relatos sendo contados. Porém, a certeza que esse filme nunca terá fim me deixa um tanto entristecida, principalmente por saber que infinitas histórias não serão reveladas, tantas vidas continuarão anônimas, apenas guardadas em suas próprias existências”, ressaltou a estudante.

Assim como a condução e elaboração do trabalho, a apresentação também foi bastante comemorada. Em especial por sua mãe, que veio de Salvador exclusivamente para conferir a nota máxima alcançada pela filha. “Muitos parabéns e um grande incentivo à publicação do livro Além do Crime… Posso dizer que o sucesso dos filhos é a realização dos pais. Estou muito feliz!”, declarou Vera Vaz, agradecendo também a Deus pela conquista da filha e já esperando, ansiosa, por ver esse trabalho em livrarias.